domingo, 27 de abril de 2025

GATOSE IV


 

Em mais um pequeno tateio inquiridor sobre a Gatose, reparamos que a interação de felinos adaptados às carências humanas, leva-os a absorver características esquizofrênicas, que eram exclusivamente humanas.

 Assim, na captação de mais um traço humano, os felinos vivem uma inquietação contínua em torno da segurança assegurada pelos seus tutores. Na simples desconfiança de que estes se atrasam ao saírem, sem os levar juntos, já desencadeiam miados chatos e irritantes, certamente, pela possível pressuposição de que foram relegados e desvalorizados como focos únicos e exclusivos de amor humano.

Deste modo, os gatinhos super-mimados desenvolvem uma desconfiança doentia de pressupor que outros gatos possam estar sendo mais agraciados do que eles. Igualmente desenvolvem a desconfiança básica de poderem estar sendo preteridos e substituídos por outros, mediante constatação de que outros gatos possam ofertar e insinuar encantamento mais gratificante e profundo a seus tutores. Afinal, o que eles devem ter que eu não tenho? Mesmo extirpada a fluência da libido no sangue, será que isto faz tanta diferença?

 Esta obsessão de estarem sendo traídos, vira fator de depressão e estresse. Também leva a alergias. Na insistência de um pensamento compulsivo de que estejam sobrando, lambem parte do corpo, com aquela grosa áspera da sua língua, a tal ponto que o lugar começa a doer e sangrar. É um modo de expressar que sentem dor, que querem ser acudidos, bajulados pelo dói-dói, e receber, junto com muita atenção, aplicação de pomadinhas cheirosas e medicamentosas.

Neste campo da doença, os queridinhos, merecedores do amor intenso, para assegurar a exclusividade de muito gesto atencioso, também se tornam hipocondríacos, isto é, de tanto ouvirem falar em doença, absorvem a doença. Deste modo, ao apresentarem, continuamente, algum sintoma de algo errado nas funções orgânicas, tal diagnose lhes assegura e lhes garante, impreterivelmente, o desvelo especial pela sua saúde.

Nas consultas regulares aos veterinários, nos múltiplos exames e nos manuseios para as infindáveis observações, estes gatinhos metamorfoseados ampliam sua ninfomania. Que os veterinários mexam no corpo, que apalpem, que façam afagos, que emitam sussurros amorosos e que compensem a esterilidade através de mais colo.

Enfunados em espaços pequenos e limitados, doentinhos e mimados, já perderam a memória para as longas caminhadas, a fim de estabelecer encontros amorosos e procriadores com similares.

Dessexuados, e, sem libido a percorrer em seu sangue, os gatos afetados por Gatose, satisfazem seu mundo relacional com os mimos, e, muitos mimos durante o dia e em alguns momentos da noite.

Ver aqueles outros gatos, naquelas folias de lua cheia, brigando pela possibilidade de fechar um himeneu amoroso, subindo paredes, árvores e forçando a barra para intimidades, devem, enfim, produzir um sentimento doentio de banzo, saudade do tempo em que não foram cooptados por pessoas humanas para intimidades que fogem da sua natureza.

 

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