Dona Benta, uma senhora alta, gorda e faladeira, sabia
apreciar os mínimos detalhes de qualquer pessoa que visse, e costumava emitir
comentários dos mais aturdidos a respeito de qualquer vivente da vizinhança.
Parecia captar as coisas pelo cheiro. Tinha um vozeirão raro de se ouvir, e,
como era pessoa altamente emotiva, conseguia folgadamente chorar, sorrir,
brincar e revelar extravagâncias em apenas um minuto.
Do muito que dona Benta sabia falar da vida alheia, nasceram
também muitos episódios para deixá-la acabrunhada. Parte da sua capacidade
apreciativa das condutas alheias era estimulada por seu marido, Nando, homem
irônico, pachola, e, por isso mesmo, muito debochador da vida alheia.
O casal teve, depois de três meninos, razão especial para
comemorar o nascimento de uma menina. Era festa, choro, emoção e muito frenesi
em torno que viria a ser esta menina. O pai pode acalantá-la pouco tempo,
porque um câncer na garganta o fulminou em poucos meses depois do nascimento da
menina Zuzi.
Dona Benta, ainda mais choramingona do que antes, oscilava
entre responsabilidade na condução do andamento da família e lamúrias diante
das dificuldades que enfrentava. Era grito e choro de manhã até noite adentro.
Os meninos, embora arteiros, foram crescendo e, aos poucos, criando juízo para
assumir as lidas da produção de leite, de aves e de porcos.
A menina sabe-se lá se por excesso de proteção ou de
liberdade para fazer artes com os meninos, quando se tornou adolescente, começou
a mostrar que não tinha queda para os estudos, mas, um extraordinário pendor
para estar no meio da rapaziada. Sempre trajada da calça jeans, botina e
chapéu, começou a despertar suspeitas de apresentar alguma anomalia hormonal,
ou genética ou psíquica. Dona Benta, a instância suprema da moral e dos bons
costumes do povoado, teve que amargar alguma indireta e algum motejo a respeito
da conduta de sua pupila dos olhos.
Sem demora o assunto se inverteu e começou a correr conversa
de que Zuzi, a excelsa realização de dona Benta, dava sinais de ser “Maria
Sapatão”. Aí sim, saía troça de todo jeito em torno dos hábitos da menina. A
fama foi se alargando e todos conheciam Zuzi como namoradeira de outras
meninas. Por onde Zuzi andava, estava sempre rodeada por um séquito de diversas
colegas, e gostava de freqüentar os bares para beber cerveja e falar de formas
extravagantes para chamar atenção de todo mundo. Sobretudo em festas, ficava
bêbada e, então, as lágrimas do choro da dona Benta tinham que formar um
córrego escorregadiço para arrastar a menina para casa.
Quando toda a comunidade já parecia estar acostumada com a
sapiência de que Zuzi era “Maria Sapatão”, eis que ela começou a evidenciar que
estava grávida. O fato, além de propiciar os mais fartos comentários,
impreterivelmente enveredava sobre a possível paternidade. Por mais que todo
mundo comentasse o inusitado assunto e se metesse a bisbilhotar a vida de Zuzi
com o intuito de descobrir o esplendoroso pai da criança, ninguém conseguia
fornecer pistas concretas. Alguns gozavam que dentre as meninas do seu grupo
poderia alguma estar enganando a torcida. Supinamente as investigações
direcionavam-se mais para os rapazes. Feitas todas as sondagens possíveis e
imagináveis, evidenciou-se algo concreto: não foi nenhum rapaz da redondeza.
Restava, então, mais uma alternativa: uma devassa entre os
presumíveis homens casados. Dias, semanas e meses não chegaram a evidências
plausíveis a respeito do misterioso homem de família que poderia ter
engravidado Zuzi. Ela, por seu turno, aproveitou o ensejo para avivar ainda
mais o suspense do pai secreto, sem fornecer a mais ínfima indicação do
possível nome desta façanha.
Enquanto o suspense rondava os ares e ocupava as conversas,
um velho senhor chegou a uma ponderação de bom-senso: como havia suspeita mais
destacada sobre dois homens, sugeriu que todos esperassem mais alguns meses até
conseguirem ouvir a forma da criança falar. Caso ela utilizasse a palavra
“Ansim” - em vez de “assim”, - então, o pai seria o velho matreiro, o alemão
Fritz, homem falso até por cima da cabeça, pois era notável pela sua atrevida
astúcia. Dizia-se que sua esposa tremia as duas mãos por efeito da doença de
Parkinson, de tanto bater nele por sempre estar metido a garanhão caçador de
mulheres. Sua aparência, todavia, era a de um santo extraordinariamente devoto
e piedoso, especialmente na regência do coral e na forma como rezava alto,
postado no primeiro banco da Igreja para cair na vista dos demais que vinham àquele
local. Por outro lado, se a menina utilizasse a repetição do cacoete “né”, neste
caso, seria o recém casado Pedro Borba, pai de duas pequenas crianças.
Passado mais de um ano sem dados definitivos sobre a
paternidade, e como ninguém se preocupava com possível exame de DNA e nem Zuzi
reclamava explicitamente alguma ajuda do pai para manter a criação da filha, o
melhor exame seria o indicado pelo velho ancião Marciano.
Num belo dia, alguém soltou a conversa de que ouviu a menina
dizer “né”. Aí, sim! O assunto percorreu rapidamente a região, e, finalmente, o
misterioso caso chegava a um desfecho: o pai seria mesmo o senhor Pedro Borba,
o já pai de duas outras meninas. Com mais uns dias de fofoca generalizada,
delineou-se finalmente o grande mistério: o pai biológico da menina de Zuzi era
de fato Pedro Borba. O documento confirmatório foi uma briga fenomenal com a
esposa, que tomou suas duas filhas, e foi morar na casa de seus pais. Terminado
o suspense, confirmou-se o exame de paternidade e tudo voltou a outros assuntos
de conversa. Talvez nem dona Benta tenha suposto passar por tanta e sequiosa
espera de resultados.
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