terça-feira, 3 de junho de 2025

O PODER DA PINGA

 

 

            O senhor Antônio Mesadre e sua esposa Judite moravam na beira da estrada de chão que ia de Catuípe, RS, ao primeiro distrito de Colônia das Almas. Como era comum, para quem não conseguia comprar área de terra ou um lote urbano, o casal se estabeleceu na faixa de reserva da estrada. O rancho de chão batido era contornado por algumas árvores de sombra que se emendavam a uma área de capoeira, na beira de um penhasco.

            Com o passar dos anos, o rancho teve que receber umas emendas de aumento porque a filharada foi aumentando e crescendo. Como seu Mesadre era diarista, não sobrava muito dinheiro para comprar tábuas bonitas e bem aplainadas. Valia-se de costaneiras que podia ajuntar à vontade nas serrarias.

Quando já estavam com onze filhos, ocorreu um imprevisto. A filha mais velha começou a dar sinais de que estava grávida. Seu Mesadre, não se conformava com a ocorrência e começou a compensar-se na cachaça. Quando andava bem turbinado, falava para todo mundo que sua filha era uma cadela que estava esperando cria.

Um dia, bem embalado pela pinga, ao invés de ir para o serviço, foi para a cidade, com seu enorme facão três listras. Andava pela avenida principal, caía, levantava, e batia o facão contra poste de luz, contra os muros e grades de ferro, e gritava a mesmas palavras: eu mato este filho da p (***)!

Como ninguém sabia quem era este sujeito, e, com medo de que entrasse nas casas ou lojas, alguém ligou para a polícia. Rapidamente veio a viatura com quatro policiais: saíram, e logo cada um ocupou suas duas mãos: uma, para segurar o cassetete e a outra para fazer um mimo com afagos no revólver pendurado na cintura. Com muito cuidado, rodearam o Mesadre; e o comandante o indagou:

- Quem é o cidadão que você está querendo matar?

Respondeu o Mesadre:

- Aquele filho da p (***) que fez “catatá” na minha filha!

Entendida a razão das batidas de facão para todo lado, os policiais recolheram o dito facão, e como o Mesadre estava altamente embriagado, sequer o levaram preso. Na verdade, conheciam bem seu Antônio Mesadre. Sem a cachaça, era homem simples, honesto e muito trabalhador.

Alguns dias depois, quando já estava curado do porre, já tomando o chimarrão da tardezinha na frente do rancho, veio um carro e parou ali. Saíram duas mulheres e um homem e vieram até o pátio do rancho. Informaram que estavam fazendo o recenseamento. Seu Mesadre e a esposa Judite arrumaram uns cepos para que se sentassem e depois de diversas questões preenchidas, veio a pergunta sobre o número de filhos.

Seu Mesadre falou que eram onze; e debulhou o nome dos onze; e já soltou um grito para que todos viessem para junto dos visitantes. Eles contaram os presentes e uma das senhoras falou: mas são só dez filhos!

Seu Mesadre, logo respondeu:

- É, falta a cadela, a mais velha, a Raimunda! Quando viu vocês chegar, fugiu para o mato.

Como tudo começou a piorar na vida do seu Mesadre, semanas depois, teve a triste notícia de que um de seus filhos, com 9 anos, estava com leucemia. Tal fato deu motivo para uma novena de porres de intensas romarias ao bar.

A Secretaria da Saúde fez os procedimentos para que o menino fosse levado a Porto Alegre e ser submetido a sessões de quimioterapia, no hospital Santa Casa. Como o menino era menor, seu Mesadre foi junto. Chegando lá, teve que informar alguns dados para a ficha de entrada. A atendente pediu:

- É solteiro ou casado?

Ele respondeu num jeito bem convencido: que nada! Eu sou casado com a Judite!

- A atendente também pediu sobre o número de filhos. Ele disse que eram onze, mas, só citou dez. Ela perguntou sobre a décima primeira:

- Ah! Sim: esqueci a cadela!

- Uai, respondeu ela: você conta cadela como filha?

- Que nada, respondeu ele: é a Raimunda, a mais velha, que está barriguda porque um cara fez “catatá” nela.

Apesar do desempenho médico, o menino veio a falecer depois de algumas aplicações de quimioterapia. Seu Mesadre, ao saber do ocorrido não conseguia conformar-se com a morte do filho. Quando trouxeram o corpo de Porto Alegre, para o velório, o velho não parava de chorar compulsivamente. Para tentar acalmá-lo, os amigos começaram a dar-lhe alguns goles de pinga. Aos poucos, ele foi se acalmando e pedindo mais e sempre mais, até que o dito velório triste acabou numa festança com muita cachaça. A uma certa altura da noite, com todos os amigos presentes em elevado grau de embriagues, deixaram o menino morto sozinho no caixão e dançavam no lado da capoeira e pisotearam um eito de arbustos mais baixos com as danças.

Sob o comando da pinga, o seu Mesadre nem mais se abalou com as orações fúnebres e o enterro do menino. Dois dias depois, ele foi para a cidade, a fim de ajeitar a papelada relativa à morte do filho e, perto do cartório, encontrou seu irmão Jorge.

- Meu “ermão” Jorge! Disse Mesadre: anteontem tivemos uma farra muito bonita. Pena que você não estava presente.

- Mas o que aconteceu, perguntou o Jorge!

- Ué, falou o Mesadre, você não ficou sabendo que morreu meu filho Marquinhos. Foi uma farra e chegamos a tomar seis garrafões de cachaça.

- Oh! Que pena ter perdido esta festa, mas, faz o seguinte: quando morrer outro, pelo menos me avise, para que eu não perca a chance de tomar uma pinga gostosa de graça.

 

 

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