sexta-feira, 10 de março de 2017

Fé e inseguranças



            Ao lado dos muitos níveis de fé, que vão de ingênuas piedades e elevados compromissos, aparecem surpresas e crises de fé. No entanto, existe uma propensão para se procurar segurança em certos ritos e hábitos de praxes religiosas, com a pressuposição de que conferem especiais poderes e graças.
            Chega a ser espantoso o clima criado em torno de certos títulos marianos e a verdadeira correria atrás de certas induções milagreiras banais em torno de novos lugares, todos apresentados como propiciadores de milagres muito notáveis e instantâneos.
            Ao lembrarmos o chamado pai da fé, o antigo patriarca Abraão (Gn 12, 1-4), ele foi tornado referência porque sua fé o levou a querer vivenciar um grande sonho de futuro e que o levou a um progressivo diálogo com Deus. Por orações e rituais simbólicos desejou Abraão expressar seus anseios a Deus. Simultaneamente, Abraão percebia que tal aliança implicava em lidar com as inseguranças: partir, sair, começar de novo. Parece algo diametralmente contrário ao que se busca em tantos lugares de culto.
            O apóstolo Paulo constitui outro exemplo de alguém que se transformou profundamente a partir da fé, mas, nada a ver com coisas mágicas e intimistas. Foi paulatinamente mais forte para suportar adversidades, injúrias e calúnias e nem por isso deixou de pensar ainda mais no bem-estar das comunidades de fé. Demonstrou isso ao saber do colega Timóteo, que ficou muito abatido quando foi informado que Paulo se encontrava preso na cadeia. Ao invés de se colocar como vítima sofredora e barganhar afeto para suportar aquele sofrido isolamento na cadeia, Paulo tomou a iniciativa de escrever a Timóteo a fim de alertá-lo para que aproveitasse essa ocasião e se solidificasse ainda mais no seguimento a Cristo (2Tm 1, 8-10). A graça do amor de Deus o levaria a suportar os sofrimentos e os medos dos que poderiam causar-lhe algo parecido do que estava ocorrendo com seu amigo Paulo. A vocação à santidade cobrava o preço desta coerência.
            Do apóstolo Pedro pode-se recordar, na mesma perspectiva, um processo de fé que o levou a reconhecer melhor os sinais de Deus. Sua concepção de fé o havia levado a considerar Deus no nível de Abraão, Moisés, Elias e, possivelmente, outras lideranças simpáticas e de ascensão social. Todavia, num momento de oração, fez uma experiência hierofânica e percebeu que Jesus brilhava como orientação superior para fazer a vontade de Deus. Nele, Deus estava revelando sua habitação na condição humana, e este encantamento dava a Pedro uma força especial para vencer os muitos medos e inseguranças alimentados em torno de Jesus Cristo.
            A imagem do rosto brilhante, mais do que em outras ocasiões, deu a Pedro uma elucidação essencial: Jesus não se constituía apenas num líder carismático, que arrastava discípulos e multidões pela simpatia ou por um discurso visando ascensão de poder. Pelo contrário, constituía a morada de Deus e Pedro sentiu que este Jesus o interpelava a ter a mesma capacidade de lidar com tantas fraquezas humanas e, acima de tudo, com a vivência de uma fé de meras praxes rituais e que não ofereciam resposta aos problemas candentes da vida religiosa judaica.

            A fé se elucidou não como um porto seguro de proteção e defesa, mas, um dinamismo interior capaz de leva-lo a lidar com dificuldades de toda natureza.

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