sexta-feira, 8 de julho de 2016

Gestos humanitários e interesses jurídicos




            No tempo de muitos séculos do primeiro testamento da Bíblia revelou-se, na experiência religiosa do povo de Israel, uma reincidência muito seguida de desvio da memória do passado. Foi facilmente substituída por encantamentos momentâneos ou exterioridades inócuas dos reais ou supostos momentos de crescimento econômico. O livro do Deuteronômio, por exemplo, ilustra bem como a Aliança celebrada no monte Sinai, foi relegada com rapidez de poucos anos.
            O autor do livro do Deuteronômio, possivelmente um grupo sacerdotal, tentou mostrar que a antiga aliança não constituía nem algo inalcançável do céu, nem algo distante na Terra, de formas a implicar em travessia de mar e outras dificuldades de acesso. Procurou mostrar que a orientação das regras da aliança também não era muito difícil de ser vivida. Poderia emergir do coração e da palavra, ou seja, um modo com algumas características no agir com pessoas e com o meio-ambiente.
            Hoje, estamos num momento em que inúmeras formalidades religiosas e morais estão sendo veiculadas e apregoadas como caminho especial de felicidade. Podemos constatar que parece ser mais fácil falar de coisas divinas e celestiais do que da contingência da vida no sofrido dia-a-dia, sobretudo no que tange justiça. Ao mesmo tempo, somos seduzidos por novidades, mas, que na prática constituem exterioridades secundárias da religião, muitas vezes já caducas e superadas pelo tempo, como se constituíssem o essencial da experiência religiosa.
            Constata-se um interesse quase doentio por milagres e acessos especiais aos segredos divinos para obtenção de muitas vantagens, mas não se cultiva a mínima simpatia em torno das regras elementares para o entendimento humano. Importa comprar e acessar os segredos de Deus, mais do que praticar algumas normas para sentir-se bem diante de Deus.
            Nas narrativas sobre Jesus Cristo, Lucas (10,25-37) apresenta um diálogo entre Jesus e um jurista religioso. Bom sabedor das regras estabelecidas, o jurista, no entanto, não deseja vivenciá-las, mas, quer saber como assegurar o alcance da vida eterna.
            Na historinha pedagógica contada por Jesus destaca-se o que é muito importante na fé: mais do que a função religiosa, importa o agir humanitário em favor da vida. Na estrada da vida, diante de um homem ferido em assalto, um sacerdote e um levita, viram o agonizante e não se importaram com ele. Um samaritano, sem conhecimento das regras religiosas judaicas, e, movido por outra forma de rezar e relacionar-se com Deus, foi atencioso e humanitário...

            São tantas as campanhas, as obras, os serviços e celebrações, feitas muito mais para obter popularidade e elogio do que por efetiva solidariedade humana. Assim, o antigo risco de desvincular os ritos religiosos dos gestos humanitários pode nos envolver na mesma incoerência. Ao tornar-nos mais próximos podemos aproximar-nos de Deus em “espírito e verdade”, como acontecia com os samaritanos, desprezados pelos judeus.

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