segunda-feira, 23 de setembro de 2013

O OVO DA SENHORITA BRIAN

O atual salto estratosférico dos avanços nos múltiplos campos do conhecimento, aliado às inusitadas tecnologias já disponíveis para levar uma vida com menos dores, com diminuição de sofrimentos, e, gradualmente, com mais momentos prazerosos, - certamente bem antes de 2070, - terá extirpado da face da Terra a necessidade de mulheres terem que suportar profunda alteração do corpo para gestar durante nove meses e, ainda, se submeter às dores de parto, aos momentos de amamentação, de banhos e de troca de fraldas, sem falar da perda de sono para acalmar choros que podem revelar mil intentos do seu querido bebê. Tudo isso acontecerá pelos efeitos de ovos artificiais, impregnados com todos os nutrientes devidamente balanceados para uma gestação perfeita e enriquecidos por alterações no código genético para ampliar a beleza, a imunidade contra doenças e muni-lo de predisposições atléticas, além de assegurar assepsia, integridade máxima e o atendimento até mesmo de gostos subjetivos e dimensões da voga cultural relativa ao corpo perfeito. Aliados a estas predisposições, centros de criação e educação se incumbirão da tarefa de criação e de educação, encargo que uma vez era precípua da mãe.

A Senhorita Brian, produto de fecundação “In Vitro”, absorveu muitos traços do meio-ambiente, sobretudo, o das elevadas pretensões da sua mãe, que a todo custo quis ter uma filha vistosa e amorosa, mais do que inteligente e trabalhadora. Criada no ambiente de obsessiva compulsão por um corpo sedutor, fascinante, atlético, curado, sarado e desincumbido, Brian já nem aprendeu a cultivar inquietações em torno de possíveis desconfortos de maternidade. Ficou relegado aos memoriais do passado o desconforto de gestar filhos e as atinentes e duras lidas cotidianas para educá-los.

A realidade, já totalmente outra dos tempos considerados de antanho, lá dos anos de 2010 a 2015, já se encontra imune até de certas cólicas e desconfortos decorrentes da condição feminina, pois, a ingestão de comprimidos causadores de efeitos prazerosos permitirá a coleta dos óvulos que serão levados a centros de genética e ali serão avaliados, aprimorados, e, os melhores, serão instalados em ovos artificiais. Afinal, fazer a evolução humana chegar ao estágio dos ovíparos seria uma regressão a um estado inferior, pois implicariam em algo similar a ter que agüentar a insinuação dos galos a todo instante, a sempre tomar no mesmo lugar e ainda a ter que fazer extraordinário esforço para ejetar os ovos. A lida com os ovos artificiais será o baluarte da vida facilitada pela tecnologia humana.

Toda a emissora de óvulos possuirá o amparo da Lei que lhe dará o direito de escolher o lugar onde guardá-los, já não mais misturados num recipiente congelado, mas em ovos selecionados e enriquecidos que podem ser guardados em qualquer parte. Podem, inclusive, ser levados para casa. Foi o que a Senhorita Brian resolveu fazer com um de seus ovos. Disto, todavia, decorreu um encadeamento novelesco, no ano de 2070.

Tudo começou num ato imprevisto: um “garanhãozinho”, metido em assaltos, invadiu numa segunda-feira de manhã, bem cedo, o luxuoso apartamento da senhorita Brian, quando ela ainda tentava acordar a aurora dos seus olhos para um novo dia, e, como ele estava interessado na apropriação de jóias, encontrou no mesmo cofre, um ovo da senhorita Brian, que ela conservava ali com especiais cuidados, pois desejava vê-lo fecundado pelo galã majestoso, elegante, inteligente, musculoso e amoroso que era Rufo, homem em torno do qual acalentava os mais elevados sonhos na perspectiva de que fosse partilhar sua genética e qualificar ainda mais o fruto do seu ovo de especial primazia.

A audácia do “garanhãozinho”, que inadvertidamente se antecipou na fecundação, proporcionou uma frustração profunda na senhorita Brian e ela, rapidamente, acionou a equipe do Centro de Genética para uma penosa tentativa de evitar o andamento da fecundação. A mobilização intensa da equipe de genética desencadeou um trabalho contra o tempo e conseguiu reverter o quadro da fecundação efetuada pelo “garanhãozinho” e, orgulhosamente, devolver a genuína originalidade do óvulo no ovo da senhorita Brian. Para a grata satisfação da senhorita, o ovo estava ali, íntegro e apto para ser fecundado por uma genética de pedigree mais nobre e mais elevado nos parâmetros da classe “A” masculina. O preço da reversão da fecundidade, embora mais caro do que o esperado devolveu a serenidade à senhorita Brian, pois o Centro Técnico de Genética pelo menos lhe permitiu voltar ao quadro homeostático anterior.

Eufórica com a recuperação do seu ovo predileto, a senhorita Brian resolveu investir na reforma do seu luxuoso apartamento a fim de assegurar mais segurança para sua virtualidade de prole, mantida no ovo. Tudo feito sob medidas de segurança e sob muitos controles eletrônicos poderia finalmente a senhorita Brian voltar à tranqüilidade de acalentar uma aceleração da procura do jovem Rufo, com vistas a lhe apresentar a proposta que imaginava vir a ser prontamente atendida: o majestoso iria fecundar a genética especial do seu ovo.

Quando tudo parecia encaminhar-se para um final feliz, eis que um imprevisto de suspenses e ansiedades toma conta da vida da senhorita Brian. Rufo, o homem dos seus encantos morreu num acidente de vôo supersônico. A tragédia obrigou senhorita Brian a efetuar um doloroso e incerto procedimento para encontrar outro parceiro ideal a fim de fecundar seu ovo. Mais um capítulo de sonhos e de desencantos. Finalmente apareceu um novo e possível parceiro para o projeto do seu ovo. Ele aproximava-se em muitos traços de Rufo e segundo captou de diferentes fontes informativas, chama-se Rid, com feição jovem e porte atlético. A senhorita Brian vai ao seu encontro e leva uma resposta altamente decepcionante: ele declarou queda para outra condição de gênero e não se dignou assumir responsabilidades em função de paternidade de filhos. Mais um capítulo se desencadeia em torno do fracasso, dos conselhos de amigas e da recuperação de forças para voltar a procurar um fecundante para seu ovo.

Antes mesmo de encontrar um presumido fecundante a senhorita Brian viu-as às voltas com outra grave ameaça ao potencial do rebento de sua vida. A empregada ao fazer limpeza, quis tirar o pó das jóias e num descuidado manuseio do ovo da senhorita Brian, deixou-o cair no chão. Agora, sim, tudo parecia ruir de alto a baixo. Ao saber do ocorrido, a senhorita novamente acionou a equipe Técnica de Genética para ver se conseguia restaurar o invólucro do ovo e re-implantar todos os ingredientes necessários para assegurar a integridade do óvulo implantado no ovo. Outro capítulo se desenrola.


Por fim, como os pretendidos bonitões não deram à senhorita Brian a alegria de fecundar seu ovo, ela acabou escolhendo um varredor de rua, homem rústico, um tanto mal ajeitado, mas, positivo, otimista e de bem com a vida. Atendida na solicitação, a senhorita Brian pode finalmente interpretar-se mãe, como as outras, e levou o ovo a uma instituição para ser acompanhado, e depois de romper-se a casca para o nascimento do pretendido filho, vê-lo e deixá-lo sob a guarda a fim de ser tratado e cuidado com todos os requintes de nutrientes para tornar-se  musculoso, forte e dadivoso.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

<center>ERA DIGITAL E DESCARTABILIDADE</center>

    Criativa e super-rápida na inovação, A era digital facilita a vida e a ação, Mas enfraquece relacionamentos, E produz humanos em...