Brasília
não é apenas a capital do Brasil.
Por ser capital, atrai muitos olhares atentos
em torno das grandes decisões político-administrativas e das inovações
esperadas em favor de legislação válida para todos os cidadãos.
Por outro lado, não deixa de atrair
interesses mais aristocráticos de quem quer estar mais próximo do poder, para
dele haurir muitas vantagens.
Como poderia funcionar esquema tão sutil
e perverso para os sonhos da maior parte dos membros do país, que se encontra
muito aquém do mínimo necessário?
Certamente nada disto seria possível sem o
embalo de bem orquestrada rapsódia que faz uma imensidão de pobres sonhar com a
ostentação dos aristocratas. Diariamente versos e informações, por meio de
muitos signos e exploração de imagens, enaltecem o lucro invejável, rápido,
fácil, e, vida regalada por iguarias pouco comuns nas mesas dos brasileiros.
Os
anunciadores das maravilhas da capital repetem a milenar tática dos “rapsodos”
do tempo trágico da Grécia antiga. Ocupavam-se aqueles poetas cantadores, a
serviço da aristocracia oficial, para cantar versos de enaltecimento desta elite,
como os dos banhos das donzelas no leite de cabra a fim de se tornarem mais cheirosas,
pernósticas, insinuantes, e, não se cansavam de cantar a exaltação de festanças
das noites regadas com vinhos finos, orgias e comilanças à exaustão.
Os pobres escravos, ao ouvirem as
cantilenas, continuavam sonhando com as possibilidades paradizíacas de Atenas,
e assim iam anestesiando o corpo na dura lida do trabalho camponês. Pobres,
explorados, mas, com sonhos dos mais elevados em torno da perversidade dos
ricos, transformada em fantasia para ser consumida em pílulas, um lenitivo de
poderosa capacidade espoliadora.
Tudo ia muito bem até que Hesíodo se proclamou
rapsodo (poeta cantador) com a justificativa de que havia sido inspirado por algumas
musas e, com tal elevação, passou a percorrer o itinerário dos demais cantadores
ambulantes.
Hesíodo, entretanto, não cantava o
enaltecimento da elite para fazer os pobres sonhar e cantarolar - enquanto
sofriam e suavam nas duras lidas, - mas, passou a cantar os valores dos homens
da terra e a grandeza que significava o ganhar pão de cada dia, com o suor do
próprio rosto. Sem muita demora, esta rapsódia passou a ser mais sugestiva e
insinuante do que aquela proveniente de Atenas. Assim o povão passou a não se conformar
com a continuação da vida escrava e explorada através do fantasioso apelo às
excentricidades de poucas famílias ricas, como algo possível para ser desejado e
vivenciado em suas vidas.
As diuturnas notícias em torno da
forma como a elite da nossa capital “deita e rola” com o dinheiro dos impostos,
com os superfaturamentos, com os salários invejáveis, com a beleza das mansões,
interpelam irresistivelmente qualquer imaginário de sujeito pobre, pois afinal,
quem não gostaria de ver-se agraciado por tanta ventura?
A afluência de muitíssimos milhares
de brasileiros ao entorno da capital representa, certamente, o desejo profundo
dos seduzidos pela moderna rapsódia da mídia eletrônica, movidos por um desejo intenso
de conseguir, - senão o nível máximo da fantasia, - pelo menos, desfrutar das
migalhas desta elite. Se ela foi capaz de agir com extraordinária e esperta
desenvoltura para empanturrar-se em torno do público e do alheio, porque
precisariam estas multidões ficar resignadas nas longínquas possibilidades de
serem felizes?
A rapsódia que cotidianamente enaltece
a vida fácil e burguesa da capital, também está em crise, pois, já não consegue
manter a imensidão dos modernos escravos na subserviência de trabalhos explorados.
Eis, pois, na cabeça dos pobres, a pretensão, a tática e o intento dos ricos!
Querem valer-se da mesma impunidade e, por isso, a desfaçatez com que se rouba
na capital e nas cidades do seu entorno, não comporta espaço suficiente para
todos os interessados em grandes roubos. A evidência está clara na gritante
insuficiência de cadeias para todos quantos deveriam ser presos.
Como a impunidade anda solta, uma
antiga tática de guerra praticada pelos babilônicos contra a elite do povo de
Israel, poderia eventualmente oferecer uma pista para um razoável procedimento:
fazer esta elite caminhar enfileirada para uma área distante do Amazonas, desde
que não seja próxima de área navegável, - a fim de não seqüestrarem os barcos,
- e fornecer-lhe cesta básica por três meses, mais algumas ferramentas e um
saco com algumas sementes e, com uma ordem: que vivam do que produzem com o
trabalho das próprias mãos, assim como a maioria deste país se vê obrigado a
fazer!
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