O saco do requeijão requer uma
hermenêutica complicada para que se possa entender o seu significado. A
dificuldade envolve as duas palavras, devido à polissemia dos seus
significados. Além das conotações, envolvem metalinguagens, e ainda, alguns
sentidos de entrelinhas não escritas, ou seja, não é sempre bem aquilo que se
diz com a palavra.
Começando pela palavra “saco”, o seu
significado requer uma enciclopédia mental para constatar o que a utilização da
palavra realmente quis expressar e, ainda mais: as palavras acrescidas,
complicam com, elevados graus, a clareza do significado, como “saco cheio” ou
“saco vazio”; saco, em sentido figurado ou conotativo; saco, como estado
afetivo-emocional; saco, limpo ou sujo; saco plástico ou de couro; saco de pano
ou de lona; saco “beg” ou saquinho de sal; saco, furado ou bem costurado; e
assim vai...
Na fala com entrelinhas, fala-se em
cair o saco, em saco da mulher, em puxa-saco, em dizer que algo é um saco; em
saco cheio e, em muito outro enleio. Assim, ao se dizer que Fulano está coçando
o saco, podia a expressão significar que está ansioso, numa expectativa, que
está com tédio, sem saber o que fazer, ou até por fatores de hábito cultural,
para dar a entender que queria ser visto como sujeito muito macho, barbaridade
tchê!
A toda hora, nem apelação ao VAR
conseguia clarear o significado de “cair o saco”: em primeiro lugar, qual;
depois, porquê?; e, ainda, de onde que caiu. Afinal, era um saco de garupa,
como dizem os gaúchos? E se foi saco de garupa, era de lona, de pano ou de
couro? Ademais, estava sobre o cavalo encilhado, ou nos ombros do vivente,
carregando algum produto para casa? Ou seria, enfim, algum processo fisiológico
do peso dos fragmentos seminais de homem chato e impertinente?
Entretanto, o que mais requeria
hermenêuticas, era a expressão “saco cheio”, que podia ser referência de
metáfora para expressar saturação e sobrecarga de atividades desgastantes, ou,
apenas referir-se a saco de milho, de café, de soja, ou de feijão, ou de açúcar,
embora, também pudesse estar no foco, algum outro sentido figurado ou
simbólico.
Para que este assunto também não vire
um saco, convém mencionar a palavra “requeijão”. Basicamente resulta do leite
coagulado, ou por coagulação ácida ou enzimática. Desta massa, chamada de
coalhada, processa-se o queijo fundido, - cozido ou não, - mas, acrescido de
grande variedade de aditivos, como gorduras saturadas, óleo de manteiga, sódio,
e, mais alguns produtos que, finalmente, o deixam irresistível: a condição de ser
cremoso.
Se é cremoso, produz na fantasia,
aquela magia de algo suave e pastoso, e, com isso, remete a outro significado:
ser carinhoso, fofo, meloso e muito gostoso. Em sua essência, a palavra
“cremoso”, remete a significados polissêmicos do campo da paixão humana: a
propriedade de ser viscoso, pastoso, liso, fácil e substancioso.
Feito este preâmbulo, pode-se, então,
chegar a mais um significado de “saco de requeijão”. Enquanto que na cultura de
influência italiana, era normal o consumo de muito queijo, com polenta, salame,
“radiche” e tantas outras iguarias apreciáveis, entre os descendentes alemães,
demorou a se assimilar o consumo de queijo, mas, era cotidiano o uso de
requeijão. Com técnica menos refinada do que o das atuais indústrias de laticínios,
deixava-se o leite numa vasilha aberta e exposta em algum lugar, a fim de que
virasse coalhada. Entrava, então, o outro elemento: o saco.
Na verdade, era habitual a utilização
dos sacos de sal, que continham cerca de vinte quilos deste produto. Ao serem
esvaziados, estes sacos eram lavados e alvejados, e, então, passavam a ter a
função de separar o soro da coalhada. Geralmente pendurados no lado da janela
da cozinha, para fácil acesso, quando o soro havia se sumido do saco, a massa
era recolhida, amassada com garfo, acrescida de nata e sal e constituía, assim,
o requeijão. Este, era passado no pão de milho: primeiro vinha uma camada de
“Schmier” (doce de frutas com melado de cana ou açúcar), depois, a camada de
requeijão e, por cima desta camada, mais um pouco de nata para que esta
cobertura, como o merengue das tortas, deixasse a fatia de pão bonita e
atraente.
Atualmente as indústrias de
laticínios fabricam algo similar ao requeijão, como o Quaker ou queijo frescal
e nata, mas, nenhum destes produtos, isolados ou misturados, chega ao sabor do
requeijão caseiro, junto com pão de milho. No lugar da cremosidade,
pastosidade, suavidade, lisura, e frescura do requeijão atual, o requeijão
caseiro ainda não tinha absorvido a dimensão carinhosa, melosa e com jeito
gostoso.
Segundo a hermenêutica de um amigo, a
cremosidade estaria sendo a grande causa dos desvios de conduta e da perda da
identidade de masculino e feminino. Talvez não seja, mas, a palavra cremosa é
altamente hipnótica para induzir ao consumo. Afirmar que um sorvete é cremoso,
que um picolé é super-cremoso, que o requeijão e tanto outro produto, como o
café, é macio e cremoso, constitui a mais efetiva e sedutora publicidade para
seu consumo.
Aquele saquinho, que uma vez era para
conter o sal, na qualidade de filtro separador do soro do leite da coalhada,
não ficava muito ausente das conversas cotidianas mais antigas em ambientes de
descendência alemã: muito complicado para ser lavado, devido à absorção da
gordura do leite, constituía o símbolo do cheiro azedo do soro, e do mau-humor.
Nada ficava mais hilário quando alguém contava a história de mulher que tinha
batido este saco de requeijão na cabeça do marido. Era sua arma e o símbolo
máximo do empoderamento da mulher, diante do marido machão ou bêbado.
Alguém vir a ser gozado de que levou
o saco de requeijão na orelha, constituía a mesma coisa do que lhe dizer:
enfim, caiu o saco! Você, agora, está com a natureza máscula escafedida.
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