quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Rapsodos de uma patuléia de sonhadores



         Brasília não é apenas a capital do Brasil.
 Por ser capital, atrai muitos olhares atentos em torno das grandes decisões político-administrativas e das inovações esperadas em favor de legislação válida para todos os cidadãos.
Por outro lado, não deixa de atrair interesses mais aristocráticos de quem quer estar mais próximo do poder, para dele haurir muitas vantagens.
Como poderia funcionar esquema tão sutil e perverso para os sonhos da maior parte dos membros do país, que se encontra muito aquém do mínimo necessário?
 Certamente nada disto seria possível sem o embalo de bem orquestrada rapsódia que faz uma imensidão de pobres sonhar com a ostentação dos aristocratas. Diariamente versos e informações, por meio de muitos signos e exploração de imagens, enaltecem o lucro invejável, rápido, fácil, e, vida regalada por iguarias pouco comuns nas mesas dos brasileiros.
            Os anunciadores das maravilhas da capital repetem a milenar tática dos “rapsodos” do tempo trágico da Grécia antiga. Ocupavam-se aqueles poetas cantadores, a serviço da aristocracia oficial, para cantar versos de enaltecimento desta elite, como os dos banhos das donzelas no leite de cabra a fim de se tornarem mais cheirosas, pernósticas, insinuantes, e, não se cansavam de cantar a exaltação de festanças das noites regadas com vinhos finos, orgias e comilanças à exaustão.
Os pobres escravos, ao ouvirem as cantilenas, continuavam sonhando com as possibilidades paradizíacas de Atenas, e assim iam anestesiando o corpo na dura lida do trabalho camponês. Pobres, explorados, mas, com sonhos dos mais elevados em torno da perversidade dos ricos, transformada em fantasia para ser consumida em pílulas, um lenitivo de poderosa capacidade espoliadora.
 Tudo ia muito bem até que Hesíodo se proclamou rapsodo (poeta cantador) com a justificativa de que havia sido inspirado por algumas musas e, com tal elevação, passou a percorrer o itinerário dos demais cantadores ambulantes.
 Hesíodo, entretanto, não cantava o enaltecimento da elite para fazer os pobres sonhar e cantarolar - enquanto sofriam e suavam nas duras lidas, - mas, passou a cantar os valores dos homens da terra e a grandeza que significava o ganhar pão de cada dia, com o suor do próprio rosto. Sem muita demora, esta rapsódia passou a ser mais sugestiva e insinuante do que aquela proveniente de Atenas. Assim o povão passou a não se conformar com a continuação da vida escrava e explorada através do fantasioso apelo às excentricidades de poucas famílias ricas, como algo possível para ser desejado e vivenciado em suas vidas.
As diuturnas notícias em torno da forma como a elite da nossa capital “deita e rola” com o dinheiro dos impostos, com os superfaturamentos, com os salários invejáveis, com a beleza das mansões, interpelam irresistivelmente qualquer imaginário de sujeito pobre, pois afinal, quem não gostaria de ver-se agraciado por tanta ventura?
A afluência de muitíssimos milhares de brasileiros ao entorno da capital representa, certamente, o desejo profundo dos seduzidos pela moderna rapsódia da mídia eletrônica, movidos por um desejo intenso de conseguir, - senão o nível máximo da fantasia, - pelo menos, desfrutar das migalhas desta elite. Se ela foi capaz de agir com extraordinária e esperta desenvoltura para empanturrar-se em torno do público e do alheio, porque precisariam estas multidões ficar resignadas nas longínquas possibilidades de serem felizes?
A rapsódia que cotidianamente enaltece a vida fácil e burguesa da capital, também está em crise, pois, já não consegue manter a imensidão dos modernos escravos na subserviência de trabalhos explorados. Eis, pois, na cabeça dos pobres, a pretensão, a tática e o intento dos ricos! Querem valer-se da mesma impunidade e, por isso, a desfaçatez com que se rouba na capital e nas cidades do seu entorno, não comporta espaço suficiente para todos os interessados em grandes roubos. A evidência está clara na gritante insuficiência de cadeias para todos quantos deveriam ser presos.

Como a impunidade anda solta, uma antiga tática de guerra praticada pelos babilônicos contra a elite do povo de Israel, poderia eventualmente oferecer uma pista para um razoável procedimento: fazer esta elite caminhar enfileirada para uma área distante do Amazonas, desde que não seja próxima de área navegável, - a fim de não seqüestrarem os barcos, - e fornecer-lhe cesta básica por três meses, mais algumas ferramentas e um saco com algumas sementes e, com uma ordem: que vivam do que produzem com o trabalho das próprias mãos, assim como a maioria deste país se vê obrigado a fazer!

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