quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Um caso afetivo pra lá de virtual



            Diz-se que, nas últimas décadas, aumentou consideravelmente o cultivo do sexo virtual. Alguns até alegam que é satisfatório, barato e sem risco de contrair Aids ou alguma outra doença venérea.
            Maria das Dores já deixou obsoleto este assunto. Ela se diz dotada de poderes para-normais e que, estes, são tão fortes, a ponto de ela interagir, todos os dias, com o padre Fabão, que mora longe daqui, e, - o que pode ser considerado uma novidade para os nossos tempos – com quem mantêm relações sexuais altamente satisfatórias, não pela relação física concreta e nem através de estimulação virtual, mas, simplesmente, através da sua extraordinária capacidade telepática, que é capaz de interagir com ele de corpo e alma.
            Para se ter uma noção da estranha capacidade, isto é assunto que Maria das Dores não fala em ambiente reservado, mas nas rodas de conversa antes de celebrações litúrgicas.
            Os poderes telepáticos e para-normais de Maria das Dores, aparentemente, parecem revelar que ela, na verdade, está com alguns parafusos mal apertados no seu psiquismo e não movida pela presumida para-normalidade.
 Conta ela que desde os dezessete anos começou a prostituir-se, mas sentia extraordinário peso de consciência, porque não vencia a arrasadora compulsão que a induzia a dormir com homens.        
Para tentar acertar-se com Deus e aliviar o sentimento de transgressão, amarrava barbantes cheios de nós nas pernas e na barriga e os apertava para que produzissem dores, pois, com isso, pretendia reparar a culpa pelo que tinha feito fora das prescrições divinas.
            Um dia Maria das Dores veio apavorada, pedindo que um padre fosse até sua casa jogar uma água benta, porque tinha visualizado o capeta, bem na hora em que iria deitar-se ao lado de mais um homem amante. O pânico foi tão intenso que ela tremia e se retorcia como folhas balançadas ao vento, só para explicar com gestos e detalhes o quanto o capeta era horripilante e feio.
            Junto com a aspersão, a oração de um Pai Nosso e a recomendação de pensar coisas melhores para o futuro de sua vida por parte do padre, ela rapidamente se valeu da presumida força para-normal e já foi agraciada, ao lado de mais duas pequenas meninas da vizinha, no dia seguinte, pela aparição de Nossa Senhora Aparecida.
 Agora, sim, estava ela, a pecadora Maria das Dores, literalmente recompensada por tudo quanto de menos edificante havia feito na sua vida. A visão a tornou tão eufórica que queria passar o dia inteiro rezando o terço e que as famílias da comunidade fizessem rodízio e revezamento para acompanhá-la, a fim de poderem desfrutar de bênçãos e graças na hora que fosse voltar a aparecer-lhe novamente.
 Como a comunidade não se mostrou muito entusiasmada com o assunto, entrou em depressão e teve que ficar uns dias internada no Hospital. Parece que a medicação ajudou a baixar a potencialidade telepática, e, Maria das Dores, voltou a um nível razoável de convivência.
            Precisamente quando tudo parecia dentro da normalidade, ela aproveitou o momento da comunidade reunida para fazer a justificativa de sua conduta afetiva. Soubera que estava sendo questionada por atuar na comunidade cristã e que não estava levando vida muito digna para tais atividades, porque, a cada três ou quatro semanas, apresentava outro marido.
Declarou de forma enfática que seu orientador espiritual a tinha liberado para este tipo de relacionamentos, a fim de compensar tudo quanto já sofrera no passado e porque estava sem familiares e, além de tudo mais, porque nunca soubera quem eram seus pais biológicos.
Como toda a assembléia olhou para o padre, este ficou vermelho igual a um pimentão, pois tudo parecia indicar que ele estava sendo este orientador espiritual a liberar tão estranho procedimento.
            O modo de olhar de Maria das Dores constituía o indicador das suas oscilações emocionais. Certamente por isso não chegou, apesar de todos os maridos que já teve, a gerar filhos. Assim, procura preencher esta lacuna atraindo parceiros.
 O porquê eles não agu7entam ficar mais tempo com ela, continua a ser o principal mistério intrigante! Teria ela, porventura, a chamada “doença do sexo” e que, em pouco tempo se revela uma sutil ameaça de matá-los por absoluta insaciabilidade?
            Pelo menos uma pequena suspeita pode indicar outro rumo dos motivos: como gosta e fala muito bem da cachaça e da cerveja Loirinha, que combina bem com sua cor preta, Maria das Dores, quando está fortalecida e acompanhada de perto pela loira, certamente não revela limites para nada.
Pode, entretanto, toda esta debandada dos homens que não a suportam por mais tempo, constituir uma expressa manifestação de ciúme, pois, se ela lhes fala do sucesso das relações telepáticas com o presumido padre Fabão, sabe-se lá de onde, tal como faz na comunidade religiosa, eles, provavelmente se dão conta de sua incipiente capacidade de satisfazê-la, da sua impotência de entrar no nível para-normal e, por isso, vão procurar outras que ainda possam ficar satisfeitas com as formas tradicionais, bem menos exigentes.











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