sábado, 8 de outubro de 2016

A capacidade de agradecer



            Como não é um dom inato e como depende de cultivo, a capacidade de agradecer tornou-se rara no convívio das pessoas e pouco prestigiada diante das ajudas solidárias. Perante as imensuráveis condições do que se espera, parece não restar tempo para reconsiderar algo que já passou. Com isso, os sentimentos de gratuidade também tendem a desaparecer nos serviços humanitários e de entre-ajuda.
            A Bíblia registra de tempos muito antigos um episódio em que o profeta Eliseu aponta para um reconhecimento que vai além de dar algo para agradecer. Havia sido procurado por um general estrangeiro muito doente. Eliseu não se aproveitou do momento para auto-engrandecimento e nem tampouco para se passar como um milagreiro de renome. Indicou ao estrangeiro uma atividade que lhe apontasse que Deus é capaz de ajuda-lo a equilibrar a saúde.
            Eliseu também recusou ser presenteado como sinal de recompensa pela cura. Deixou claro ao estrangeiro que não fora ele quem havia curado o general, mas teria sido ação de Deus. O general, então, ao entender o significado da recusa de presentes, pediu para levar um pouco de areia do chão daquele lugar, a fim de poder lembrar a ação eficaz da parte de Deus.
            Para quem se vê muitas vezes contemplado com graças diante de dificuldades, doenças e outras situações de grande desconforto, geralmente, a tendência é a de esquecer com facilidade os prodígios, porque já pensa em outras aspirações e desejos.
            Do Evangelho das boas notícias de Jesus Cristo também lembramos um episódio muito interessante a respeito de dez leprosos que clamaram a Jesus Cristo, a fim de que os ajudasse a livrar-se da doença. E lepra, mais do que doença contagiosa, implicava em total exclusão social. Até as leis proibiam aproximação de leprosos com outras pessoas. Pode-se imaginar o quanto se sentiam constrangidos ao terem que romper laços familiares e sociais e se agregar a outras pessoas leprosas para tentar sobreviver.

            Jesus certamente ajudou os dez leprosos numa dupla dimensão: primeiro, a perspectiva de ressocialização e, num segundo aspecto, a capacidade de curar a doença num processo terapêutico. Conta-se que dos dez leprosos curados, apenas um voltou para agradecer. O que se pode deduzir é que diante da gratuidade do amor de Deus, nós nem sempre cultivamos a merecida e justificada ação de agradecer. Por outro lado, eventual mediação de cura e de sentido para a vida não deve constituir meio para auto-afirmação de superioridade pelos poderes de cura e, menos ainda, de valer-se desta imagem para fazer publicidade. Afinal, até a capacidade de louvar e agradecer é dádiva que não depende apenas do desejo, mas de praxes e de um itinerário de cultivo.

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