Diz-se que, nas últimas décadas,
aumentou consideravelmente o cultivo do sexo virtual. Alguns até alegam que é
satisfatório, barato e sem risco de contrair Aids ou alguma outra doença
venérea.
Maria das Dores já deixou obsoleto
este assunto. Ela se diz dotada de poderes para-normais e que, estes, são tão
fortes, a ponto de ela interagir, todos os dias, com o padre Fabão, que mora
longe daqui, e, - o que pode ser considerado uma novidade para os nossos tempos
– com quem mantêm relações sexuais altamente satisfatórias, não pela relação
física concreta e nem através de estimulação virtual, mas, simplesmente,
através da sua extraordinária capacidade telepática, que é capaz de interagir
com ele de corpo e alma.
Para se ter uma noção da estranha capacidade, isto é
assunto que Maria das Dores não fala em ambiente reservado, mas nas rodas de
conversa antes de celebrações litúrgicas.
Os poderes telepáticos e
para-normais de Maria das Dores, aparentemente, parecem revelar que ela, na
verdade, está com alguns parafusos mal apertados no seu psiquismo e não movida
pela presumida para-normalidade.
Conta ela que desde os dezessete
anos começou a prostituir-se, mas sentia extraordinário peso de consciência,
porque não vencia a arrasadora compulsão que a induzia a dormir com homens.
Para tentar acertar-se com Deus e aliviar o sentimento de transgressão,
amarrava barbantes cheios de nós nas pernas e na barriga e os apertava para que
produzissem dores, pois, com isso, pretendia reparar a culpa pelo que tinha
feito fora das prescrições divinas.
Um dia Maria das Dores veio
apavorada, pedindo que um padre fosse até sua casa jogar uma água benta, porque
tinha visualizado o capeta, bem na hora em que iria deitar-se ao lado de mais
um homem amante. O pânico foi tão intenso que ela tremia e se retorcia como
folhas balançadas ao vento, só para explicar com gestos e detalhes o quanto o
capeta era horripilante e feio.
Junto com a aspersão, a oração de um
Pai Nosso e a recomendação de pensar coisas melhores para o futuro de sua vida
por parte do padre, ela rapidamente se valeu da presumida força para-normal e
já foi agraciada, ao lado de mais duas pequenas meninas da vizinha, no dia
seguinte, pela aparição de Nossa Senhora Aparecida.
Agora, sim, estava ela, a pecadora
Maria das Dores, literalmente recompensada por tudo quanto de menos edificante
havia feito na sua vida. A visão a tornou tão eufórica que queria passar o dia
inteiro rezando o terço e que as famílias da comunidade fizessem rodízio e revezamento
para acompanhá-la, a fim de poderem desfrutar de bênçãos e graças na hora que
fosse voltar a aparecer-lhe novamente.
Como a comunidade não se mostrou
muito entusiasmada com o assunto, entrou em depressão e teve que ficar uns dias
internada no Hospital. Parece que a medicação ajudou a baixar a potencialidade
telepática, e, Maria das Dores, voltou a um nível razoável de convivência.
Precisamente quando tudo parecia
dentro da normalidade, ela aproveitou o momento da comunidade reunida para
fazer a justificativa de sua conduta afetiva. Soubera que estava sendo
questionada por atuar na comunidade cristã e que não estava levando vida muito
digna para tais atividades, porque, a cada três ou quatro semanas, apresentava
outro marido.
Declarou de forma enfática que seu orientador espiritual a tinha liberado
para este tipo de relacionamentos, a fim de compensar tudo quanto já sofrera no
passado e porque estava sem familiares e, além de tudo mais, porque nunca
soubera quem eram seus pais biológicos.
Como toda a assembléia olhou para o padre, este ficou vermelho igual a um
pimentão, pois tudo parecia indicar que ele estava sendo este orientador
espiritual a liberar tão estranho procedimento.
O modo de olhar de Maria das Dores
constituía o indicador das suas oscilações emocionais. Certamente por isso não
chegou, apesar de todos os maridos que já teve, a gerar filhos. Assim, procura
preencher esta lacuna atraindo parceiros.
O porquê eles não agu7entam ficar
mais tempo com ela, continua a ser o principal mistério intrigante! Teria ela,
porventura, a chamada “doença do sexo” e que, em pouco tempo se revela uma
sutil ameaça de matá-los por absoluta insaciabilidade?
Pelo menos uma pequena suspeita pode
indicar outro rumo dos motivos: como gosta e fala muito bem da cachaça e da
cerveja Loirinha, que combina bem com sua cor preta, Maria das Dores, quando
está fortalecida e acompanhada de perto pela loira, certamente não revela
limites para nada.
Pode, entretanto, toda esta debandada dos homens que não a suportam por
mais tempo, constituir uma expressa manifestação de ciúme, pois, se ela lhes
fala do sucesso das relações telepáticas com o presumido padre Fabão, sabe-se
lá de onde, tal como faz na comunidade religiosa, eles, provavelmente se dão
conta de sua incipiente capacidade de satisfazê-la, da sua impotência de entrar
no nível para-normal e, por isso, vão procurar outras que ainda possam ficar
satisfeitas com as formas tradicionais, bem menos exigentes.
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