A palavra “talha” apresenta mais que
uma dúzia de significados diferentes. Um deles, talvez o que mais lembramos, é o
do pote de barro com grande bojo para conter água, azeite ou outro ingrediente.
Imaginar o tempo de mais de dois mil anos atrás, uma talha vazia certamente constituía
sinônimo de alguma inquietação. Não ter água, azeite ou outro produto de
alimentação básica na talha, requeria, evidentemente, algum ato de providência.
Na expressão religiosa, talha também
possuía mais um significado importante para os judeus. Constituía um pequeno
cubículo, parecido com nossos chuveiros – pelo menos os das pessoas mais pobres
– e consistia numa escavação de aproximadamente um palmo de profundidade e que
era preenchido de água para os rituais de purificação. Diante das pequenas
faltas, desencontros ou desentendimentos a pessoa ficava parada neste cubículo,
de modos que os pés ficassem na água, a fim de fazer o ritual de purificação
daqueles deslizes, ou, como nós diríamos um momento de integração das faltas
cometidas, para sentir-se purificado e perdoado diante de Deus.
O início do Evangelho de São João
(2,1-11) destaca o primeiro grande sinal da parte de Deus, efetuado por Jesus
Cristo, que foi o de pedir para encher novamente as talhas vazias! A religião havia
se tornado tão formalista, exterior e sem força dinâmica para a vida, que já
não salvava nada! Sob este aspecto, talha vazia, além de não purificar e nem
redimir, significava religião inoperante.
A intervenção da mãe de Jesus Cristo
reflete preocupação com esta falta de qualidade da expressão religiosa. Ela, no
entanto, em vez de se prender ao ritualismo vazio, se antecipou com uma intuição
profunda de que se fazia necessário uma nova aliança: não a do legalismo
inoperante simbolizado na água, mas, a do novo do projeto de seu filho,
identificado com o vinho. Como mãe, e, também como discípula, exerceu certa
pressão pela nova aliança, capaz de encher as talhas de sentido! Longe da magia,
desejou que o rito religioso não se constituísse de mera purificação, mas que
expressasse a alegria da festa: afinal, o noivo – lembrando os antigos enlaces
de Deus com o povo – estava ali e dava razão para alegrias messiânicas.
Se a água das talhas constituíra
mediação redentora, porque substituí-la por vinho? Porque lembra a nova aliança
de Jesus Cristo, capaz de propiciar plenitude à vida. Na imagem do vinho bom,
que alegra a festa, encontra-se um significado simbólico muito rico: nas bodas
do estabelecimento de um novo pacto, a presença do noivo torna-se motivo de
alegre festa! Ele, com seu jeito e sua lida, surpreende para além do esperado.
Sua presença equivale à surpresa do vinho bom, porquanto aponta caminho que não
apenas redime de pequenas faltas cotidianas, mas preenche e substitui a longa
tradição que havia se esvaziado e desandado em casuísmos.
Nossos dias parecem repetir algo
parecido com o progressivo esvaziamento dos rituais religiosos. No entanto, o
que se vê pouco, são intuições para algo novo e para além das muitas piedades
marianas que sequer aproximam as pessoas ao projeto de Jesus Cristo, nem
tampouco das alegrias da sua presença no meio de nós. Por outro lado, o que se
vê em tantos veículos de comunicação são emocionalismos explorados nos mínimos detalhes
de uma presumida deusa poderosa, vaidosa, transformada em rainha, e que, ornamentada
de jóias e bricolagens, sempre requer as mesmas coisas alienantes. Esta talha
também está dando sinais de decrepitude e de inoperância para os problemas
reais da vida!
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