quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

Remadores da galera




            Estamos em tempo de muita adoração da personalidade nos serviços prestados numa comunidade de fé. Se, de um lado, a centralidade de Cristo é deslocada para a personalidade de quem se sente diretamente privilegiado com poderes especiais e superiores aos demais, por outro lado diminuem cada dia mais, os que estão dispostos a “remar” junto com os outros nos serviços da comunidade.
            Nos tempos do império romano, e, possivelmente já antes dos romanos, o deslocamento de barcos pequenos ou de navios dependia da força muscular humana. Pode-se imaginar o que representava um confronto de guerra ou outra adversidade, e a velocidade do navio dependia dos remadores que ficavam no porão do navio.
             O que se aprendeu do consenso, já em tempos muito antigos, foi que o ritmo cadenciado de puxar e soltar os remos se tornava imprescindível para o êxito do processo de navegação.  Se alguém não seguisse rigorosamente o ritmo das remadas, com os demais, fazia força à toa e se cansava sem demora. Eles falavam da palavra “upêretas”. Não cabia ficar querendo algo contrário à uniformidade cadenciada de puxar e repuxar os remos, pois a sintonia com o grupo se tornava essencial para o melhor rendimento.
            São Paulo, - ao constatar que na comunidade cristã de Corinto havia acirrada disputa por precedência de algumas lideranças e formação de facções de simpatizantes em torno de uns e de outros, - foi categórico ao lhe mostrar que todos os agentes de evangelização da época teriam que estar sintonizados na finalidade do “navio” e não de seus atributos pessoais. Importava o ritmo coletivo destes agentes e a profunda sensibilidade para movimentar os remos no mesmo compasso dos demais.
            O desempenho das funções de animação numa comunidade cristã depende fundamentalmente da capacidade de sintonia dos animadores. Quando cada um quer alargar seu fã-clube, acaba, evidentemente, ficando relegada a razão e a causa do deslocamento do navio...  A galera dos agentes de sinais do amor de Deus precisa que todos se constituam em servidores de Cristo e não em protagonistas dos gostos pessoais e interesseiros.
            Paulo certamente tinha presente o ensinamento de Jesus Cristo que (segundo Mt 6, 24-34) fala da impossibilidade de se seguir adequadamente a dois senhores. Presume-se que estava em jogo um traço que já tinha causado grandes danos à religião judaica: a de fazer leis para cultivar fidelidade a Deus, e, depois ficar atrelado de forma hipócrita às exterioridades de prática destas normas. Evidencia-se da comparação que a opção por Deus deve levar a pessoa de fé a tornar-se capaz de tomar decisões, por vezes, radicais, porque o atrelamento a muitas dependências inviabiliza um bom discipulado ao projeto de Jesus Cristo.
            Muito mais do que passiva resignação à prática de certas praxes de se colocar na espera da resolução de tudo por parte de Deus, é preciso focar o que objetivamente conduz ao reino anunciado por Jesus Cristo. Podem muitas práticas, mesmo muito festivas, emocionantes e cheias de apelação aos milagres divinos induzir ao outro tipo de senhorio: o de alguém que quer aparecer a todo custo e se tornar notável pelos seus poderes espirituais, e, para a sua glorificação.


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