sexta-feira, 15 de julho de 2016

Hospitalidade e tarefismo




            Tendemos a valorizar intensamente o ambiente cordial e de boa acolhida. Pelos efeitos que causa, pode-se constatar, com facilidade, que evita eventuais perspectivas de violência e maldade.
            Da experiência bíblica temos registro da memória de tempos muito antigos, reportados aos gestos de Abraão e que refletem o quanto faz bem a atenção dada a visitantes (Gn 18,1-10).
            Nós também sabemos dos efeitos benéficos no humor e nas motivações básicas da vida, oriundos dos momentos em que nos sentimos bem acolhidos. No entanto, pessoas desconhecidas podem despertar medos e inseguranças, pois, delas pode advir qualquer coisa no lugar da gratuidade e da cortesia. O medo de ser assaltado, de ser usado ou agredido e violentado, facilmente povoa nosso imaginário diante das virtualidades de acolher alguém fora do círculo fechado de amizades.
            Por outro lado, mesmo diante das pessoas conhecidas, corremos riscos de não acolhê-las adequadamente, porque desviamos demais o foco dos desejos de agradar e impressionar da melhor forma. Com isso, passamos a planejar os mínimos detalhes do que fazer, do que ornamentar e do que apresentar para lhes causar impressão marcante e agradável.
            Como a vida urbana tende a substituir a cordialidade e as formas espontâneas de acolher as pessoas pela imposição cada dia maior das etiquetas de status, - com vistas a angariar admiração, - relegamos, igualmente, uma característica central das raízes cristãs. Desta forma, o importante já não é acolher bem, mas, impressionar intensamente pelos bens acumulados, seja no aparato da casa, nos utensílios, ou pelo tipo de cardápio.
            A excessiva preocupação de tornar-nos importantes por etiquetas e por apresentar pratos especiais, passíveis de serem admirados com muitos elogios, acaba transformando o encontro em ritual de muitas bajulações e de muita compra de elogios, sem que se toque no que é vital: a partilha do estado de alma.
             Ao se perder a dimensão cordial da partilha, que mistura dores, mágoas, decepções, alegrias e encantamentos, fica-se refém da pressuposta solenidade que estabelece posturas, vestes, e, muitas minudências em torno da ornamentação dos talheres, das travessas, taças e mil outras minúcias secundárias.
            Os muitos afazeres com vistas a muito agradar, anulam o tempo para acolher e escutar. Sobra, então, apenas o memorial das etiquetas para impressionar, e com isso, enche-se o psiquismo de um vento oco sem conteúdos para assimilar ou ruminar em síntese, com vistas a alargar os sentimentos de bem-estar advindos do momento de comunhão.
            Aos nossos dias torna-se, por conseguinte, muito oportuna uma declaração de Jesus ao visitar pessoas amigas (Lc 10,38-42). A melhor parte, escolhida por uma delas, foi a de liberar seu tempo para “fazer sala” e acolher bem o visitante.

            No campo do cultivo da fé, tendemos a fazer algo similar: bajulamos Deus em vista de interesses precípuos e não criamos nenhum momento para o silêncio da escuta e da acolhida do que Dele possamos auscultar e integrar como valor humanitário.

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