Tornam-se
progressivamente mais comuns os casos de queixa de pessoas que se sentem
lesadas na divisão dos bens, herdados dos pais, e de negócios em que não se confirma
a honra do contrato assinado e muito menos o da palavra de garantia assegurada. Parece até
constituir traço geral de cada família. Ao lado dos sentimentos de prejuízo
diante do que se deseja acumular, aparece cotidianamente a insinuação de que a
maior felicidade humana consiste precipuamente em adquirir muitos bens.
Na medida em
que há empenho para o alcance do máximo de felicidade tende-se a gastar toda a
energia vital e, uma vez feita a apropriação dos bens desejados, aumenta a
atenção para que nada do que foi conquistado, - muitas vezes com suor e sangue
- venha a se perder, e, ao mesmo tempo, já
se potencializa a ganância para acrescentar-lhe progressivamente outros bens
ainda maiores.
Sabemos por
outro lado, que os bens materiais possuem uma mágica para prender nossa atenção
e nos ocupam para que fiquemos sempre mais atrelados à felicidade associada a
estes bens. O resultado é bem conhecido: sobra menos tempo para atividades
lúdicas, de entretenimento, de envolvimento para trabalhar em favor de um bem
coletivo; e, o psiquismo fica cada dia mais focado em coisas e, menos vinculado
ao campo de ações solidárias.
Já antes de
Cristo, o autor do livro do Eclesiástico escrevia num momento de obsessão
expansionista por mais riquezas: dizia que tudo não passava de vaidade. E
repetia: “vaidade das vaidades!” O autor certamente esperava outro tipo de
gosto pela vida e, por isso, revelou-se cético diante da desenfreada busca de
acumulação de bens materiais. O saber humano focado unicamente nos bens, além
de perdê-los com facilidade, sabe que com a morte nada será levado para o além.
O autor do Eclesiástico certamente intuía e captava da memória coletiva do
passado que existe um tesouro humano bem mais precioso do que o do acúmulo de
bens.
Para uma
história que aprendeu a reforçar o apelo religioso de que a riqueza constitui
sinônimo de bênção de Deus, o alerta de Jesus Cristo representou um alcance
ainda mais intrigante do que o texto do Eclesiástico. Nem safras
superabundantes, nem negócios mirabolantes e nem heranças privilegiadas
significam necessariamente bênção de Deus. O verdadeiro tesouro da vida
geralmente não se alarga por brigas em favor de maiores proporções de bens, mas,
a partir de um peculiar modo de envolvimento humano e de um entorno satisfatório
com pessoas amigas.
Como Jesus
foi interpelado para resolver uma briga em torno de herança, e muitos ainda
hoje o procuram para solucionar problemas econômicos, parece persistir o mesmo
deslocamento: o desejo de favorecimento para aumentar os bens e, em
contrapartida, nenhuma abertura para acolher algo mais evidente da parte de
Deus em que se aponta um apelo para valores mais pertinentes à boa notícia do
Evangelho.
Jesus
certamente não quis negar certo nível de bens para uma vida decente, mas
salientar um alerta sobre o risco de prender as razões centrais da vida
unicamente no ajuntamento de bens simbólicos, culturais e materiais.
Com certeza,
uma ponderação sobre as razões últimas do investimento da nossa vida, pode nos
levar a perceber que a vida requer algo mais digno do que o excessivo apego a
coisas.
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