quarta-feira, 5 de março de 2014

Pequenez humana e atrevimento



            É muito antiga a sensibilidade religiosa, mesclada com uma intuição profunda de que as criaturas humanas, engendradas no meio do húmus da Terra, não poderiam atrever-se a ocupar o lugar e a função de quem é incomparavelmente maior e mais complexo do que suas belas obras, dentre as quais, se destacam os seres humanos, culturalmente desvirtuados há muito tempo e educados para a agressividade e a luta por possessão de bens materiais e simbólicos.
            O texto bíblico que trata sobre o surgimento da condição humana valeu-se de uma rica imagem artística: o ser humano é como um tijolo de barro diante do oleiro. A mãe da humanidade, que é a Terra, e que, através de seu húmus permite a existência humana, indica que o risco de seres humanos pretenderem colocar-se no lugar de Deus, gera sofrimentos, desequilíbrios nos eco-sistemas da natureza, espoliações, guerras e mortes injustas.
            A antiga noção bíblica ajuda a entender, ainda em nossos dias, porque tantos dramas existenciais profundos e tantas mazelas na convivência social infernizam incontáveis seres humanos. Como um tijolo ou vaso bem moldado pela habilidade artística do Criador, movemo-nos numa existência frágil, curta e fugaz. Portanto, não deveríamos gastar nenhum tempo em torno de ódios, vinganças e ambições desmedidas. Mesmo assim, nos deparamos com esta perversidade, que parece constituir o pão de cada dia. Se nos perguntamos a respeito do por que destes sofrimentos, encontramos uma raiz de causas muito similar à observação bíblica de inúmeros séculos atrás.
Naquele tempo, a opressão da monarquia causava sofrimentos incalculáveis. Como uma astuta cobra venenosa, dava o bote por todo o âmbito do país e era capaz de tudo, desde a alienação das pessoas para facilitar que a presumida sabedoria justificasse ainda mais e melhor o acúmulo de riquezas. Todo o poder, aparentemente propiciado por Deus, não passava de enganosa usurpação.
Algumas décadas depois da morte de Jesus Cristo, comunidades de seus seguidores viam-se diante da mesma ação diabólica, gestora de divisões internas nos indivíduos e de desencontros sociais profundos. As vítimas sentiam-se envolvidas pela víbora peçonhenta, que na astúcia de seus movimentos, apelava à lógica egoísta de acúmulo, insensível ao sofrimento alheio. Viram, no entanto, que Jesus Cristo lidou de uma forma peculiar e interpeladora diante desta forma venenosa à convivência humana: não entrou no jogo do poder econômico, nem do status religioso e, nem se aproveitou do espaço político para alargar seus poderes, nem tampouco centralizou a idolatria de suas riquezas e, nem mesmo, valeu-se de privilégios auferidos pela religião.

Para as primeiras comunidades cristãs, este avivamento dos traços marcantes de Cristo apontava para um caminho alternativo: na solidariedade e no respeito profundo entre os seres humanos, age a graça de Deus, e torna as pessoas muito mais genuínas do que já são por origem: a partir da bela e profunda transformação de elementos do húmus da Terra, podem elevar-se à grandeza de expressar encantamento a quem contempla sua existência.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

<center>ERA DIGITAL E DESCARTABILIDADE</center>

    Criativa e super-rápida na inovação, A era digital facilita a vida e a ação, Mas enfraquece relacionamentos, E produz humanos em...