quinta-feira, 27 de março de 2014

A complicada cegueira de fé



            O desejo do alcance de níveis mais elevados e mais profundos de fé não está livre e nem isento de fáceis auto-enganos. Ao mesmo tempo, constitui tentação a busca de maior solidez de fé, sem os necessários percursos e os importantes processos de auto-análise e reinterpretação do passado para real crescimento na fé.
            No campo da fé, com certeza, número muito elevado de cristãos vive uma cegueira congênita, isto é, foi feito cego na fé pelo seu ambiente de criação e de convivência. A forma de socialização faz com que muitas pessoas não passem de cegos de nascença.
 Estas pessoas foram educadas para a submissão, para a dependência e o entorno do meio-ambiente as acostumou a se pensarem como seres fadados a pedir esmola, não de comida, mas, especialmente, de atenção, de afeto e de complacência por parte das outras pessoas.
É uma sutil disfunção que torna estas pessoas dependentes e incapazes de sair da situação existencial, porque o próprio ambiente se acostumou a aplicar-lhes este rótulo de que são assim mesmo e elas fizeram introjeção desta imagem. Sob um olhar fixo, o ambiente leva-as ao conformismo.
            A questão que se coloca é como tais pessoas dependentes possam vir a dar-se conta de que são dependentes? A consciência do limite pressupõe um importante meio para se chegar ao alcance de mais fé. Entretanto, como é grande a busca de caminhos rápidos e fáceis para o alcance de muita fé! Muitas pessoas ainda se movem pela dedução de que, com o aumento de fé, alcançam espaço social de superioridade para interferir sobre outras pessoas.
            Nas primeiras comunidades cristãs muitas pessoas encontraram reais e efetivas dificuldades para crescer no seguimento de Jesus Cristo. Até mesmo a pressão social do grupo de envolvimento dos que queriam enxergar mais e melhor, abafava iniciativas pessoais e forçava pessoas dependentes a ficarem mais ou menos no mesmo patamar.
            O evangelista João ao refletir teologicamente sobre este duplo significado do “ser cego” e da possibilidade “de ver”, relatou um episódio muito interessante em torno de um cego de nascença. O cego quis enxergar e Jesus também quis ajudá-lo, mas, as pessoas ao seu redor tiveram mil resistências para admitir que esta pessoa, sem fé, tivesse trabalhado sua cegueira e enxergasse, ou seja, que passou a ver o seguimento de Cristo sob outros olhares: não mais da mendicância, mas do anúncio da boa novidade que salva.
            O ato humanitário de Jesus Cristo não foi de magia fácil e sensacionalista. Valeu-se da terapêutica vigente na época, passou barro com saliva nos olhos, e, o que é mais importante, mandou o cego procurar o enviado. Neste processo, o cego passou a “enxergar”. Não se tratava, por conseguinte, de uma cegueira de olhos, mas, com certeza, de uma cegueira de fé.
            A mudança do modo de ser do cego gerou uma porção de contendas. Cada um queria saber melhor do que o outro porque ele era cego, e, por quais mediações estava enxergando. Como ele passou a “enxergar”, os presumidos clarividentes da fé é que se viram situados como os verdadeiros cegos. Estavam extremamente preocupados em torno do saber por que o antigo e conhecido cego, deixou de ser cego, mas, se mostraram pouco afoitos para adotar a mediação e o seu itinerário de fé.
 Numa das respostas de Cristo aos invocados com a mudança do cego, estava uma afirmação bem contundente: que os verdadeiros cegos eram precisamente aqueles que presumiam enxergar tudo.
            Uma das penosas dificuldades em nossas comunidades cristãs circula em torno desta mesma questão: pessoas verdadeiramente cegas de fé querem com alguns ritos, rezas, novenas e salamaleques, ocupar a onipotência de Deus e forçar outras pessoas à submissão.
Há muitos verdadeiros cegos ocupando espaços importantes de paróquias, de pastorais e de movimentos que se revelam bem mais cegos do que aquelas pessoas do tempo de Cristo. Estão mais inquietas com o deslocamento que foca somente possíveis causas secundárias de um cego de fé que, em Cristo, encontrou a luz que precisava para “enxergar”. Também resistem a admitir que outros cegos deixem de ocupar a função de mendicância diante de pessoas controladoras que se acham insubstituíveis e inalcançáveis nos seus patamares de fé. Trata-se, muitas vezes,  de uma fé de meros costumes medíocres.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

<center>ERA DIGITAL E DESCARTABILIDADE</center>

    Criativa e super-rápida na inovação, A era digital facilita a vida e a ação, Mas enfraquece relacionamentos, E produz humanos em...