Não faltam
afirmações categóricas a respeito do que Deus é, e insistências relativas a tudo
quanto Ele ajuda, em certos lugares, através de certos caminhos, e com certas mediações
exotéricas de rezas ou cultos.
O filósofo Emanuel Kant levantou uma
suspeita sobre os discursos, geralmente inflamados e de muitas atribuições relativas
aos poderes de Deus, e indagou: quando um cristão, ou teólogo, fala muito do
que Deus pede para ser feito e observado, é Deus mesmo que pede tal
procedimento, ou é a pessoa que quer se afirmar sobre outras e se vale de certos
atributos de Deus para justificar e reforçar seu procedimento autoritário e
dominador?
Certos
slogans afirmativos de que Deus é fiel, que é poderoso, que é curandeiro, e
seletivo, provavelmente escondem interesses de dominação e de controle exercido
por quem não tem nada a ver com Deus, mas se vale Dele para obter influência.
Isto, no entanto, não significa que devamos dispensar sua intercessão e apenas
confiar em nossas próprias forças de persuasão e de ação.
Vivemos
atualmente uma ambigüidade básica em relação a Deus. Ao longo de muitos séculos
predominou, nos âmbitos do cristianismo, a noção de que Deus é o centro de tudo
o que existe. Nos últimos séculos, outro modo cultural de pensar deslocou a
centralidade para o que existe em torno do ser humano: o humano é o centro de
tudo. Influenciados pelas duas concepções, muitas pessoas oram e insistem
ardentemente para pedir ajuda de Deus, mas, de forma similar a uma criança que
quer ser autônoma e auto-suficiente. Quando cai, se machuca ou, quando sente
fome, perigo ou sede, apela por socorro com todos os recursos das chantagens
emocionais.
Muitos
cristãos, altamente entusiasmados com as perspectivas das conquistas humanas e
dos avanços tecnológicos, embrenham-se de tal forma nos trabalhos, nas conquistas,
bem como, na busca de superações e ampliação do consumo de novidades, que
dispensam Deus na vida prática e cotidiana. Somente o lembram em momentos de
crise, de fracasso, de ameaças ou de perdas. Nestes casos, usam de muita
persuasão, presumindo convencê-lo a dobrar-se sobre seus interesses, e, que Ele
necessariamente atenda rapidamente os menores detalhes solicitados. O forte,
então, não é Deus, mas, quem o invoca na hora do aperto e sem nenhum vínculo
comunitário.
As
interpelações de Deus talvez possam sensibilizar-nos em outro sentido da
existência. Pelo menos, do que Jesus Cristo manifestou, podemos deduzir que
somos convidados a colaborar na construção do Reino, no qual Deus pode ocupar a
primazia e, nós com tudo o que fazemos, podemos fortalecer-nos e completar-nos paulatinamente
para que a confiança nos torne mais capazes de lidar com adversidades e com
contratempos, e mais, participar eficientemente da construção de um mundo
melhor. Portanto, a centralidade hegemônica do ser humano na vida do planeta
não significa que se possa fazer qualquer coisa pensável ou impensável e,
diante do fracasso, solicitar intervenção divina. Algo mais e maior do que o
ser humano nos envolve. Existe também uma responsabilidade, não apenas relacionada
à conservação de eco-sistemas, mas, igualmente relativa à possibilidade de que
todos os seres humanos possam ter vida razoavelmente digna, confortável,
saudável e de convivência medianamente tolerável.
Sob este
aspecto precisamos de muita confiança em Deus, pois, podemos constatar, com
toda facilidade, que o reino de homens, com tantas guerras, disputas,
dominações e controles, não está propiciando nem boa convivência e nem a mais
elementar possibilidade de viver na retidão das regras éticas estabelecidas.
Em outro sentido, confiar em Deus implica numa
abertura interior para ser melhor. Se muita oração ainda não se elevou acima do
nível infantil de pedir, com apelações, manhas e interesses egocêntricos ou
mercantilistas, cabe-nos valorizar, sobretudo, os momentos de escuta e de
silêncio a fim de criar, pelo menos em alguns momentos, espaços que permitam
acolher o que Ele possa nos interpelar, e nós, possamos agir, mais com o
coração do que movidos pela obstinada ambição em torno do acúmulo de bens.
A confiança
de que Deus pode nos ajudar a lidar com nosso mundo interior, muitas vezes, semelhante
a um vulcão que expele de tudo, requer que o sintamos como firmeza e solidez.
Na Bíblia não faltam imagens alegóricas relativas à rocha para ilustrar o
desejo de contar com este suporte que permite administrar desafios e
dificuldades aparentemente insuportáveis. Mais do que a hipocrisia de piedades
e orações supostamente mágicas e milagrosas para obtenção de poderes especiais
e, mais do que o legalismo de discípulos meramente rubricistas e controladores,
precisamos de confiança que não seja nem passiva e nem, tampouco, para
justificar o que fazemos e que nem sempre é tão bom quanto pressupomos.
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