Como não é
um dom inato e como depende de cultivo, a capacidade de agradecer tornou-se
rara no convívio das pessoas e pouco prestigiada diante das ajudas solidárias. Perante
as imensuráveis condições do que se espera, parece não restar tempo para
reconsiderar algo que já passou. Com isso, os sentimentos de gratuidade também
tendem a desaparecer nos serviços humanitários e de entre-ajuda.
A Bíblia
registra de tempos muito antigos um episódio em que o profeta Eliseu aponta
para um reconhecimento que vai além de dar algo para agradecer. Havia sido
procurado por um general estrangeiro muito doente. Eliseu não se aproveitou do
momento para auto-engrandecimento e nem tampouco para se passar como um
milagreiro de renome. Indicou ao estrangeiro uma atividade que lhe apontasse
que Deus é capaz de ajuda-lo a equilibrar a saúde.
Eliseu
também recusou ser presenteado como sinal de recompensa pela cura. Deixou claro
ao estrangeiro que não fora ele quem havia curado o general, mas teria sido
ação de Deus. O general, então, ao entender o significado da recusa de
presentes, pediu para levar um pouco de areia do chão daquele lugar, a fim de
poder lembrar a ação eficaz da parte de Deus.
Para quem se
vê muitas vezes contemplado com graças diante de dificuldades, doenças e outras
situações de grande desconforto, geralmente, a tendência é a de esquecer com
facilidade os prodígios, porque já pensa em outras aspirações e desejos.
Do Evangelho
das boas notícias de Jesus Cristo também lembramos um episódio muito
interessante a respeito de dez leprosos que clamaram a Jesus Cristo, a fim de
que os ajudasse a livrar-se da doença. E lepra, mais do que doença contagiosa,
implicava em total exclusão social. Até as leis proibiam aproximação de
leprosos com outras pessoas. Pode-se imaginar o quanto se sentiam constrangidos
ao terem que romper laços familiares e sociais e se agregar a outras pessoas
leprosas para tentar sobreviver.
Jesus
certamente ajudou os dez leprosos numa dupla dimensão: primeiro, a perspectiva
de ressocialização e, num segundo aspecto, a capacidade de curar a doença num
processo terapêutico. Conta-se que dos dez leprosos curados, apenas um voltou
para agradecer. O que se pode deduzir é que diante da gratuidade do amor de
Deus, nós nem sempre cultivamos a merecida e justificada ação de agradecer. Por
outro lado, eventual mediação de cura e de sentido para a vida não deve
constituir meio para auto-afirmação de superioridade pelos poderes de cura e,
menos ainda, de valer-se desta imagem para fazer publicidade. Afinal, até a
capacidade de louvar e agradecer é dádiva que não depende apenas do desejo, mas
de praxes e de um itinerário de cultivo.
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