sexta-feira, 24 de março de 2017

Cegos de nascença


            Nosso momento histórico faz emergir uma inquietação profunda diante dos abusos cometidos pelos que se proclamavam probos e bons homens, capazes de resolver velhos e candentes problemas do país. De conversas e mentiras repetidas à exaustão, ensejaram concluir que a maior parte da população é cega e nem terá condição de enxergar o que eles, os mandantes sabiam fazer sob as aparências do interesse público e coletivo.
            Na multiplicidade dos significados da cegueira, vemos que o da incapacidade visual está bem relacionado a pessoas que tem visão normal e que conseguem ler e interpretar o que visualizam, mas, não percebem a cegueira da sua tática de controlar as pessoas pela condição da mendicância.
            Os proclamados condutores da grande massa cega, os governantes, falam e discursam que captam com perspicácia o que o povo mais precisa, mas, pelo que efetivamente fazem, conduzem seus passos e os atrelam aos seus interesses. Sua cegueira é a de não saírem de sua maldade: enxergam somente algumas coisas para seus interesses pessoais. Ao mesmo tempo, recusam-se a iluminar a vida sofrida a fim de lhe propiciar direitos básicos. Querem que continuem mendigos. Aquilo que enxergam no povo, torna-se, na verdade, o motivo de sua condenação.
            O texto do Evangelho de São João trata, no capítulo 9, como Jesus levou um cego a perceber sua cegueira (não de vista) e aceitar uma luz para agir do jeito de Jesus Cristo. No diálogo em torno da cegueira, quer-se saber do culpado do homem que não enxerga. Jesus despistou esta conversa e mandou o cego lavar-se na piscina de Siloé (que significa Enviado).
            Socializado para ser um mero mendigo, o cego causou reações e murmúrios quando retornou da piscina e dizia que estava enxergando. Os que eram mesmo os cegos efetivos (fariseus) quiseram, então, se interessar pelo causador da visão e simplesmente não estavam dispostos a admitir que aquele vivente tivesse passado da condição de cegueira para a de enxergar. Inconformados, os fariseus ameaçaram expulsar da cidade quem declarasse Jesus como autor da mudança na vida naquele cego.
            Pior ainda, começaram a denegrir a imagem de Jesus. No entanto, não queriam que o cego enxergasse e passaram a acusá-lo de que de que era seguidor de Jesus Cristo, mas, na prática, o cego revelou mais bom-senso e perspicácia do que os fariseus, que presumiam enxergar bem para conduzir os cegos “mendigos”.
             Afinal, se muitos cegos de nascença viessem a manifestar a mesma mudança daquele que começou a enxergar, eles, os fariseus, é que teriam que reconhecer sua cegueira. Optaram pelo mais fácil: ao constatarem que aquele antigo cego fez um ato de fé em Jesus (“Eu creio Senhor”) mandaram-no embora.
            Alguns fariseus, pelo menos, se inquietaram e se perguntaram se eles, afinal, também estariam cegos! Jesus lhes replicou que por acharem que enxergavam bem é que estavam permanecendo no pecado.
            Transparece, no episódio, uma interessante pedagogia usada por Jesus Cristo: de uma cegueira de fé, que culminou numa importante proclamação de fé! O processo da cura aconteceu no confronto com a adversidade, criada pelos que presumiam enxergar mais e melhor do que os outros da sociedade.
             O episódio certamente constitui um indicativo metodológico para indicar como se pode passar de uma situação meramente materialista e humana, para uma fé em torno do modo como Jesus iluminava a vida. Tal processo de passagem requer confrontação que amadurece paulatinamente; e, é muito diferente dos milagres instantâneos, que, na verdade apenas atrelam a formalismos de quem deseja manter muitos “cegos” sob seu controle.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

<center>ERA DIGITAL E DESCARTABILIDADE</center>

    Criativa e super-rápida na inovação, A era digital facilita a vida e a ação, Mas enfraquece relacionamentos, E produz humanos em...