domingo, 23 de março de 2014

Contenda entre Deus e o Divino Pai Eterno



            Em meio aos devaneios próximos da morbidez de uma madrugada escura, vi-me envolvido por um ato alucinatório em que apareceu uma anjinha, muito mais linda do que as das imagens, irradiante e formosa, e que veio cochichar no ouvido esquerdo, de modos que o ar da sua fala sibilava suavemente nas reentrâncias da orelha:
- Sabes de uma coisa, - falou ela, com aquele jeitinho um tanto fofoqueiro, mas sedutor e atraente! - Eu acabo de presenciar uma discussão ferrenha entre Deus e o “Divino Pai Eterno”. O assunto era sério, e, até desconfiei que chegassem a medir forças no braço!
- Uai! Qual poderia ter sido motivo tão grave para eles revelarem traços precípuos, peculiares e cotidianos dos seres daqui da Terra? Não parece tal procedimento ser pouco lisonjeiro para a circularidade do amor trinitário?
- Pelo que eu pude constatar – disse a anjinha - Deus não está nada satisfeito com os procedimentos do “Divino Pai Eterno”. Acontece que o “Divino Pai Eterno” se envolveu na tentação da alma humana de colocar-se acima de Deus! Anda pretensioso e ambicioso demais. Já está muito pior do que Baal que minou, com quatrocentos sacerdotes, a religião do judaísmo num momento da sua história. Aquele santuário “Divino Pai Eterno” lá no sertão de Goiás, que um pretenso séquito de sacerdotes redentores está levando à frente, parece que não combina nada com tudo quanto fora proposto e testemunhado por Jesus Cristo. Deus disse que o pior é que exploram a piedade popular e nas suas melífluas conversas, mescladas de alguns ritos mágicos, submetem ricos e pobres de todo o Brasil. Através de apelação insistente à dadivosa contribuição mensal para a residência oficial do “Divino Pai Eterno” no Brasil, praticam algo parecido com extorsão, e, desviam a pertença das pessoas da sua comunidade concreta e real, para fazê-las vincular-se, apenas virtualmente, àquela suntuosa residência. Num escândalo aparentemente tão ignóbil quanto o do santuário da antiga Betel, só se fala em grandes ações divinas; mas, sorrateiramente, transforma-se a religião em comércio banal e lucrativo, e, que aliena as pessoas de fé dos seus elementos básicos da articulação solidária em comunidade.
- Jesus amado, até isso?
- Sim, disse a anjinha: ouvi Deus falar que lá na Terra estão soltando conversa de que o “Divino Pai Eterno” já se encontra bem acima Dele e que os agraciados do “Divino Pai Eterno” exploram através de aviltantes pedágios os poucos acessos de impregnação do divino que ainda não foram amealhados pela esperteza de alguns pastores, bem conhecidos lá no Brasil.
- Mas, linda anjinha de Deus! Quer dizer que Ele deu uma esfriada nos ânimos do “Divino Pai Eterno”?
- Pelo que observei, sim!
- Ainda bem, porque eu ando meio desconfiado de que certo jeitinho bem brasileiro detém a virtualidade de incorporar o céu e a terra sob a égide do “Divino Pai Eterno”. Oh, maravilha, pois, fico um tanto mais sossegado. Sobra, então, pelo menos uma tênue esperança de que um dia ainda se adorará Deus em “espírito e verdade” e não na subserviência das disputas dos que querem, sob o suposto poder hegemônico do “Divino Pai Eterno” ou de outras fontes de milagre apossar-se das almas para salvar seus parcos soldos, a fim de completar a residência oficial do presumido todo-poderoso, bem no coração de Goiás.
- Quando fui abrir a boca para pedir se a anjinha tinha mais alguma novidade interessante lá das egrégias beatitudes dos céus, acordei supinamente, e perdi de vista aquela criatura fulgurante. Oh dó!


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