quarta-feira, 17 de setembro de 2025

SOB O SACO DO REQUEIJÃO

 

 

O saco do requeijão requer uma hermenêutica complicada para que se possa entender o seu significado. A dificuldade envolve as duas palavras, devido à polissemia dos seus significados. Além das conotações, envolvem metalinguagens, e ainda, alguns sentidos de entrelinhas não escritas, ou seja, não é sempre bem aquilo que se diz com a palavra.

Começando pela palavra “saco”, o seu significado requer uma enciclopédia mental para constatar o que a utilização da palavra realmente quis expressar e, ainda mais: as palavras acrescidas, complicam com, elevados graus, a clareza do significado, como “saco cheio” ou “saco vazio”; saco, em sentido figurado ou conotativo; saco, como estado afetivo-emocional; saco, limpo ou sujo; saco plástico ou de couro; saco de pano ou de lona; saco “beg” ou saquinho de sal; saco, furado ou bem costurado; e assim vai...

Na fala com entrelinhas, fala-se em cair o saco, em saco da mulher, em puxa-saco, em dizer que algo é um saco; em saco cheio e, em muito outro enleio. Assim, ao se dizer que Fulano está coçando o saco, podia a expressão significar que está ansioso, numa expectativa, que está com tédio, sem saber o que fazer, ou até por fatores de hábito cultural, para dar a entender que queria ser visto como sujeito muito macho, barbaridade tchê!

A toda hora, nem apelação ao VAR conseguia clarear o significado de “cair o saco”: em primeiro lugar, qual; depois, porquê?; e, ainda, de onde que caiu. Afinal, era um saco de garupa, como dizem os gaúchos? E se foi saco de garupa, era de lona, de pano ou de couro? Ademais, estava sobre o cavalo encilhado, ou nos ombros do vivente, carregando algum produto para casa? Ou seria, enfim, algum processo fisiológico do peso dos fragmentos seminais de homem chato e impertinente?

Entretanto, o que mais requeria hermenêuticas, era a expressão “saco cheio”, que podia ser referência de metáfora para expressar saturação e sobrecarga de atividades desgastantes, ou, apenas referir-se a saco de milho, de café, de soja, ou de feijão, ou de açúcar, embora, também pudesse estar no foco, algum outro sentido figurado ou simbólico.

Para que este assunto também não vire um saco, convém mencionar a palavra “requeijão”. Basicamente resulta do leite coagulado, ou por coagulação ácida ou enzimática. Desta massa, chamada de coalhada, processa-se o queijo fundido, - cozido ou não, - mas, acrescido de grande variedade de aditivos, como gorduras saturadas, óleo de manteiga, sódio, e, mais alguns produtos que, finalmente, o deixam irresistível: a condição de ser cremoso.

Se é cremoso, produz na fantasia, aquela magia de algo suave e pastoso, e, com isso, remete a outro significado: ser carinhoso, fofo, meloso e muito gostoso. Em sua essência, a palavra “cremoso”, remete a significados polissêmicos do campo da paixão humana: a propriedade de ser viscoso, pastoso, liso, fácil e substancioso.

Feito este preâmbulo, pode-se, então, chegar a mais um significado de “saco de requeijão”. Enquanto que na cultura de influência italiana, era normal o consumo de muito queijo, com polenta, salame, “radiche” e tantas outras iguarias apreciáveis, entre os descendentes alemães, demorou a se assimilar o consumo de queijo, mas, era cotidiano o uso de requeijão. Com técnica menos refinada do que o das atuais indústrias de laticínios, deixava-se o leite numa vasilha aberta e exposta em algum lugar, a fim de que virasse coalhada. Entrava, então, o outro elemento: o saco.

Na verdade, era habitual a utilização dos sacos de sal, que continham cerca de vinte quilos deste produto. Ao serem esvaziados, estes sacos eram lavados e alvejados, e, então, passavam a ter a função de separar o soro da coalhada. Geralmente pendurados no lado da janela da cozinha, para fácil acesso, quando o soro havia se sumido do saco, a massa era recolhida, amassada com garfo, acrescida de nata e sal e constituía, assim, o requeijão. Este, era passado no pão de milho: primeiro vinha uma camada de “Schmier” (doce de frutas com melado de cana ou açúcar), depois, a camada de requeijão e, por cima desta camada, mais um pouco de nata para que esta cobertura, como o merengue das tortas, deixasse a fatia de pão bonita e atraente.

Atualmente as indústrias de laticínios fabricam algo similar ao requeijão, como o Quaker ou queijo frescal e nata, mas, nenhum destes produtos, isolados ou misturados, chega ao sabor do requeijão caseiro, junto com pão de milho. No lugar da cremosidade, pastosidade, suavidade, lisura, e frescura do requeijão atual, o requeijão caseiro ainda não tinha absorvido a dimensão carinhosa, melosa e com jeito gostoso.

Segundo a hermenêutica de um amigo, a cremosidade estaria sendo a grande causa dos desvios de conduta e da perda da identidade de masculino e feminino. Talvez não seja, mas, a palavra cremosa é altamente hipnótica para induzir ao consumo. Afirmar que um sorvete é cremoso, que um picolé é super-cremoso, que o requeijão e tanto outro produto, como o café, é macio e cremoso, constitui a mais efetiva e sedutora publicidade para seu consumo.

Aquele saquinho, que uma vez era para conter o sal, na qualidade de filtro separador do soro do leite da coalhada, não ficava muito ausente das conversas cotidianas mais antigas em ambientes de descendência alemã: muito complicado para ser lavado, devido à absorção da gordura do leite, constituía o símbolo do cheiro azedo do soro, e do mau-humor. Nada ficava mais hilário quando alguém contava a história de mulher que tinha batido este saco de requeijão na cabeça do marido. Era sua arma e o símbolo máximo do empoderamento da mulher, diante do marido machão ou bêbado.

Alguém vir a ser gozado de que levou o saco de requeijão na orelha, constituía a mesma coisa do que lhe dizer: enfim, caiu o saco! Você, agora, está com a natureza máscula escafedida.

 

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