Na sala,
como de costume, estavam todos os alunos adequados ao código do disfarce a fim
de fazer de conta que estavam atentos e meditando profundamente sobre a fala do
padre, que impostado sobre o estrado da sala e sob as rigorosas linhas da
batina preta, explicava as verdades absolutas e eternas do céu e do inferno.
O contágio coletivo fez toda a classe
assumir uma postura habitual de inclinar-se sobre a escrivaninha para
demonstrar que todos estavam ávidos para captar a mensagem da monótona
tergiversação do padre.
Um assunto
que seguidamente voltava aos argumentos daquele momento de enlevação
espiritual, pelo menos aparente, era o da virgindade de Nossa Senhora, tema
abordado não pela sua rica dimensão simbólica e mítica da cultura dos povos
semitas, mas, através da mera leitura literal e essencialista da redação
neotestamentária.
Como a
argumentação não convencia em nada o grupo dos alunos da classe, Francisco,
captando a osmose dos demais, levantou o dedo e perguntou ao orientador dos
assuntos divinos:
- Padre, eu não entendo este assunto do virgem antes, durante
e depois!
- Numa ruborização facial instantânea, o padre retrucou: O
que? O que você, pica-pau verde da vida, seu fedelho, andou perguntando? Quem é
você para perguntar sobre este assunto? Você não está nem seco debaixo do
nariz, e já se mete a perguntar a respeito de uma coisa desta natureza? Isto é
um dogma de fé e simplesmente não se pergunta sobre isso!
Francisco se
debruçou ainda mais encolhido sobre a carteira e nem ousou levantar o olhar,
ainda mais que na vociferação veio uma ameaça de que o assunto era mais do que
suficiente para que ele fosse imediatamente expulso da casa. Ninguém da classe
teve coragem de explicitar qualquer defesa em favor do colega.
Como a dita
meditação, que de praxe durava meia hora, acabou, em decorrência da pergunta,
se estendendo por mais de uma hora, implicou até em atraso do almoço. Nesta
hora e tanto, palavrões e xingamentos foram fartos e abundantes para justificar
a indevida ousadia do “pica-pau verde da vida” de perguntar a respeito da
virgindade de Nossa Senhora.
Passada a
saraivada de xingamentos não convincentes, muito discretamente, na saída da
sala, um ia falando para o outro: afinal, como foi mesmo este negócio de
virgindade antes, durante e depois?
Dias depois,
Francisco contou que teve um sonho de que tinha morrido. Ao passar pela
vistoria da entrada lá no céu, São Pedro, apontando o dedo no rumo do seu
membro viril, perguntou a Francisco:
- O que você fez com esta torneirinha?
Francisco
respondeu imediatamente: urinei! Pedro teria então respondido: bem que você
poderia ter desconfiado! Esta torneirinha também foi feita para outra
finalidade! Pela burrice, vai para o inferno!
Ao acordar,
pensou sobre o sonho, partilhou-o aos colegas e resolveu desistir da
perspectiva sacerdotal e foi embora para ir à procura de uma índia a fim de se
casar com ela.
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