terça-feira, 5 de novembro de 2013

Oblação e crueldade



         Nas lidas com instâncias hierárquicas, também nas eclesiásticas, o lado messiânico facilmente se destaca. Sob suas sombras, porém, podem sobrepor-se com facilidade e freqüência, procedimentos não só distantes do bom-senso, mas constituir processos de ruptura e distanciamento bem mais destacados do que os de efetiva salvação.
Alguns mandantes são longamente formados para as instâncias administrativas através das vias da honra familiar. Outros se proclamam agraciados e ungidos pelos dotes divinos para o exercício gratuito da boa condução das mansas e dóceis ovelhas da sua grei. Estes “homens de Deus” podem, todavia, mostrar-se, tanto quanto os perversos, mais propensos para atos de violência do que de bondade e, seus discursos enfáticos e incisivos sobre amor, ternura, afabilidade, nem sempre conseguem desvincular-se do prepotente autoritarismo no trato efetivo com pessoas vinculadas a eles no serviço evangelizador.
Fala-se muito da crueldade dos policiais, dose ladrões e dos assaltantes, mas pouco se fala da crueldade e da violência de todas as estruturas internalizadas, sejam políticas, econômicas ou religiosas. Bem sabemos o quanto todas as estruturas se mostram cruéis. Também as estruturas interiores de cada pessoa, podem constituir uma borbulhenta fonte de violência, capaz de levar a mobilizações bem mais agressivas do que se poderia esperar.
 Inquietam-nos principalmente as formas disfarçadas de violência que se manifestam através da religião. Na aparente oblatividade dos mais puros e lídimos sentimentos elevados a Deus, tende-se a disfarçar a dimensão perversa que perpassa a subjetividade humana, pois, impregna-se de múltiplas formas de capazes de incrementar atos perversos.
 Segundo Luís Maldonado, o sagrado tem sido uma das formas de avivar os instintos cruéis da humanidade.[1] Ele mesmo chegou a indagar se o sagrado não constituía a maior fonte de violência no mundo.
Basta observar como nas invocações da divindade, geralmente extravasam exacerbações de violência, pois, invoca-se a ação divina para suprir e complementar o que não se consegue vingar e alcançar com a força das próprias mãos.  Convém, portanto, que se perceba nos presumidos mediadores de Deus, a coexistência de formas bem sutis e sorrateiras de sacrificar e imolar, em nome das instâncias divinas, todos quantos que não se alinham com seu pensamento único, monista e presumidamente especial, porque diretamente delegado por Deus.
Algumas estruturas de regimes sociais são certamente mais fáceis de serem mudadas do que as estruturas interiores. Por isso, as aparentes fachadas do poder de certos cargos, sobretudo quando implicam em vestes muito especiais e pomposas, não conseguem esconder e dissuadir que também os presumidos homens de Deus podem constituir-se em importante fonte de procedimentos marcados por perversos níveis de crueldade.



[1] MALDONADO, Luis. La Violencia de lo Sagrado – crueldad versus oblatividad o El ritual Del sacrifício. Salamanca: Ediciones Sígueme, 1974, p. 08.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

<center>ERA DIGITAL E DESCARTABILIDADE</center>

    Criativa e super-rápida na inovação, A era digital facilita a vida e a ação, Mas enfraquece relacionamentos, E produz humanos em...