segunda-feira, 23 de setembro de 2013

O GAUDÉRIO DE PASSO FUNDO

João Inácio Kolling

Se o conhecidíssimo cantor gauchesco Teixerinha teve o mérito de promover e tornar a cidade de Passo Fundo conhecida em todo país, através do canto que, um tanto maldosamente conhecido como “mi priguntaram si sou gaúcho”, elevou também a autoestima dos traços culturais típicos daquela simpática cidade. Por esta influência, e talvez por outras razões, era comum que os pais se referissem aos seus filhos, chamando-os de gaudérios. Significava imponência, coragem, virilidade, enfrentamento e, acima de tudo, sujeito muito macho.

Pedro Dantas começou a chamar seu primogênito de gaudério desde o dia do nascimento. Possivelmente projetava, no menino, o gaúcho valente e destemido que pretendia ser. Pedro era um daqueles gaúchos, que, na identidade das vestes e dos aparatos típicos de gaúcho, se sentia importante e elevado na auto-estima. Mesmo sem cavalo, sem fazenda e sem gado, por onde andasse, sempre ia de botas, bombachas, lenço vermelho no pescoço e um chapéu de beijar santo de parede.

Quem visse Pedro certamente pensaria que se tratasse de um gaúcho daqueles de guaiaca forrada de muito dinheiro. Ledo engano. Era um pobre funcionário de Frigorífico. Seu menino, super mimado, e, sendo cotidianamente chamado de gaudério, aprendeu cedo a valer-se do título para fazer todo tipo de estripulia. Quando alguém ia à casa de Pedro, o tema central da conversa impreterivelmente acabava girando em torno das travessuras e traquinagens que o menino aprontava. Ao ouvir cotidianamente estes elogios, o menino também constatou que na medida em que aprontava suas maluquices, se tornava mais importante diante dos pais e assegurava a centralidade das conversas com os visitantes.

Mal estava desmamado o menino e já andava passando, a todo instante, as mãos na área genital, imitando seu pai e, presumidamente, dando a entender que era macho daqueles bem respeitados. Antes mesmo de poder ostentar algum surgimento de fiapos de bigode, este menino, gordo, parrudo e comilão, se impunha no ambiente da meninada como machão.

Num belo dia apareceu um mágico na cidade e foi anunciado pelo rádio que faria uma série de apresentações mágicas. Tratava-se de um argentino realmente prendado para esta área de artes e seu sotaque espanhol e, um pouco aportuguesado, ajudava a criar um clima especial para os suspenses que despertava com seus truques. Uma platéia enorme ria e se divertia de forma efusiva e extasiante.

Repentinamente o mágico pediu para fazer um truque com o menino mais macho da cidade. Mais de trinta saltaram rapidamente sobre o palco. Com muita gozação e jeito, o mágico foi efetuando uma eliminatória, pois, não queria qualquer macho, mas o macho da cidade. O menino do Pedro Dantas acabou sendo o selecionado. Sentiu-se o máximo diante do auditório lotado. O mágico soube explorar, com aguda sensibilidade, o honroso título e lhe falou que iria fazer sumir uma dúzia de ovos de forma misteriosa. O menino, já mais sério e atento, ficou com o olhar fixo sobre a caixinha de ovos. O mágico retirou-os um por um e, depois de poucos e rápidos gestos, estes ovos tinham desaparecido. Encenou, então, uma busca destes fragmentos galináceos. Mexeu em caixas e pessoas e ninguém visualizou onde poderiam estar estes ditos ovos. Subitamente o mágico levantou a suspeita de que os ovos deveriam estar com o menino. Este todo metido a valente assegurou, e com toda pompa, que não estava com os ditos ovos. O mágico continuou insistindo e, de repente, falou que iria pelo menos revistá-lo. Passou a mão nas costas e sobre o peito sem indícios relativos aos ovos.

Diante do suspense, o mágico olhou para a platéia, e numa aparente preocupação pelo sumiço dos ovos, disse que teria que verificar as partes baixas do menino. Passou a mão no ganchinho do zíper e abriu a braguilha da calça e foi puxando um ovo após outro. O delírio da platéia foi tão intenso que o dito gaudério, estático, embasbacado com a cena, num frêmito de fuga, saltou para o lado do palco e com mais um pulo sumiu através da janela. O tombo de mais de dois metros o tornou leve como um gato e rápido como a serelepe para cruzar a praça e desaparecer no rumo da casa dos pais.


O episódio prestou-se para dois importantes benefícios na vida deste gaudério: o gaudério macho para mais de metro, virou um menino acuado e discreto e nunca mais foi visto a passar acintosa e ostensivamente as mãos nos bagos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

<center>ERA DIGITAL E DESCARTABILIDADE</center>

    Criativa e super-rápida na inovação, A era digital facilita a vida e a ação, Mas enfraquece relacionamentos, E produz humanos em...