João Inácio Kolling
Se o conhecidíssimo cantor gauchesco Teixerinha teve o mérito
de promover e tornar a cidade de Passo Fundo conhecida em todo país, através do
canto que, um tanto maldosamente conhecido como “mi priguntaram si sou gaúcho”,
elevou também a autoestima dos traços culturais típicos daquela simpática
cidade. Por esta influência, e talvez por outras razões, era comum que os pais
se referissem aos seus filhos, chamando-os de gaudérios. Significava
imponência, coragem, virilidade, enfrentamento e, acima de tudo, sujeito muito
macho.
Pedro Dantas começou a chamar seu primogênito de gaudério
desde o dia do nascimento. Possivelmente projetava, no menino, o gaúcho valente
e destemido que pretendia ser. Pedro era um daqueles gaúchos, que, na
identidade das vestes e dos aparatos típicos de gaúcho, se sentia importante e
elevado na auto-estima. Mesmo sem cavalo, sem fazenda e sem gado, por onde
andasse, sempre ia de botas, bombachas, lenço vermelho no pescoço e um chapéu
de beijar santo de parede.
Quem visse Pedro certamente pensaria que se tratasse de um
gaúcho daqueles de guaiaca forrada de muito dinheiro. Ledo engano. Era um pobre
funcionário de Frigorífico. Seu menino, super mimado, e, sendo cotidianamente
chamado de gaudério, aprendeu cedo a valer-se do título para fazer todo tipo de
estripulia. Quando alguém ia à casa de Pedro, o tema central da conversa
impreterivelmente acabava girando em torno das travessuras e traquinagens que o
menino aprontava. Ao ouvir cotidianamente estes elogios, o menino também
constatou que na medida em que aprontava suas maluquices, se tornava mais
importante diante dos pais e assegurava a centralidade das conversas com os
visitantes.
Mal estava desmamado o menino e já andava passando, a todo
instante, as mãos na área genital, imitando seu pai e, presumidamente, dando a
entender que era macho daqueles bem respeitados. Antes mesmo de poder ostentar
algum surgimento de fiapos de bigode, este menino, gordo, parrudo e comilão, se
impunha no ambiente da meninada como machão.
Num belo dia apareceu um mágico na cidade e foi anunciado
pelo rádio que faria uma série de apresentações mágicas. Tratava-se de um
argentino realmente prendado para esta área de artes e seu sotaque espanhol e,
um pouco aportuguesado, ajudava a criar um clima especial para os suspenses que
despertava com seus truques. Uma platéia enorme ria e se divertia de forma
efusiva e extasiante.
Repentinamente o mágico pediu para fazer um truque com o
menino mais macho da cidade. Mais de trinta saltaram rapidamente sobre o palco.
Com muita gozação e jeito, o mágico foi efetuando uma eliminatória, pois, não
queria qualquer macho, mas o macho da cidade. O menino do Pedro Dantas acabou
sendo o selecionado. Sentiu-se o máximo diante do auditório lotado. O mágico
soube explorar, com aguda sensibilidade, o honroso título e lhe falou que iria
fazer sumir uma dúzia de ovos de forma misteriosa. O menino, já mais sério e
atento, ficou com o olhar fixo sobre a caixinha de ovos. O mágico retirou-os um
por um e, depois de poucos e rápidos gestos, estes ovos tinham desaparecido.
Encenou, então, uma busca destes fragmentos galináceos. Mexeu em caixas e
pessoas e ninguém visualizou onde poderiam estar estes ditos ovos. Subitamente o
mágico levantou a suspeita de que os ovos deveriam estar com o menino. Este
todo metido a valente assegurou, e com toda pompa, que não estava com os ditos
ovos. O mágico continuou insistindo e, de repente, falou que iria pelo menos
revistá-lo. Passou a mão nas costas e sobre o peito sem indícios relativos aos
ovos.
Diante do suspense, o mágico olhou para a platéia, e numa
aparente preocupação pelo sumiço dos ovos, disse que teria que verificar as
partes baixas do menino. Passou a mão no ganchinho do zíper e abriu a braguilha
da calça e foi puxando um ovo após outro. O delírio da platéia foi tão intenso que
o dito gaudério, estático, embasbacado com a cena, num frêmito de fuga, saltou para
o lado do palco e com mais um pulo sumiu através da janela. O tombo de mais de
dois metros o tornou leve como um gato e rápido como a serelepe para cruzar a
praça e desaparecer no rumo da casa dos pais.
O episódio prestou-se para dois importantes benefícios na
vida deste gaudério: o gaudério macho para mais de metro, virou um menino
acuado e discreto e nunca mais foi visto a passar acintosa e ostensivamente as
mãos nos bagos.
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