O desejo do alcance de níveis mais elevados e mais profundos de fé não está
livre e nem isento de fáceis auto-enganos. Ao mesmo tempo, constitui tentação a
busca de maior solidez de fé, sem os necessários percursos e os importantes
processos de auto-análise e reinterpretação do passado para real crescimento na
fé.
No campo da
fé, com certeza, número muito elevado de cristãos vive uma cegueira congênita,
isto é, foi feito cego na fé pelo seu ambiente de criação e de convivência. A
forma de socialização faz com que muitas pessoas não passem de cegos de
nascença.
Estas pessoas foram educadas para a submissão,
para a dependência e o entorno do meio-ambiente as acostumou a se pensarem como
seres fadados a pedir esmola, não de comida, mas, especialmente, de atenção, de
afeto e de complacência por parte das outras pessoas.
É uma sutil disfunção que torna estas
pessoas dependentes e incapazes de sair da situação existencial, porque o
próprio ambiente se acostumou a aplicar-lhes este rótulo de que são assim mesmo
e elas fizeram introjeção desta imagem. Sob um olhar fixo, o ambiente leva-as
ao conformismo.
A questão
que se coloca é como tais pessoas dependentes possam vir a dar-se conta de que
são dependentes? A consciência do limite pressupõe um importante meio para se chegar
ao alcance de mais fé. Entretanto, como é grande a busca de caminhos rápidos e
fáceis para o alcance de muita fé! Muitas pessoas ainda se movem pela dedução
de que, com o aumento de fé, alcançam espaço social de superioridade para interferir
sobre outras pessoas.
Nas
primeiras comunidades cristãs muitas pessoas encontraram reais e efetivas
dificuldades para crescer no seguimento de Jesus Cristo. Até mesmo a pressão
social do grupo de envolvimento dos que queriam enxergar mais e melhor, abafava
iniciativas pessoais e forçava pessoas dependentes a ficarem mais ou menos no
mesmo patamar.
O
evangelista João ao refletir teologicamente sobre este duplo significado do “ser
cego” e da possibilidade “de ver”, relatou um episódio muito interessante em
torno de um cego de nascença. O cego quis enxergar e Jesus também quis
ajudá-lo, mas, as pessoas ao seu redor tiveram mil resistências para admitir
que esta pessoa, sem fé, tivesse trabalhado sua cegueira e enxergasse, ou seja,
que passou a ver o seguimento de Cristo sob outros olhares: não mais da
mendicância, mas do anúncio da boa novidade que salva.
O ato
humanitário de Jesus Cristo não foi de magia fácil e sensacionalista. Valeu-se
da terapêutica vigente na época, passou barro com saliva nos olhos, e, o que é
mais importante, mandou o cego procurar o enviado. Neste processo, o cego
passou a “enxergar”. Não se tratava, por conseguinte, de uma cegueira de olhos,
mas, com certeza, de uma cegueira de fé.
A mudança do
modo de ser do cego gerou uma porção de contendas. Cada um queria saber melhor
do que o outro porque ele era cego, e, por quais mediações estava enxergando.
Como ele passou a “enxergar”, os presumidos clarividentes da fé é que se viram
situados como os verdadeiros cegos. Estavam extremamente preocupados em torno
do saber por que o antigo e conhecido cego, deixou de ser cego, mas, se
mostraram pouco afoitos para adotar a mediação e o seu itinerário de fé.
Numa das respostas de Cristo aos invocados com
a mudança do cego, estava uma afirmação bem contundente: que os verdadeiros
cegos eram precisamente aqueles que presumiam enxergar tudo.
Uma das
penosas dificuldades em nossas comunidades cristãs circula em torno desta mesma
questão: pessoas verdadeiramente cegas de fé querem com alguns ritos, rezas,
novenas e salamaleques, ocupar a onipotência de Deus e forçar outras pessoas à
submissão.
Há muitos verdadeiros cegos ocupando
espaços importantes de paróquias, de pastorais e de movimentos que se revelam bem
mais cegos do que aquelas pessoas do tempo de Cristo. Estão mais inquietas com
o deslocamento que foca somente possíveis causas secundárias de um cego de fé
que, em Cristo, encontrou a luz que precisava para “enxergar”. Também resistem
a admitir que outros cegos deixem de ocupar a função de mendicância diante de
pessoas controladoras que se acham insubstituíveis e inalcançáveis nos seus
patamares de fé. Trata-se, muitas vezes, de uma fé de meros costumes medíocres.
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