Nossos dias de
extraordinário progresso técnico apontam horizontes cada vez mais auspiciosos e
suscetíveis para a plena felicidade humana. Ao mesmo tempo, estes dias apontam
para uma proporcional e similar fragilização de tudo quanto é apontado como
fator de maior plenitude. Assim, o altamente alvissareiro, mostra-se também
altamente precário, provisório e fugaz.
O astronauta, aquele que está na ponta da
tecnologia, escorado pelas certezas tecnológicas, capazes de levá-lo num
crescimento linear infinito, olha para frente com olhar determinado,
auto-suficiente, e decidido, porque sabe que seus equipamentos o levam a
descortinar novas fronteiras. Ele sabe que o adequado manejo dos instrumentos vai
conduzi-lo impreterivelmente ao sucesso. Ele não se pergunta a respeito da
forma como conseguiu ascensão e privilégios e, pouco se importa com tudo quanto
envolve ética na política, valorização das maiorias excluídas e avanços na
justiça social. Sua ambição o deixa atento para o foco das possibilidades e
avança a largos saltos na conquista.
Como
privilegiado por excelência das profundas transformações tecnológicas dos
últimos tempos, o astronauta sabe que o caminho lhe conferirá status, porque
tem acesso à tecnologia de ponta, venha donde vier e ao preço que custar. Esta tecnologia
lhe assegura uma perspectiva otimista do futuro. Aconteça o que acontecer, ele
somente vê progresso pela frente e a possibilidade de abarrotar-se com muitas
riquezas, uma vez que a eventualidade de falhas nos instrumentos eletrônicas
que utiliza, são muito reduzidas.
Ainda que a grande maioria dos membros da
mesma sociedade do astronauta, quais náufragos à deriva, esteja se dando mal,
ele move-se pela certeza do triunfo e do êxito. Já vive a paixão da vitória e
vê que nem é conveniente misturar-se muito com os mortais que pendem para o
fracasso e o pessimismo.
O astronauta
adora a ciência, a tecnologia, a globalização, porque estes campos lhe
asseguram todos os dias, bons augúrios e um sem número de vozes proféticas
dando garantias de êxito. A televisão torna-se um aliado excelente, porque ela
dispensa cultos religiosos, para fazer, todos os dias, um imenso e intenso
culto ao sucesso pessoal das pessoas. Trata-se de um culto incomparavelmente
mais agradável e fácil do que pensar num Deus que espera solidariedade humana e
a ruptura das fronteiras que separam, por valas intransponíveis, as classes
sociais e as castas enclausuradas para melhor assegurar suas ambições.
A revolução
tecnológica é um credo de respostas evidentes, imediatas e sensacionais que
dispensam mecanismos de paz e de qualidade existencial. Tampouco os conflitos
envolvendo as questões centrais do gênero humano, com pobreza, ignorância e
exclusão, conseguem sensibilizar para algo mais humanitário. O que move o
astronauta é outra humanidade, a que ele vai conquistar nos rumos da audácia,
no qual o céu equivale à prosperidade.
O lado
onipotente do “astronauta” brasileiro revela, todavia, uma incontida
fragilidade, porque se move por uma cultura importada, imitada, e este caminho,
só pode gerar salvação no campo da fantasia.
O reverso do
astronauta conquistador é o da realidade de milhões de pessoas que se vêem
inseguras, desamparadas, quais náufragos em alto-mar... Só percebem ondas cada
vez mais elevadas de adversidades, tratamentos ríspidos, falta de atenção,
ausência de amparo, de companhia, de uma mão estendida, protelação das
promessas e, por isso, se movem numa perspectiva completamente diferente: pelo
desejo de visualizar terra firme e próxima para evadir-se do turbilhão das
águas que ameaçam subsumir suas últimas forças. Esperam, ardentemente, que
alguém os perceba e, que os ampare e que lhes jogue uma bóia para não sucumbirem.
Seus eventuais sonhos e clamores por justiça social, no simbólico e
desconcertante contexto do naufrágio, não lhes propiciam nenhuma segurança, nem
por vias políticas, nem éticas e nem mesmo religiosas. Tampouco seus ideais de
solidariedade, envolvendo outros excluídos ou a recuperação das instituições em
crise, sensibilizam os constructos mentais dos que regem a vida pública em
função dos poucos “astronautas”. Sobra-lhes apenas um estado enfadonho,
desesperado e sem horizontes de salvação efetiva.
Para os
náufragos, sobretudo os desta imensa América Latina, o êxito dos astronautas
consegue exercer um fascínio implacável e uma verdadeira vertigem. Aparece-lhes
como a antecipação do céu, capaz de romper seu inferno de desemprego, de
violências, de protestos, de drogas, mas, este fascínio é cruel, pois não se
deixa agarrar. É como o joguinho eletrônico de clicar sobre um objeto que salta
longe quando se pretende clicá-lo. Ainda que este jogo desperta a teimosia,
apenas aviva imagens de outro cenário, mas, que não consegue esconder o real
das frustrações profundas que eclodem nos olhares e das marcas indeléveis de
rostos que já transluzem a perda da auto-estima. Ficaram tão denegridos na sua
condição humana, que somente conseguem ver o imediato. Se alguns ainda erguem e
balançam os braços ao céu, para bendizer a Deus porque continuam vivos e porque
ainda sonham com salvação, precisam mesmo é de mais espaço na casa, mais
comida, mais educação e mais condições para tratar os limites provocados por
doenças.
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