É muito
antiga a sensibilidade religiosa, mesclada com uma intuição profunda de que as
criaturas humanas, engendradas no meio do húmus da Terra, não poderiam
atrever-se a ocupar o lugar e a função de quem é incomparavelmente maior e mais
complexo do que suas belas obras, dentre as quais, se destacam os seres humanos,
culturalmente desvirtuados há muito tempo e educados para a agressividade e a luta
por possessão de bens materiais e simbólicos.
O texto
bíblico que trata sobre o surgimento da condição humana valeu-se de uma rica
imagem artística: o ser humano é como um tijolo de barro diante do oleiro. A
mãe da humanidade, que é a Terra, e que, através de seu húmus permite a
existência humana, indica que o risco de seres humanos pretenderem colocar-se
no lugar de Deus, gera sofrimentos, desequilíbrios nos eco-sistemas da
natureza, espoliações, guerras e mortes injustas.
A antiga
noção bíblica ajuda a entender, ainda em nossos dias, porque tantos dramas
existenciais profundos e tantas mazelas na convivência social infernizam
incontáveis seres humanos. Como um tijolo ou vaso bem moldado pela habilidade
artística do Criador, movemo-nos numa existência frágil, curta e fugaz.
Portanto, não deveríamos gastar nenhum tempo em torno de ódios, vinganças e
ambições desmedidas. Mesmo assim, nos deparamos com esta perversidade, que parece
constituir o pão de cada dia. Se nos perguntamos a respeito do por que destes
sofrimentos, encontramos uma raiz de causas muito similar à observação bíblica
de inúmeros séculos atrás.
Naquele tempo, a opressão da
monarquia causava sofrimentos incalculáveis. Como uma astuta cobra venenosa, dava
o bote por todo o âmbito do país e era capaz de tudo, desde a alienação das
pessoas para facilitar que a presumida sabedoria justificasse ainda mais e
melhor o acúmulo de riquezas. Todo o poder, aparentemente propiciado por Deus,
não passava de enganosa usurpação.
Algumas décadas depois da morte de
Jesus Cristo, comunidades de seus seguidores viam-se diante da mesma ação
diabólica, gestora de divisões internas nos indivíduos e de desencontros
sociais profundos. As vítimas sentiam-se envolvidas pela víbora peçonhenta, que
na astúcia de seus movimentos, apelava à lógica egoísta de acúmulo, insensível
ao sofrimento alheio. Viram, no entanto, que Jesus Cristo lidou de uma forma
peculiar e interpeladora diante desta forma venenosa à convivência humana: não
entrou no jogo do poder econômico, nem do status religioso e, nem se aproveitou
do espaço político para alargar seus poderes, nem tampouco centralizou a
idolatria de suas riquezas e, nem mesmo, valeu-se de privilégios auferidos pela
religião.
Para as primeiras comunidades
cristãs, este avivamento dos traços marcantes de Cristo apontava para um
caminho alternativo: na solidariedade e no respeito profundo entre os seres
humanos, age a graça de Deus, e torna as pessoas muito mais genuínas do que já
são por origem: a partir da bela e profunda transformação de elementos do húmus
da Terra, podem elevar-se à grandeza de expressar encantamento a quem contempla
sua existência.
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