segunda-feira, 23 de setembro de 2013

UM TESTE DE PATERNIDADE

Dona Benta, uma senhora alta, gorda e faladeira, sabia apreciar os mínimos detalhes de qualquer pessoa que visse, e costumava emitir comentários dos mais aturdidos a respeito de qualquer vivente da vizinhança. Parecia captar as coisas pelo cheiro. Tinha um vozeirão raro de se ouvir, e, como era pessoa altamente emotiva, conseguia folgadamente chorar, sorrir, brincar e revelar extravagâncias em apenas um minuto.

Do muito que dona Benta sabia falar da vida alheia, nasceram também muitos episódios para deixá-la acabrunhada. Parte da sua capacidade apreciativa das condutas alheias era estimulada por seu marido, Nando, homem irônico, pachola, e, por isso mesmo, muito debochador da vida alheia.

O casal teve, depois de três meninos, razão especial para comemorar o nascimento de uma menina. Era festa, choro, emoção e muito frenesi em torno que viria a ser esta menina. O pai pode acalantá-la pouco tempo, porque um câncer na garganta o fulminou em poucos meses depois do nascimento da menina Zuzi.

Dona Benta, ainda mais choramingona do que antes, oscilava entre responsabilidade na condução do andamento da família e lamúrias diante das dificuldades que enfrentava. Era grito e choro de manhã até noite adentro. Os meninos, embora arteiros, foram crescendo e, aos poucos, criando juízo para assumir as lidas da produção de leite, de aves e de porcos.

A menina sabe-se lá se por excesso de proteção ou de liberdade para fazer artes com os meninos, quando se tornou adolescente, começou a mostrar que não tinha queda para os estudos, mas, um extraordinário pendor para estar no meio da rapaziada. Sempre trajada da calça jeans, botina e chapéu, começou a despertar suspeitas de apresentar alguma anomalia hormonal, ou genética ou psíquica. Dona Benta, a instância suprema da moral e dos bons costumes do povoado, teve que amargar alguma indireta e algum motejo a respeito da conduta de sua pupila dos olhos.

Sem demora o assunto se inverteu e começou a correr conversa de que Zuzi, a excelsa realização de dona Benta, dava sinais de ser “Maria Sapatão”. Aí sim, saía troça de todo jeito em torno dos hábitos da menina. A fama foi se alargando e todos conheciam Zuzi como namoradeira de outras meninas. Por onde Zuzi andava, estava sempre rodeada por um séquito de diversas colegas, e gostava de freqüentar os bares para beber cerveja e falar de formas extravagantes para chamar atenção de todo mundo. Sobretudo em festas, ficava bêbada e, então, as lágrimas do choro da dona Benta tinham que formar um córrego escorregadiço para arrastar a menina para casa.

Quando toda a comunidade já parecia estar acostumada com a sapiência de que Zuzi era “Maria Sapatão”, eis que ela começou a evidenciar que estava grávida. O fato, além de propiciar os mais fartos comentários, impreterivelmente enveredava sobre a possível paternidade. Por mais que todo mundo comentasse o inusitado assunto e se metesse a bisbilhotar a vida de Zuzi com o intuito de descobrir o esplendoroso pai da criança, ninguém conseguia fornecer pistas concretas. Alguns gozavam que dentre as meninas do seu grupo poderia alguma estar enganando a torcida. Supinamente as investigações direcionavam-se mais para os rapazes. Feitas todas as sondagens possíveis e imagináveis, evidenciou-se algo concreto: não foi nenhum rapaz da redondeza.

Restava, então, mais uma alternativa: uma devassa entre os presumíveis homens casados. Dias, semanas e meses não chegaram a evidências plausíveis a respeito do misterioso homem de família que poderia ter engravidado Zuzi. Ela, por seu turno, aproveitou o ensejo para avivar ainda mais o suspense do pai secreto, sem fornecer a mais ínfima indicação do possível nome desta façanha.

Enquanto o suspense rondava os ares e ocupava as conversas, um velho senhor chegou a uma ponderação de bom-senso: como havia suspeita mais destacada sobre dois homens, sugeriu que todos esperassem mais alguns meses até conseguirem ouvir a forma da criança falar. Caso ela utilizasse a palavra “Ansim” - em vez de “assim”, - então, o pai seria o velho matreiro, o alemão Fritz, homem falso até por cima da cabeça, pois era notável pela sua atrevida astúcia. Dizia-se que sua esposa tremia as duas mãos por efeito da doença de Parkinson, de tanto bater nele por sempre estar metido a garanhão caçador de mulheres. Sua aparência, todavia, era a de um santo extraordinariamente devoto e piedoso, especialmente na regência do coral e na forma como rezava alto, postado no primeiro banco da Igreja para cair na vista dos demais que vinham àquele local. Por outro lado, se a menina utilizasse a repetição do cacoete “né”, neste caso, seria o recém casado Pedro Borba, pai de duas pequenas crianças.

Passado mais de um ano sem dados definitivos sobre a paternidade, e como ninguém se preocupava com possível exame de DNA e nem Zuzi reclamava explicitamente alguma ajuda do pai para manter a criação da filha, o melhor exame seria o indicado pelo velho ancião Marciano.


Num belo dia, alguém soltou a conversa de que ouviu a menina dizer “né”. Aí, sim! O assunto percorreu rapidamente a região, e, finalmente, o misterioso caso chegava a um desfecho: o pai seria mesmo o senhor Pedro Borba, o já pai de duas outras meninas. Com mais uns dias de fofoca generalizada, delineou-se finalmente o grande mistério: o pai biológico da menina de Zuzi era de fato Pedro Borba. O documento confirmatório foi uma briga fenomenal com a esposa, que tomou suas duas filhas, e foi morar na casa de seus pais. Terminado o suspense, confirmou-se o exame de paternidade e tudo voltou a outros assuntos de conversa. Talvez nem dona Benta tenha suposto passar por tanta e sequiosa espera de resultados.

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