Em parte a
predisposição genética, mas, em parcela muito maior, o ambiente e as condições
de desenvolvimento despertam em nós capacidades originais e peculiares. A
pergunta evidente que logo decorre é: podem estes dotes da vida, ou capacidades
pessoais, ajudar alguma coisa para que o futuro da vida humana seja melhor?
Muitas
pessoas, particularmente bem dotadas de capacidades especiais, transformam sua
vida num ritmo que abafa todas estas virtualidades. Ainda ontem uma mãe, toda
chateada com seu filho dizia: meu filho era de uma alegria exuberante, era o
encanto que me dava a maior segurança deste mundo, mas, de alguns anos para cá,
ele é um piano que toca somente uma tecla: trabalho. Não tem domingo, nem
feriado, nem festa, nem tempo para acolher visitas. Parece que sua única
motivação é trabalhar.
O
evangelista Mateus deve ter encontrado nas comunidades do seu alcance uma
postura de excessiva despreocupação com o futuro da vida. Ao lembrar-lhes uma
parábola de Jesus Cristo (Mt 25,14-30), certamente quis conscientizá-los sobre
a importância da vida pessoal de cada membro da comunidade a fim de que produzissem
algo positivo para o bem comum. Deve ter havido muita manifestação de
acomodação e de indiferença pelo bem-estar da comunidade.
Na parábola
de um homem que delegou três outros homens para administrarem valores muito
elevados, está uma interpelação muito insinuante. O texto fala em talentos, e,
facilmente nos engana pela associação de que fomos mais ou menos privilegiados
com capacidades. De fato certos ambientes não facilitaram o pleno
desenvolvimento das virtualidades latentes de cada pessoa: ou foram muito
autoritários, ou coercitivos ou até omissos. Mesmo assim, nunca é tarde demais
para começar a aprender. Aparentemente quem recebeu apenas um talento – medida
de ouro, que equivalia a 34 quilos – percebe-se que até quem recebeu menos,
recebeu, na verdade, um valor muito expressivo. Indiretamente também nós
podemos perguntar-nos: como estou aplicando o dom da vida que recebi
gratuitamente de Deus?
É possível
que muitas pessoas escolham o caminho da acomodação e da indiferença, e acabam
enterrando o grande bem que receberam para administrar: sua própria vida e sua
história. Também hoje vivemos tempos difíceis e o que vemos é muita gente se
fechando sobre si mesmo e sobre seus bens materiais, com progressiva perda da
responsabilidade de fazer com que sua vida produza algo bom e melhor para os
outros do seu entorno, numa aproximação das características de Jesus Cristo.
O risco do
fechamento também envolve uma presumida segurança em certas piedades ou
formalismos religiosos que acomodam e inviabilizam a percepção das injustiças,
e dos sofrimentos decorrentes destes atos. Basta pensar no que significam os
mais de três bilhões de reais que, segundo os noticiários, foram desviados por
apenas algumas pessoas de uma empresa estatal brasileira.
Sobretudo no
campo religioso pode-se observar expressiva resistência a quaisquer reflexões
que possam implicar em partilha, solidariedade ou ação humanitária. Preferem
fechar-se em seus bens ou em seus modos de rezar e, com eles, tornam-se cada
dia mais reacionários e rígidos, enquanto suas ricas virtualidades vão ficando
enterradas e sem produzir nada para o bem-comum.
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