sábado, 1 de março de 2014

Confiança em Deus



            Não faltam afirmações categóricas a respeito do que Deus é, e insistências relativas a tudo quanto Ele ajuda, em certos lugares, através de certos caminhos, e com certas mediações exotéricas de rezas ou cultos.
O filósofo Emanuel Kant levantou uma suspeita sobre os discursos, geralmente inflamados e de muitas atribuições relativas aos poderes de Deus, e indagou: quando um cristão, ou teólogo, fala muito do que Deus pede para ser feito e observado, é Deus mesmo que pede tal procedimento, ou é a pessoa que quer se afirmar sobre outras e se vale de certos atributos de Deus para justificar e reforçar seu procedimento autoritário e dominador?
            Certos slogans afirmativos de que Deus é fiel, que é poderoso, que é curandeiro, e seletivo, provavelmente escondem interesses de dominação e de controle exercido por quem não tem nada a ver com Deus, mas se vale Dele para obter influência. Isto, no entanto, não significa que devamos dispensar sua intercessão e apenas confiar em nossas próprias forças de persuasão e de ação.
            Vivemos atualmente uma ambigüidade básica em relação a Deus. Ao longo de muitos séculos predominou, nos âmbitos do cristianismo, a noção de que Deus é o centro de tudo o que existe. Nos últimos séculos, outro modo cultural de pensar deslocou a centralidade para o que existe em torno do ser humano: o humano é o centro de tudo. Influenciados pelas duas concepções, muitas pessoas oram e insistem ardentemente para pedir ajuda de Deus, mas, de forma similar a uma criança que quer ser autônoma e auto-suficiente. Quando cai, se machuca ou, quando sente fome, perigo ou sede, apela por socorro com todos os recursos das chantagens emocionais.
            Muitos cristãos, altamente entusiasmados com as perspectivas das conquistas humanas e dos avanços tecnológicos, embrenham-se de tal forma nos trabalhos, nas conquistas, bem como, na busca de superações e ampliação do consumo de novidades, que dispensam Deus na vida prática e cotidiana. Somente o lembram em momentos de crise, de fracasso, de ameaças ou de perdas. Nestes casos, usam de muita persuasão, presumindo convencê-lo a dobrar-se sobre seus interesses, e, que Ele necessariamente atenda rapidamente os menores detalhes solicitados. O forte, então, não é Deus, mas, quem o invoca na hora do aperto e sem nenhum vínculo comunitário.
            As interpelações de Deus talvez possam sensibilizar-nos em outro sentido da existência. Pelo menos, do que Jesus Cristo manifestou, podemos deduzir que somos convidados a colaborar na construção do Reino, no qual Deus pode ocupar a primazia e, nós com tudo o que fazemos, podemos fortalecer-nos e completar-nos paulatinamente para que a confiança nos torne mais capazes de lidar com adversidades e com contratempos, e mais, participar eficientemente da construção de um mundo melhor. Portanto, a centralidade hegemônica do ser humano na vida do planeta não significa que se possa fazer qualquer coisa pensável ou impensável e, diante do fracasso, solicitar intervenção divina. Algo mais e maior do que o ser humano nos envolve. Existe também uma responsabilidade, não apenas relacionada à conservação de eco-sistemas, mas, igualmente relativa à possibilidade de que todos os seres humanos possam ter vida razoavelmente digna, confortável, saudável e de convivência medianamente tolerável.
            Sob este aspecto precisamos de muita confiança em Deus, pois, podemos constatar, com toda facilidade, que o reino de homens, com tantas guerras, disputas, dominações e controles, não está propiciando nem boa convivência e nem a mais elementar possibilidade de viver na retidão das regras éticas estabelecidas.
 Em outro sentido, confiar em Deus implica numa abertura interior para ser melhor. Se muita oração ainda não se elevou acima do nível infantil de pedir, com apelações, manhas e interesses egocêntricos ou mercantilistas, cabe-nos valorizar, sobretudo, os momentos de escuta e de silêncio a fim de criar, pelo menos em alguns momentos, espaços que permitam acolher o que Ele possa nos interpelar, e nós, possamos agir, mais com o coração do que movidos pela obstinada ambição em torno do acúmulo de bens.
            A confiança de que Deus pode nos ajudar a lidar com nosso mundo interior, muitas vezes, semelhante a um vulcão que expele de tudo, requer que o sintamos como firmeza e solidez. Na Bíblia não faltam imagens alegóricas relativas à rocha para ilustrar o desejo de contar com este suporte que permite administrar desafios e dificuldades aparentemente insuportáveis. Mais do que a hipocrisia de piedades e orações supostamente mágicas e milagrosas para obtenção de poderes especiais e, mais do que o legalismo de discípulos meramente rubricistas e controladores, precisamos de confiança que não seja nem passiva e nem, tampouco, para justificar o que fazemos e que nem sempre é tão bom quanto pressupomos.
           


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