sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

Entre o bem e o mal




            A história humana vive impregnada de polarizações estabelecidas entre o que é considerado bom e o que é assimilado como ruim. Ainda que se queira apenas o que é bom, um ato maldoso ou agressivo tende a despertar naturalmente para o revide. Neste processo, a violência se prolonga, muitas vezes para além da morte, pois, outras pessoas assumem a causa da vingança desejada.
            De uma forma geral, apenas duas instâncias conseguem brecar os processos de violência: uma instância judicial mais elevada ou a delegação religiosa para que Deus resolva a questão em conflito, o que leva uma das partes, mesmo sentindo-se prejudicada, a aceitar que perdeu. Até mesmo este perdão costuma demorar bem mais do que o desejado.
            Como o mecanismo da vingança tende a prolongar no tempo a maldade implantada, restam de fato duas alternativas: ou apelar a uma instância jurídica maior e com o risco de ser derrotada no julgamento; ou acolher a orientação religiosa de perdoar e delegar a Deus o discernimento sobre os fatos. Infelizmente o quadro religioso não está isento dos processos violentos que resultam de leituras contrárias ou antagônicas a respeito do que é considerado bom ou ruim.
            A experiência bíblica antiga já salientava que as pessoas deveriam saber colocar diante de si as duas polarizações do bem e do mal e escolher o que se encaixa no lado do bem. Assim, como em Lt 17 a 25, aparecem contraposições e convites para uma escolha que se aproxime da santidade de Deus e que, necessariamente, implica em perdoar. Este apelo moral tinha também um pressuposto para as relações com países vizinhos de Israel: em vez de guerras, conflitos e vinganças, boa acolhida aos estrangeiros. Certamente os colecionadores das frases de sabedoria já tinham percebido que o fim da vingança nunca é bom, e, num certo momento, obriga a resignar-se diante da violência ocorrida.
            Quando a educação insinua às crianças, desde muito cedo, a serem espertas e levar vantagem sobre outras da sua faixa etária, geralmente se reforça a noção de que não devem levar desaforo para casa. Das orientações dadas por Jesus Cristo (como em Mt 5, 38-48) e que, aparentemente, parecem absurdas, decorre algo mais profundo do que simplesmente resignar-se à aceitação – normalmente demorada -, mas visa o fim do processo da violência pela realimentação dos ódios. Basta observar como pequenas coisas de dissidência afetiva no ambiente doméstico conseguem, a partir de fofocas, gerar um clima de ódio intenso até entre irmãos de sangue. Jesus Cristo apontou um meio de quebrar o ciclo natural de qualquer ato de violência. Pela vingança, o processo nunca vai ter fim.
            Por conseguinte, a capacidade de perdoar e de rezar pelos inimigos, constitui uma mediação capaz de facilitar e de favorecer a ruptura do ciclo da vingança; e, com uma vantagem evidente: com menos sofrimento e muito menor desgaste, quer afetivo, psíquico ou econômico. Neste sentido, é mais sensato integrar uma humilhação do que ter que lidar com as consequências intempestivas de revides praticados diante do que foi interpretado como um mal.


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