sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Lei e controle



         Toda lei costuma ser decorrência de uma experiência passada que deu certo. Pode ser lei escrita ou implícita. O desejo de não perder o efeito daquela experiência, leva a criar normas, a fim de assegurar a continuidade daqueles êxitos. Portanto, quando na linguagem religiosa e bíblica nos referimos à lei, não se trata de uma regra isolada.
Trata-se de um conjunto de normas que procurava, na história do povo bíblico, manter o futuro de grupos humanos dentro dos quadros de coesão daquela de integração de tribos com culturas, histórias e sonhos diferentes. O intento levou  a uma experiência de síntese na pluralidade, que apontou um horizonte de muitas possibilidades para melhorar a integração social, nada fácil, através do pacto da aliança no Sinai, estabelecida nos conhecidos dez mandamentos.
            Se imaginarmos pais na lida com crianças pequenas, podemos observar que nem toda forma coercitiva leva a bons resultados. Ocorrem geralmente muitas tentativas para a obtenção do controle: pode ser apelo a medos, a privações, a ameaças, a castigos ou, recompensas por êxitos. Sem se darem conta, os pais se vêem obrigados a apelar para mais e novas regras, a fim da manter a criança sob os ditames de suas expectativas. Assim, com facilidade, as poucas regras, mesmo não escritas, vão gradualmente aumentando de número. De repente, a eficácia das normas estabelecidas caduca, e se precisa descobrir outra regra para coibir ou estimular determinado comportamento.
            A Bíblia revela que a partir da Aliança das doze tribos no Sinai, a Lei significava o conjunto dos dez mandamentos. Ao perderem a força de persuasão, estes dez mandamentos foram, aos poucos, acrescidos de outras para complementá-las. No tempo de Cristo, o número de acréscimos já passava de 600, mas, mesmo assim, o efeito do que os dez mandamentos visavam, nem por isso estava sendo alcançado.
            Jesus Cristo soube renovar o efeito ético, social e religioso destas mais de seiscentas e tantas leis para uma única regra, segundo Mateus, expressa sob dois aspectos: amar a Deus e ao próximo. Há quem interpreta esta regra de forma mais simplificada: amar o próximo, pois, quando se ama o próximo, simultaneamente já se ama a Deus.
            Muito mais do que dar eficácia ao esvaziado conjunto de regras, Jesus apontou para a construção positiva da convivência e, na dedicação e atenção à condição humana, mostrou de forma muito convincente que assim demonstrava amor a Deus.
            Ao longo da história da Igreja, que quis ser fiel a este único mandamento, e para assegurar o êxito desta regra, já acrescentou milhares de outras; e sentimos, hoje, uma sensação desconfortável de que se constituem um fardo pesado que, mais atrapalha do que ajuda ao bom entendimento e respeito na convivência com pessoas e com a natureza.
            A proposta de Cristo certamente continua a ser magnífico horizonte para orientar os rumos da convivência, mas, de forma parecida com a dele, precisamos simplificar o casuísmo de regras para que voltem a ser meio que facilita a vida.

            Mais do que apelações ao maior mandamento para submeter outras pessoas, importa clarear luzes que nos tornem melhores e menos excludentes com incontáveis exigências. O amor filial não pode sucumbir sob o falso apelo às muitas cobranças: afinal, Jesus apontou um caminho que salva e não um caminho que escraviza através de perversos controles, multiplicados à exaustão por meio de regras.

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