terça-feira, 5 de novembro de 2013

A pergunta inadequada



            Na sala, como de costume, estavam todos os alunos adequados ao código do disfarce a fim de fazer de conta que estavam atentos e meditando profundamente sobre a fala do padre, que impostado sobre o estrado da sala e sob as rigorosas linhas da batina preta, explicava as verdades absolutas e eternas do céu e do inferno.
O contágio coletivo fez toda a classe assumir uma postura habitual de inclinar-se sobre a escrivaninha para demonstrar que todos estavam ávidos para captar a mensagem da monótona tergiversação do padre.
            Um assunto que seguidamente voltava aos argumentos daquele momento de enlevação espiritual, pelo menos aparente, era o da virgindade de Nossa Senhora, tema abordado não pela sua rica dimensão simbólica e mítica da cultura dos povos semitas, mas, através da mera leitura literal e essencialista da redação neotestamentária.
            Como a argumentação não convencia em nada o grupo dos alunos da classe, Francisco, captando a osmose dos demais, levantou o dedo e perguntou ao orientador dos assuntos divinos:
- Padre, eu não entendo este assunto do virgem antes, durante e depois!
- Numa ruborização facial instantânea, o padre retrucou: O que? O que você, pica-pau verde da vida, seu fedelho, andou perguntando? Quem é você para perguntar sobre este assunto? Você não está nem seco debaixo do nariz, e já se mete a perguntar a respeito de uma coisa desta natureza? Isto é um dogma de fé e simplesmente não se pergunta sobre isso!
            Francisco se debruçou ainda mais encolhido sobre a carteira e nem ousou levantar o olhar, ainda mais que na vociferação veio uma ameaça de que o assunto era mais do que suficiente para que ele fosse imediatamente expulso da casa. Ninguém da classe teve coragem de explicitar qualquer defesa em favor do colega.
            Como a dita meditação, que de praxe durava meia hora, acabou, em decorrência da pergunta, se estendendo por mais de uma hora, implicou até em atraso do almoço. Nesta hora e tanto, palavrões e xingamentos foram fartos e abundantes para justificar a indevida ousadia do “pica-pau verde da vida” de perguntar a respeito da virgindade de Nossa Senhora.
            Passada a saraivada de xingamentos não convincentes, muito discretamente, na saída da sala, um ia falando para o outro: afinal, como foi mesmo este negócio de virgindade antes, durante e depois?
            Dias depois, Francisco contou que teve um sonho de que tinha morrido. Ao passar pela vistoria da entrada lá no céu, São Pedro, apontando o dedo no rumo do seu membro viril, perguntou a Francisco:
- O que você fez com esta torneirinha?
            Francisco respondeu imediatamente: urinei! Pedro teria então respondido: bem que você poderia ter desconfiado! Esta torneirinha também foi feita para outra finalidade! Pela burrice, vai para o inferno!

            Ao acordar, pensou sobre o sonho, partilhou-o aos colegas e resolveu desistir da perspectiva sacerdotal e foi embora para ir à procura de uma índia a fim de se casar com ela.

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