A mesma
tentação que desvirtua Maria, mãe de Jesus Cristo e que leva a transformá-la em
deusa rainha, com a nítida perda da riqueza humanitária dos gestos concretos
daquela mulher, envolve também a pessoa de Jesus Cristo. Basta pensar no título
que lhe é atribuído e, tão explorado no discurso religioso: ele é Rei Poderoso!
Ao
celebrarmos a festa de Cristo Rei, corremos o risco de pensar em alguém muito
poderoso aqui na Terra, e que continua ainda mais poderoso no céu. Com isso,
relegamos o verdadeiro significado desta atribuição, nada parecida com a dos
reis da época, mas, de uma ação histórica, especialmente favorável à inclusão
dos que já não contavam na sociedade e que se viam ignoradas, tanto pelos
governantes quanto pelas autoridades religiosas.
Ao
consideramos, em nossos dias, o quanto aparece de notícia relativa à
negligência dos que se proclamam dedicados na ajuda humanitária a todos, mas,
que revelam tão escancarada corrupção em todas as instâncias de governo,
tendemos a ficar altamente decepcionados. Se a propalada democracia, tão
exaustivamente insinuada como a melhor forma de governo, produz estes frutos,
acabamos desejando outro jeito de governança.
Da Bíblia,
lembramos como Ezequiel (34,11ss) anima o povo profundamente desanimado na
condição escrava. De um lado, ele interpreta o motivo: os que se denominavam
zelosos governantes para o bem do povo, altamente negligentes, estavam
pastoreando apenas em favor de si mesmos. Por outro lado, a passividade do povo
e o progressivo abandono das regras da Aliança permitiram aquela trágica
condição de estarem escravos em outro país e sem condição de se livrarem dos
aproveitadores estrangeiros.
Foi então
que Ezequiel intuiu o que seria fundamental para sair daquela condição: fé em
Deus. Utiliza uma imagem da lida cotidiana de quem cuida de ovelhas, a do
desvelo, para que as desgarradas sejam integradas ao rebanho.
O
evangelista Mateus, num outro momento histórico, interpretou os fatos do cruel contexto
do império romano, e olhou para o que Jesus Cristo fez: foi um servo que se
dedicou especialmente para inserir os excluídos. Seu modo de proceder, não
procurou reunir somente membros das doze tribos que formaram Israel, mas sua
ação indicava que todos os povos poderiam agir como ele: atenção especial para
diminuir o sofrimento de tantas pessoas em variadas situações infra-humanas,
com fome, doenças, prisões, espoliação, etc.
Jesus Cristo
não culpou estas pessoas com o reforço moral de que eram impuras e de que já
estavam condenadas. Tampouco continuou a aplicar-lhes o rótulo de que seriam
impreterivelmente condenadas para além da morte. Bem ao contrário, revelou o
rosto misericordioso de Deus e se mostrou altamente dedicado às vítimas do
sistema político-religioso, escancaradamente injusto.
Lembrar
Cristo Rei, bem ao avesso da concepção triunfalista, pode nos interpelar para
outro modo de agir, que com certeza já lateja em tantas vítimas dos governantes
despóticos, mas, que também precisam de outro modo de agir para não continuarem
no fatalismo de meras vítimas expiatórias de um sistema injusto de governo.
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