quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Reinado de Jesus Cristo



            A mesma tentação que desvirtua Maria, mãe de Jesus Cristo e que leva a transformá-la em deusa rainha, com a nítida perda da riqueza humanitária dos gestos concretos daquela mulher, envolve também a pessoa de Jesus Cristo. Basta pensar no título que lhe é atribuído e, tão explorado no discurso religioso: ele é Rei Poderoso!
            Ao celebrarmos a festa de Cristo Rei, corremos o risco de pensar em alguém muito poderoso aqui na Terra, e que continua ainda mais poderoso no céu. Com isso, relegamos o verdadeiro significado desta atribuição, nada parecida com a dos reis da época, mas, de uma ação histórica, especialmente favorável à inclusão dos que já não contavam na sociedade e que se viam ignoradas, tanto pelos governantes quanto pelas autoridades religiosas.
            Ao consideramos, em nossos dias, o quanto aparece de notícia relativa à negligência dos que se proclamam dedicados na ajuda humanitária a todos, mas, que revelam tão escancarada corrupção em todas as instâncias de governo, tendemos a ficar altamente decepcionados. Se a propalada democracia, tão exaustivamente insinuada como a melhor forma de governo, produz estes frutos, acabamos desejando outro jeito de governança.
            Da Bíblia, lembramos como Ezequiel (34,11ss) anima o povo profundamente desanimado na condição escrava. De um lado, ele interpreta o motivo: os que se denominavam zelosos governantes para o bem do povo, altamente negligentes, estavam pastoreando apenas em favor de si mesmos. Por outro lado, a passividade do povo e o progressivo abandono das regras da Aliança permitiram aquela trágica condição de estarem escravos em outro país e sem condição de se livrarem dos aproveitadores estrangeiros.
            Foi então que Ezequiel intuiu o que seria fundamental para sair daquela condição: fé em Deus. Utiliza uma imagem da lida cotidiana de quem cuida de ovelhas, a do desvelo, para que as desgarradas sejam integradas ao rebanho.
            O evangelista Mateus, num outro momento histórico, interpretou os fatos do cruel contexto do império romano, e olhou para o que Jesus Cristo fez: foi um servo que se dedicou especialmente para inserir os excluídos. Seu modo de proceder, não procurou reunir somente membros das doze tribos que formaram Israel, mas sua ação indicava que todos os povos poderiam agir como ele: atenção especial para diminuir o sofrimento de tantas pessoas em variadas situações infra-humanas, com fome, doenças, prisões, espoliação, etc.
            Jesus Cristo não culpou estas pessoas com o reforço moral de que eram impuras e de que já estavam condenadas. Tampouco continuou a aplicar-lhes o rótulo de que seriam impreterivelmente condenadas para além da morte. Bem ao contrário, revelou o rosto misericordioso de Deus e se mostrou altamente dedicado às vítimas do sistema político-religioso, escancaradamente injusto.
            Lembrar Cristo Rei, bem ao avesso da concepção triunfalista, pode nos interpelar para outro modo de agir, que com certeza já lateja em tantas vítimas dos governantes despóticos, mas, que também precisam de outro modo de agir para não continuarem no fatalismo de meras vítimas expiatórias de um sistema injusto de governo.



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