O atual salto estratosférico dos avanços nos múltiplos
campos do conhecimento, aliado às inusitadas tecnologias já disponíveis para levar
uma vida com menos dores, com diminuição de sofrimentos, e, gradualmente, com mais
momentos prazerosos, - certamente bem antes de 2070, - terá extirpado da face
da Terra a necessidade de mulheres terem que suportar profunda alteração do
corpo para gestar durante nove meses e, ainda, se submeter às dores de parto, aos
momentos de amamentação, de banhos e de troca de fraldas, sem falar da perda de
sono para acalmar choros que podem revelar mil intentos do seu querido bebê.
Tudo isso acontecerá pelos efeitos de ovos artificiais, impregnados com todos
os nutrientes devidamente balanceados para uma gestação perfeita e enriquecidos
por alterações no código genético para ampliar a beleza, a imunidade contra
doenças e muni-lo de predisposições atléticas, além de assegurar assepsia,
integridade máxima e o atendimento até mesmo de gostos subjetivos e dimensões da
voga cultural relativa ao corpo perfeito. Aliados a estas predisposições,
centros de criação e educação se incumbirão da tarefa de criação e de educação,
encargo que uma vez era precípua da mãe.
A Senhorita Brian, produto de fecundação “In Vitro”,
absorveu muitos traços do meio-ambiente, sobretudo, o das elevadas pretensões
da sua mãe, que a todo custo quis ter uma filha vistosa e amorosa, mais do que
inteligente e trabalhadora. Criada no ambiente de obsessiva compulsão por um
corpo sedutor, fascinante, atlético, curado, sarado e desincumbido, Brian já
nem aprendeu a cultivar inquietações em torno de possíveis desconfortos de
maternidade. Ficou relegado aos memoriais do passado o desconforto de gestar
filhos e as atinentes e duras lidas cotidianas para educá-los.
A realidade, já totalmente outra dos tempos
considerados de antanho, lá dos anos de 2010 a 2015, já se encontra imune até
de certas cólicas e desconfortos decorrentes da condição feminina, pois, a
ingestão de comprimidos causadores de efeitos prazerosos permitirá a coleta dos
óvulos que serão levados a centros de genética e ali serão avaliados, aprimorados,
e, os melhores, serão instalados em ovos artificiais. Afinal, fazer a evolução
humana chegar ao estágio dos ovíparos seria uma regressão a um estado inferior,
pois implicariam em algo similar a ter que agüentar a insinuação dos galos a
todo instante, a sempre tomar no mesmo lugar e ainda a ter que fazer
extraordinário esforço para ejetar os ovos. A lida com os ovos artificiais será
o baluarte da vida facilitada pela tecnologia humana.
Toda a emissora de óvulos possuirá o amparo da Lei que
lhe dará o direito de escolher o lugar onde guardá-los, já não mais misturados
num recipiente congelado, mas em ovos selecionados e enriquecidos que podem ser
guardados em qualquer parte. Podem, inclusive, ser levados para casa. Foi o que
a Senhorita Brian resolveu fazer com um de seus ovos. Disto, todavia, decorreu
um encadeamento novelesco, no ano de 2070.
Tudo começou num ato imprevisto: um “garanhãozinho”,
metido em assaltos, invadiu numa segunda-feira de manhã, bem cedo, o luxuoso
apartamento da senhorita Brian, quando ela ainda tentava acordar a aurora dos
seus olhos para um novo dia, e, como ele estava interessado na apropriação de
jóias, encontrou no mesmo cofre, um ovo da senhorita Brian, que ela conservava
ali com especiais cuidados, pois desejava vê-lo fecundado pelo galã majestoso, elegante,
inteligente, musculoso e amoroso que era Rufo, homem em torno do qual
acalentava os mais elevados sonhos na perspectiva de que fosse partilhar sua
genética e qualificar ainda mais o fruto do seu ovo de especial primazia.
A audácia do “garanhãozinho”, que inadvertidamente se
antecipou na fecundação, proporcionou uma frustração profunda na senhorita
Brian e ela, rapidamente, acionou a equipe do Centro de Genética para uma
penosa tentativa de evitar o andamento da fecundação. A mobilização intensa da
equipe de genética desencadeou um trabalho contra o tempo e conseguiu reverter o
quadro da fecundação efetuada pelo “garanhãozinho” e, orgulhosamente, devolver a
genuína originalidade do óvulo no ovo da senhorita Brian. Para a grata
satisfação da senhorita, o ovo estava ali, íntegro e apto para ser fecundado
por uma genética de pedigree mais nobre e mais elevado nos parâmetros da classe
“A” masculina. O preço da reversão da fecundidade, embora mais caro do que o esperado
devolveu a serenidade à senhorita Brian, pois o Centro Técnico de Genética pelo
menos lhe permitiu voltar ao quadro homeostático anterior.
Eufórica com a recuperação do seu ovo predileto, a
senhorita Brian resolveu investir na reforma do seu luxuoso apartamento a fim
de assegurar mais segurança para sua virtualidade de prole, mantida no ovo.
Tudo feito sob medidas de segurança e sob muitos controles eletrônicos poderia
finalmente a senhorita Brian voltar à tranqüilidade de acalentar uma aceleração
da procura do jovem Rufo, com vistas a lhe apresentar a proposta que imaginava
vir a ser prontamente atendida: o majestoso iria fecundar a genética especial
do seu ovo.
Quando tudo parecia encaminhar-se para um final feliz,
eis que um imprevisto de suspenses e ansiedades toma conta da vida da senhorita
Brian. Rufo, o homem dos seus encantos morreu num acidente de vôo supersônico. A
tragédia obrigou senhorita Brian a efetuar um doloroso e incerto procedimento
para encontrar outro parceiro ideal a fim de fecundar seu ovo. Mais um capítulo
de sonhos e de desencantos. Finalmente apareceu um novo e possível parceiro
para o projeto do seu ovo. Ele aproximava-se em muitos traços de Rufo e segundo
captou de diferentes fontes informativas, chama-se Rid, com feição jovem e porte
atlético. A senhorita Brian vai ao seu encontro e leva uma resposta altamente
decepcionante: ele declarou queda para outra condição de gênero e não se dignou
assumir responsabilidades em função de paternidade de filhos. Mais um capítulo
se desencadeia em torno do fracasso, dos conselhos de amigas e da recuperação
de forças para voltar a procurar um fecundante para seu ovo.
Antes mesmo de encontrar um presumido fecundante a
senhorita Brian viu-as às voltas com outra grave ameaça ao potencial do rebento
de sua vida. A empregada ao fazer limpeza, quis tirar o pó das jóias e num
descuidado manuseio do ovo da senhorita Brian, deixou-o cair no chão. Agora,
sim, tudo parecia ruir de alto a baixo. Ao saber do ocorrido, a senhorita
novamente acionou a equipe Técnica de Genética para ver se conseguia restaurar
o invólucro do ovo e re-implantar todos os ingredientes necessários para
assegurar a integridade do óvulo implantado no ovo. Outro capítulo se desenrola.
Por fim, como os pretendidos bonitões não deram à senhorita
Brian a alegria de fecundar seu ovo, ela acabou escolhendo um varredor de rua,
homem rústico, um tanto mal ajeitado, mas, positivo, otimista e de bem com a
vida. Atendida na solicitação, a senhorita Brian pode finalmente interpretar-se
mãe, como as outras, e levou o ovo a uma instituição para ser acompanhado, e
depois de romper-se a casca para o nascimento do pretendido filho, vê-lo e
deixá-lo sob a guarda a fim de ser tratado e cuidado com todos os requintes de
nutrientes para tornar-se musculoso,
forte e dadivoso.
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