terça-feira, 5 de novembro de 2013

As relações macambúzias



Quando alguém deixa transparecer que as marcas do seu passado impõem mais tristeza do que alegria e quando sentimentos sorumbáticos e taciturnos se sobrepõem às recordações satisfatórias, e ainda, quando a melancolia move feições mais carrancudas do que cordiais e acolhedoras, tende-se a concluir que se trata de algo mal resolvido na sua individualidade.
As situações macambúzias também são atribuídas aos traços familiares, pois se costuma reforçar a argumentação de que os traços tristes ou anti-sociais indicam ancestralidade de predisposições genéticas e de condições biológicas. Provavelmente, sequer se desconfia que um estado psicológico individual manifeste um inapelável caráter social.
 Para a sociedade torna-se, evidentemente, muito confortável a conclusão de que eventuais perturbações pessoais decorram estritamente da subjetividade destas pessoas e que a causa mais remota está na sua ancestralidade de defeitos genéticos ou de predisposição biológica para tais traços. Nesta condição, as pessoas macambúzias vão encontrar somente nelas mesmas as causas e a evidente tarefa: elas mesmas precisam achar solução para os seus problemas e não devem molestar o ambiente social que, impreterivelmente, continua numa imperturbável passividade ou “atarraxia”.
Se, entretanto, acreditamos que na prática psicológica individual subjaz um caráter social, significa deduzir que para a cura das situações macambúzias, faz-se literalmente necessária uma mudança nas relações sociais. Pensada como algo isolado acima do bem e do mal dos indivíduos, a sociedade se desincumbe da sua impreterível necessidade de conversão e delega toda culpa aos indivíduos. Portanto, se indivíduos dependem do caráter socialmente construído, dependem de alterações sociais para se tornarem diferentes. Este modo de ver perturbações individuais estreitamente conectados ao ambiente social significa que o ambiente social é fundamental para a melhoria dos indivíduos. As implicações são maiores do que de primeira vista se possa pensar. Basta o exemplo das lidas policiais: é muito fácil rotular uma pessoa de elemento delinqüente ou de mau elemento, quando a polícia procede exatamente com estas características. Significa, portanto, que também a polícia precisa mudar seu modo de agir. O exemplo se aplica igualmente ao modo de proceder dos pais, das autoridades locais e das muitas outras instâncias da vida social.
Viktor Frankl destaca, figurativamente, três avenidas importantes para conduzir à realização porque a vida pode ser significativa sob quaisquer condições: a) Trabalho – especialmente aquele que permite criação e não mera reprodução mecânica das mesmas tarefas e funções; b) Amor compartilhado com alguém em sua individualidade, algo muito mais amplo do que mera sexualidade; c) Doenças incuráveis – afetam a dimensão mais profunda do ser e permitem ativar a capacidade de transformar a tragédia de formas a tornar a vida significativa até no último suspiro, isto, quando não existe outro jeito.[1]



[1]  Em entrevista sobre o tema: O Homem vive. Tradução de Felipe Cherubin. (Disponível em: http://logotherapy.univie.ac.at/e/indexe.html ) “O que é transitório são apenas as potencialidades; são apenas as oportunidades: para realizar um objetivo na vida, seja por fazer algo, seja por amar alguém, seja por agüentar corajosa e honestamente um sofrimento, que você não tem como evitar e até mesmo enfrentar a sua morte de uma forma dignificada, enfim, com seu próprio estilo.” (Idem, ibidem)

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