sexta-feira, 20 de setembro de 2013

AFINAL, NÁUFRAGOS OU ASTRONAUTAS?

Nossos dias de extraordinário progresso técnico apontam horizontes cada vez mais auspiciosos e suscetíveis para a plena felicidade humana. Ao mesmo tempo, estes dias apontam para uma proporcional e similar fragilização de tudo quanto é apontado como fator de maior plenitude. Assim, o altamente alvissareiro, mostra-se também altamente precário, provisório e fugaz.
 O astronauta, aquele que está na ponta da tecnologia, escorado pelas certezas tecnológicas, capazes de levá-lo num crescimento linear infinito, olha para frente com olhar determinado, auto-suficiente, e decidido, porque sabe que seus equipamentos o levam a descortinar novas fronteiras. Ele sabe que o adequado manejo dos instrumentos vai conduzi-lo impreterivelmente ao sucesso. Ele não se pergunta a respeito da forma como conseguiu ascensão e privilégios e, pouco se importa com tudo quanto envolve ética na política, valorização das maiorias excluídas e avanços na justiça social. Sua ambição o deixa atento para o foco das possibilidades e avança a largos saltos na conquista.
Como privilegiado por excelência das profundas transformações tecnológicas dos últimos tempos, o astronauta sabe que o caminho lhe conferirá status, porque tem acesso à tecnologia de ponta, venha donde vier e ao preço que custar. Esta tecnologia lhe assegura uma perspectiva otimista do futuro. Aconteça o que acontecer, ele somente vê progresso pela frente e a possibilidade de abarrotar-se com muitas riquezas, uma vez que a eventualidade de falhas nos instrumentos eletrônicas que utiliza, são muito reduzidas.
 Ainda que a grande maioria dos membros da mesma sociedade do astronauta, quais náufragos à deriva, esteja se dando mal, ele move-se pela certeza do triunfo e do êxito. Já vive a paixão da vitória e vê que nem é conveniente misturar-se muito com os mortais que pendem para o fracasso e o pessimismo.
O astronauta adora a ciência, a tecnologia, a globalização, porque estes campos lhe asseguram todos os dias, bons augúrios e um sem número de vozes proféticas dando garantias de êxito. A televisão torna-se um aliado excelente, porque ela dispensa cultos religiosos, para fazer, todos os dias, um imenso e intenso culto ao sucesso pessoal das pessoas. Trata-se de um culto incomparavelmente mais agradável e fácil do que pensar num Deus que espera solidariedade humana e a ruptura das fronteiras que separam, por valas intransponíveis, as classes sociais e as castas enclausuradas para melhor assegurar suas ambições.
A revolução tecnológica é um credo de respostas evidentes, imediatas e sensacionais que dispensam mecanismos de paz e de qualidade existencial. Tampouco os conflitos envolvendo as questões centrais do gênero humano, com pobreza, ignorância e exclusão, conseguem sensibilizar para algo mais humanitário. O que move o astronauta é outra humanidade, a que ele vai conquistar nos rumos da audácia, no qual o céu equivale à prosperidade.
O lado onipotente do “astronauta” brasileiro revela, todavia, uma incontida fragilidade, porque se move por uma cultura importada, imitada, e este caminho, só pode gerar salvação no campo da fantasia.
O reverso do astronauta conquistador é o da realidade de milhões de pessoas que se vêem inseguras, desamparadas, quais náufragos em alto-mar... Só percebem ondas cada vez mais elevadas de adversidades, tratamentos ríspidos, falta de atenção, ausência de amparo, de companhia, de uma mão estendida, protelação das promessas e, por isso, se movem numa perspectiva completamente diferente: pelo desejo de visualizar terra firme e próxima para evadir-se do turbilhão das águas que ameaçam subsumir suas últimas forças. Esperam, ardentemente, que alguém os perceba e, que os ampare e que lhes jogue uma bóia para não sucumbirem. Seus eventuais sonhos e clamores por justiça social, no simbólico e desconcertante contexto do naufrágio, não lhes propiciam nenhuma segurança, nem por vias políticas, nem éticas e nem mesmo religiosas. Tampouco seus ideais de solidariedade, envolvendo outros excluídos ou a recuperação das instituições em crise, sensibilizam os constructos mentais dos que regem a vida pública em função dos poucos “astronautas”. Sobra-lhes apenas um estado enfadonho, desesperado e sem horizontes de salvação efetiva.

Para os náufragos, sobretudo os desta imensa América Latina, o êxito dos astronautas consegue exercer um fascínio implacável e uma verdadeira vertigem. Aparece-lhes como a antecipação do céu, capaz de romper seu inferno de desemprego, de violências, de protestos, de drogas, mas, este fascínio é cruel, pois não se deixa agarrar. É como o joguinho eletrônico de clicar sobre um objeto que salta longe quando se pretende clicá-lo. Ainda que este jogo desperta a teimosia, apenas aviva imagens de outro cenário, mas, que não consegue esconder o real das frustrações profundas que eclodem nos olhares e das marcas indeléveis de rostos que já transluzem a perda da auto-estima. Ficaram tão denegridos na sua condição humana, que somente conseguem ver o imediato. Se alguns ainda erguem e balançam os braços ao céu, para bendizer a Deus porque continuam vivos e porque ainda sonham com salvação, precisam mesmo é de mais espaço na casa, mais comida, mais educação e mais condições para tratar os limites provocados por doenças. 

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