terça-feira, 5 de novembro de 2013

Uma disputa chinfrim



            - Você já viu alguma coisa mais sem graça do que discurso de político, falou dona Coralina ao seu marido Bonifácio.
            - Já, respondeu ele! É briga de bode. Os dois tomam distância, se olham e um corre ao encontro do outro para um simples repto dos chifres contra os do outro.
            - Não assim, eu penso coisas mais ligadas às pessoas! Refiro-me ao campo das muitas propagandas e mentiras que se aplicam com a maior desfaçatez. Como existe médico e médico, alguns são muito afamados e bons, mas também não faltam aqueles que acham que um simples bater de vistas no rosto do cliente já lhe faculta a segurança para prescrever receitas de remédios a serem adquiridas nas farmácias. No entanto, na relação dos curandeiros, de todos quantos já cheguei a conhecer, não encontrei nenhuma outra coisa que se manifestasse acima de procedimentos chinfrins.
            - Chinfrim? Mas o que você está querendo dizer mesmo com o termo?
            - Ah Bonifácio! Sei desde muitos anos, que não deveria sequer ir atrás de curandeirismo, mas, acabo, volta e meia, indo atrás desta coisa sem graça, apresentada como milagrosa, simplesmente, por pressão de pessoas amigas. Como que a gente vai medir a reta intenção das pessoas amigas, ao insistir demasiadamente na ênfase de fazer a gente ir de encontro a alguma pessoa charlatã?
            Poderia mencionar pelo menos mais de uma dúzia de consultas feitas, não porque eu as desejei, mas porque fui persuadida e convencida à força para que fosse até lá. Ultimamente já evito falar de qualquer sintoma de doença com as amigas, simplesmente para evitar que me insinuem a ir num curandeiro, num espírita, que, geralmente, é charlatão. Para começar, sempre afirmam coisas genéricas que, com certeza, acontecem com quaisquer pessoas. Um pouco de problema renal, de fígado, um pouco de problema de estômago.
            Veja só Bonifácio, vou falar-te apenas do último caso de consulta. De tanto elogio da medicina popular alternativa da Nicarágua que se vale de pessoas sensitivas, até o padre me convenceu de que deveria ir fazer uma consulta. Explicou que a mulher Guilhermina, uma sensitiva que se formou em Nicarágua, é fenomenal para detectar qualquer doença. Ela manda você prender a mão num arame, e ela encosta este arame nas partes do corpo humano de um mapa da anatomia humana e, com isso, ela sente o que está mal no cliente. Depois ela faz um teste para ver o remédio que se precisa tomar. Encosta o arame em diferentes plantas desidratadas espalhadas sobre a mesa e então sente qual é o indicado para ser ingerido e curar a enfermidade.
            De tanto que minhas colegas me recomendaram uma consulta com a Guilhermina, acabei entrando na conversa e a amiga Maria me levou lá. Por outro lado, de tanto levar fora pelo que eu mesmo acabava revelando aos ditos terapeutas, desta vez, fui prevenida a não mencionar o que realmente estava sentindo. Só falei que não estava me sentindo muito bem.
            A mulher explicou o procedimento e disse que o método era rigoroso e que ela estava trazendo esta novidade da Nicarágua. Alcançou-me um arame todo retorcido e enferrujado e pediu que eu o apertasse firme entre os dedos. Segurando o arame com as duas mãos, ela o encostava sobre os desenhos do mapa. Deve ter arrumado este mapa em alguma escola que já o dispensou, dada à sua velhice. Começou pelos pés e foi subindo. Por sorte até o umbigo, não detectou nenhuma anomalia. De repente falou:
- Olhe, estou sentindo que você está com um pouco de dificuldade de fazer digestão! Mexeu o arame para o lado dos rins e emendou:
- Olhe! Um dos dois rins também não está tão ativo quanto deveria estar, e sinto ainda que, o fígado também não produz bílis suficiente para a adequada função da sua tarefa.
 Eu, no entanto, procurei manter-me absolutamente quieta a fim de não revelar sintomas de nada. Subiu o arame no mapa e chegou à cabeça sem maiores anomalias a declarar. Pediu-me, então para soltar o arame e ela o jogou sobre uma velha e bagunçada mesa. Depois falou:
            - Senhora, vamos agora verificar o chá que melhor vai sarar estes três problemas de saúde. Em poucos dias você estará saudável. Pegou novamente o arame e fez-me segurá-lo, enquanto passava a outra ponta sobre o boldo, sobre o capim cidreira, e sobre a quebra-pedra. Constatou que as três variedades de ervas eram as indicadas para a minha cura. Tudo devidamente pago, desde a consulta, dona Guilhermina mostrou-se gentil e perguntou se acaso sentia alguma outra coisa. Respondi na hora:
- Olhe, eu ando com câncer! Na verdade, pura apelação da minha maldade.
            A presumida médica se atrapalhou um pouco, pois, seu rosto começou a evidenciar maior ruborização do que antes, mas logo falou:
- Eu senti que você está com câncer. Como esta informação geralmente assusta as pessoas, eu não costumo informá-las desta doença para evitar este desconforto, mas, sempre consulto o chá adequado para curá-la. No seu caso, eu, sem falar isso a você, anexei, junto com as três ervas, casca do pau vermelho do Paraguai, o mais afamado e poderoso remédio para curar câncer. Você pode reparar em casa que o chá vai ficar bem avermelhado e isso é para curar o câncer.

            Voltei chinfrim e chateada por mais uma vez ter sido fraca diante de uma propaganda enganosa. Acho que esta lida é ainda mais sem graça do que as evidentes mentiras que os políticos procuram nos apregoar.

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