segunda-feira, 23 de setembro de 2013

O ZÉ DA FILOSOFIA VOLUPTUOSA

Nos idos tempos do pleno rigor da ditadura militar brasileira, muitas lidas foram cerceadas. No entanto, não foram controladas todas as lidas humanas e nem as volúpias que se manifestavam efusivamente na vida de muitos jovens alunos de segundo grau em salas de aula.

Na histórica cidade de Rio Pardo, no Rio Grande do Sul, cultivava-se em 1970 um verdadeiro orgulho em torno do Colégio Estadual Ernesto Alves. A fama da boa qualidade, no entanto, não ostentava questões mais sutis que se passavam em salas de aula, envolvendo olhares, interpretações e deduções.

Uma das professoras, a de Filosofia, fora agraciada por extraordinária beleza física: morena de excepcionais fontes de fascínio estava condecorada, com todos os méritos, pelo título de Miss Piscina do Rio Grande do Sul. Para os alunos, o corpo da bela professora propiciava muito mais raciocínios lógicos e filosóficos do que suas monótonas e abstratas explicações sobre Demócrito, Tales de Mileto, Anaximandro, Anaxágoras, Anaxímenes, Sócrates, Platão e Aristóteles.

Como na época o auge da moda era o da mini-saia, esta constituía a vestimenta preferida das moças e das jovens senhoritas. Um detalhe tornava os mistérios da atração ainda mais insinuantes. Especialmente as professoras gostavam de vestir-se com saias de couro. Isso dava um acréscimo peculiar e de status ao bom gosto da moda. Para os alunos do segundo ano do Curso Científico, este detalhe adquiria outra nuance filosófica muito valiosa. Ao contrário das outras saias curtas e justas, as de couro, ficavam mais rígidas e abertas. Esta característica gerava disputas dos rapazes em torno dos lugares para assentar-se na sala de aula, a fim de obter os melhores lances de visualização do que se manifestava sob as sombras destas saias de couro. Nada se tornava mais emocionante do que o momento em que as professoras decidiam escrever algo no quadro, sobretudo, quando iniciassem as primeiras linhas escritas o mais próximo possível da margem superior. Nesta hora, o agraciado de ocupar a primeira classe do lado esquerdo da sala se considerava privilegiado por visões altamente filosóficas, pois apareciam as calçinhas das professoras e além da interpretação da cor, vinham alguns comentários sobre outros aspectos anatômicos visualizados naquele instante. Se não era por informação oral, pelo menos seguiam circulando alguns bilhetes pela sala, a fim de informar os detalhes observados com as devidas hermenêuticas.

Se muitas professoras despertavam olhares mais rígidos sobre certas partes do corpo, a de Filosofia gerava suspenses de respiração toda vez que ameaçava escrever algo no quadro. Por certo tempo, muitos alunos vinham mais cedo para assegurar a primeira carteira no lado esquerdo da sala. A disputa foi se tornando mais acirrada e o Zé, que se manifestava o mais voluptuoso, e que, seguidamente não era o primeiro a chegar no tempo de assegurar o lugar privilegiado para as melhores visualizações, resolveu comprar a exclusividade do espaço, prometendo, aos demais colegas, pagar-lhes uma janta num restaurante. Topada a proposta, o Zé se tornou o informante em torno das curiosidades mais agudas a respeito do que se manifestava sob as saias de couro.

Na aula de Filosofia, como a professora era limitadíssima em discussão e em ponderações filosóficas, ocupava-se eminentemente em escrever frases isoladas no quando e pedia que os alunos as copiassem. Evidentemente que o Zé, não conseguia copiar nada, mas, num belo dia, enquanto a professora escrevia as primeiras linhas no alto do quadro e oferecia uma visualização panorâmica do que se apresentava sob a saia de couro, o Zé estalou os dedos para pedir a palavra à professora e perguntou:

- Professora! Posso dizer uma frase bem filosófica?

- Pode, sim, - toda gentil - respondeu a professora!

Foi então que Zé soltou sua tergiversação filosófica, provavelmente fruto do que via, e falou:

- Professora, onde sua saia termina, o pensamento continua, enquanto efetuou um gesto de elevação das mãos!

A professora, mesmo morena, avermelhou-se instantaneamente, baixou o olhar sobre a saia, apertou-a com as mãos para aproximá-la mais das protuberantes coxas, desandou num choro, e saiu rapidamente da sala.
Poucos minutos depois, estava na sala a coordenadora pedagógica para uma conversa séria. Depois dos xingamentos iniciais, alguns colegas partiram para a defesa do Zé e informaram a coordenadora a respeito do que acontecia com todas as professoras e, até mesmo com ela, quando se inventava a fazer desenhos gráficos sobre o quadro. A coordenadora se aquietou mais e, de repente, sem maiores ponderações, aparentemente também surpresa com a fonte das principais elucubrações filosóficas despertadas naquela sala de aula, saiu. A respeito do que aconteceu depois disso, foram efeitos práticos muito rápidos. Somente a imaginação poderia aproximar os fundamentos últimos desta realidade para uma interpretação filosófica do que engendrou os acontecimentos, mas, objetivamente, a bela professora de Filosofia nunca mais apareceu na sala de aula, e, em seu lugar, veio um professor, por sinal, altamente feio e desajeitado. Ademais, as outras professoras nunca mais foram vistas na sala de aula com saias de couro.


Dias depois começaram as lamentações a respeito do peso e das repercussões do raciocínio filosófico do Zé. Produziu um estrago enorme para os floreios imaginários e os devaneios em torno dos conteúdos que mais despertavam atenção às professoras. O Zé não honrou as promessas, e, as ponderações filosóficas se tornaram ainda mais abstratas.

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