sexta-feira, 29 de julho de 2016

A felicidade da abundância



            Tornam-se progressivamente mais comuns os casos de queixa de pessoas que se sentem lesadas na divisão dos bens, herdados dos pais, e de negócios em que não se confirma a honra do contrato assinado e muito menos o da palavra de garantia assegurada. Parece até constituir traço geral de cada família. Ao lado dos sentimentos de prejuízo diante do que se deseja acumular, aparece cotidianamente a insinuação de que a maior felicidade humana consiste precipuamente em adquirir muitos bens.
            Na medida em que há empenho para o alcance do máximo de felicidade tende-se a gastar toda a energia vital e, uma vez feita a apropriação dos bens desejados, aumenta a atenção para que nada do que foi conquistado, - muitas vezes com suor e sangue -  venha a se perder, e, ao mesmo tempo, já se potencializa a ganância para acrescentar-lhe progressivamente outros bens ainda maiores.
            Sabemos por outro lado, que os bens materiais possuem uma mágica para prender nossa atenção e nos ocupam para que fiquemos sempre mais atrelados à felicidade associada a estes bens. O resultado é bem conhecido: sobra menos tempo para atividades lúdicas, de entretenimento, de envolvimento para trabalhar em favor de um bem coletivo; e, o psiquismo fica cada dia mais focado em coisas e, menos vinculado ao campo de ações solidárias.
            Já antes de Cristo, o autor do livro do Eclesiástico escrevia num momento de obsessão expansionista por mais riquezas: dizia que tudo não passava de vaidade. E repetia: “vaidade das vaidades!” O autor certamente esperava outro tipo de gosto pela vida e, por isso, revelou-se cético diante da desenfreada busca de acumulação de bens materiais. O saber humano focado unicamente nos bens, além de perdê-los com facilidade, sabe que com a morte nada será levado para o além. O autor do Eclesiástico certamente intuía e captava da memória coletiva do passado que existe um tesouro humano bem mais precioso do que o do acúmulo de bens.
            Para uma história que aprendeu a reforçar o apelo religioso de que a riqueza constitui sinônimo de bênção de Deus, o alerta de Jesus Cristo representou um alcance ainda mais intrigante do que o texto do Eclesiástico. Nem safras superabundantes, nem negócios mirabolantes e nem heranças privilegiadas significam necessariamente bênção de Deus. O verdadeiro tesouro da vida geralmente não se alarga por brigas em favor de maiores proporções de bens, mas, a partir de um peculiar modo de envolvimento humano e de um entorno satisfatório com pessoas amigas.
            Como Jesus foi interpelado para resolver uma briga em torno de herança, e muitos ainda hoje o procuram para solucionar problemas econômicos, parece persistir o mesmo deslocamento: o desejo de favorecimento para aumentar os bens e, em contrapartida, nenhuma abertura para acolher algo mais evidente da parte de Deus em que se aponta um apelo para valores mais pertinentes à boa notícia do Evangelho.
            Jesus certamente não quis negar certo nível de bens para uma vida decente, mas salientar um alerta sobre o risco de prender as razões centrais da vida unicamente no ajuntamento de bens simbólicos, culturais e materiais.

            Com certeza, uma ponderação sobre as razões últimas do investimento da nossa vida, pode nos levar a perceber que a vida requer algo mais digno do que o excessivo apego a coisas.

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