sexta-feira, 11 de novembro de 2016

Reis e reinados



            Se as simpatias já não nos encantam por reis, rainhas e monarquias, menos ainda nos entusiasmam por governanças autoritárias e prepotentes. Ainda que ocorram estranhas opiniões favoráveis a uma ditadura militar, quem passou pelos anos da década de 1960 e 1970, certamente não desejará que aquela forma de reinado volte a implantar-se em nosso país.
            Como fica, então, a noção de Jesus Cristo como rei? O renomado teólogo John Sobrino observou que a América Latina está ostentando muitas Cristologias. Uma delas consiste em enfatizar insistentemente a grandeza, a glória e o poder de Jesus Cristo e seu reinado. Na verdade, esta insistência estaria visando não alguma proposta de Jesus Cristo, mas, simplesmente o poder do pregador sobre seus ouvintes, na pretensão de alargar sua influência dominadora.
            Bem lembramos o quanto textos do primeiro testamento da Bíblia descrevem e retomam atribuições do reinado do saudoso rei Davi. Talvez pelas conquistas das terras de Israel, a memória dele sempre se avivou nos tempos de crise e de ameaça de perder a soberania sobre aquele chão, como de fato, ocorreu em diversas ocasiões.
            Mesmo com a proeza de grandes conquistas, o rei Davi não foi um bom secretário de Deus para cuidar com desvelo da vida do povo, sobretudo, os mais pobres, assim como jurou fazer. Estava muito mais encantado com as orgias junto às suas muitas amantes e, por isso, seu reinado entrou em decadência rápida. No entanto, ficou a sua memória diante de outras crises e derrocadas do país de Israel.
            O segundo testamento da Bíblia também faz muitas alusões ao reinado de Davi. Como outros judeus, os daquele momento histórico, também sonhavam com uma estabilidade com rica prosperidade econômica e, de modo especial, com a soberania nacional de Israel.
            Jesus Cristo, pelo fato de encantar grandes multidões, despertou rapidamente a associação a velhos anseios de um reinado em que até os pobres pudessem ter voz e vez. Entretanto, seu discurso não era o de um líder político interessado na conquista de Israel e, tampouco, visava um poder monárquico e nacionalista. Contudo, falava de um reino, não no estilo de Davi ou de algum de seus sucessores, mas, do Reino de Deus, isto é, que Deus poderia facilitar a razão e o centro das lidas humanas, muito mais justas, solidárias e viáveis para todos os membros da sociedade.
            No anúncio desta boa notícia da parte de Deus e na convocação para a construção de um reinado que caminhasse para o jeito de Deus, Jesus foi lembrado pelos seus discípulos como proposta antagônica à do rei Davi. Enquanto Davi matou, submeteu e impôs à força seu modo de reinar, a proposta de Jesus Cristo visava a salvação, a redenção humana e regras éticas e morais para um modo de proceder, bem diverso daquele dos tempos de Davi.
            Se ainda hoje nos referimos a Jesus Cristo como rei, não é mais com olhos fitos em governança, mas, para lembrar o outro caminho a ser construído, não nas trilhas da prepotência, da honra e da grandeza, mas do humilde serviço para o bem comum.

            

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