Nos idos tempos do pleno rigor da ditadura militar
brasileira, muitas lidas foram cerceadas. No entanto, não foram controladas
todas as lidas humanas e nem as volúpias que se manifestavam efusivamente na
vida de muitos jovens alunos de segundo grau em salas de aula.
Na histórica cidade de Rio Pardo, no Rio Grande do Sul,
cultivava-se em 1970 um verdadeiro orgulho em torno do Colégio Estadual Ernesto
Alves. A fama da boa qualidade, no entanto, não ostentava questões mais sutis
que se passavam em salas de aula, envolvendo olhares, interpretações e deduções.
Uma das professoras, a de Filosofia, fora agraciada
por extraordinária beleza física: morena de excepcionais fontes de fascínio estava
condecorada, com todos os méritos, pelo título de Miss Piscina do Rio Grande do
Sul. Para os alunos, o corpo da bela professora propiciava muito mais
raciocínios lógicos e filosóficos do que suas monótonas e abstratas explicações
sobre Demócrito, Tales de Mileto, Anaximandro, Anaxágoras, Anaxímenes, Sócrates,
Platão e Aristóteles.
Como na época o auge da moda era o da mini-saia, esta
constituía a vestimenta preferida das moças e das jovens senhoritas. Um detalhe
tornava os mistérios da atração ainda mais insinuantes. Especialmente as
professoras gostavam de vestir-se com saias de couro. Isso dava um acréscimo peculiar
e de status ao bom gosto da moda. Para os alunos do segundo ano do Curso Científico,
este detalhe adquiria outra nuance filosófica muito valiosa. Ao contrário das
outras saias curtas e justas, as de couro, ficavam mais rígidas e abertas. Esta
característica gerava disputas dos rapazes em torno dos lugares para
assentar-se na sala de aula, a fim de obter os melhores lances de visualização
do que se manifestava sob as sombras destas saias de couro. Nada se tornava
mais emocionante do que o momento em que as professoras decidiam escrever algo
no quadro, sobretudo, quando iniciassem as primeiras linhas escritas o mais
próximo possível da margem superior. Nesta hora, o agraciado de ocupar a
primeira classe do lado esquerdo da sala se considerava privilegiado por visões
altamente filosóficas, pois apareciam as calçinhas das professoras e além da
interpretação da cor, vinham alguns comentários sobre outros aspectos
anatômicos visualizados naquele instante. Se não era por informação oral, pelo
menos seguiam circulando alguns bilhetes pela sala, a fim de informar os
detalhes observados com as devidas hermenêuticas.
Se muitas professoras despertavam olhares mais rígidos
sobre certas partes do corpo, a de Filosofia gerava suspenses de respiração toda
vez que ameaçava escrever algo no quadro. Por certo tempo, muitos alunos vinham
mais cedo para assegurar a primeira carteira no lado esquerdo da sala. A
disputa foi se tornando mais acirrada e o Zé, que se manifestava o mais
voluptuoso, e que, seguidamente não era o primeiro a chegar no tempo de
assegurar o lugar privilegiado para as melhores visualizações, resolveu comprar
a exclusividade do espaço, prometendo, aos demais colegas, pagar-lhes uma janta
num restaurante. Topada a proposta, o Zé se tornou o informante em torno das
curiosidades mais agudas a respeito do que se manifestava sob as saias de
couro.
Na aula de Filosofia, como a professora era
limitadíssima em discussão e em ponderações filosóficas, ocupava-se
eminentemente em escrever frases isoladas no quando e pedia que os alunos as
copiassem. Evidentemente que o Zé, não conseguia copiar nada, mas, num belo
dia, enquanto a professora escrevia as primeiras linhas no alto do quadro e
oferecia uma visualização panorâmica do que se apresentava sob a saia de couro,
o Zé estalou os dedos para pedir a palavra à professora e perguntou:
- Professora! Posso dizer uma frase bem filosófica?
- Pode, sim, - toda gentil - respondeu a professora!
Foi então que Zé soltou sua tergiversação filosófica,
provavelmente fruto do que via, e falou:
- Professora, onde sua saia termina, o pensamento
continua, enquanto efetuou um gesto de elevação das mãos!
A professora, mesmo morena, avermelhou-se
instantaneamente, baixou o olhar sobre a saia, apertou-a com as mãos para
aproximá-la mais das protuberantes coxas, desandou num choro, e saiu
rapidamente da sala.
Poucos minutos depois, estava na sala a coordenadora
pedagógica para uma conversa séria. Depois dos xingamentos iniciais, alguns
colegas partiram para a defesa do Zé e informaram a coordenadora a respeito do
que acontecia com todas as professoras e, até mesmo com ela, quando se
inventava a fazer desenhos gráficos sobre o quadro. A coordenadora se aquietou
mais e, de repente, sem maiores ponderações, aparentemente também surpresa com
a fonte das principais elucubrações filosóficas despertadas naquela sala de
aula, saiu. A respeito do que aconteceu depois disso, foram efeitos práticos
muito rápidos. Somente a imaginação poderia aproximar os fundamentos últimos
desta realidade para uma interpretação filosófica do que engendrou os
acontecimentos, mas, objetivamente, a bela professora de Filosofia nunca mais
apareceu na sala de aula, e, em seu lugar, veio um professor, por sinal,
altamente feio e desajeitado. Ademais, as outras professoras nunca mais foram
vistas na sala de aula com saias de couro.
Dias depois começaram as lamentações a respeito do
peso e das repercussões do raciocínio filosófico do Zé. Produziu um estrago
enorme para os floreios imaginários e os devaneios em torno dos conteúdos que
mais despertavam atenção às professoras. O Zé não honrou as promessas, e, as
ponderações filosóficas se tornaram ainda mais abstratas.
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