O senhor
Antônio Mesadre e sua esposa Judite moravam na beira da estrada de chão que ia
de Catuípe, RS, ao primeiro distrito de Colônia das Almas. Como era comum, para
quem não conseguia comprar área de terra ou um lote urbano, o casal se
estabeleceu na faixa de reserva da estrada. O rancho de chão batido era
contornado por algumas árvores de sombra que se emendavam a uma área de
capoeira, na beira de um penhasco.
Com o passar
dos anos, o rancho teve que receber umas emendas de aumento porque a filharada
foi aumentando e crescendo. Como seu Mesadre era diarista, não sobrava muito
dinheiro para comprar tábuas bonitas e bem aplainadas. Valia-se de costaneiras
que podia ajuntar à vontade nas serrarias.
Quando já estavam com onze filhos,
ocorreu um imprevisto. A filha mais velha começou a dar sinais de que estava
grávida. Seu Mesadre, não se conformava com a ocorrência e começou a compensar-se na
cachaça. Quando andava bem turbinado, falava para todo mundo que sua filha era
uma cadela que estava esperando cria.
Um dia, bem embalado pela pinga, ao
invés de ir para o serviço, foi para a cidade, com seu enorme facão três
listras. Andava pela avenida principal, caía, levantava, e batia o facão contra
poste de luz, contra os muros e grades de ferro, e gritava a mesmas palavras:
eu mato este filho da p (***)!
Como ninguém sabia quem era este
sujeito, e, com medo de que entrasse nas casas ou lojas, alguém ligou para a
polícia. Rapidamente veio a viatura com quatro policiais: saíram, e logo cada
um ocupou suas duas mãos: uma, para segurar o cassetete e a outra para fazer um
mimo com afagos no revólver pendurado na cintura. Com muito cuidado, rodearam o
Mesadre; e o comandante o indagou:
- Quem é o cidadão que você está
querendo matar?
Respondeu o Mesadre:
- Aquele filho da p (***) que fez
“catatá” na minha filha!
Entendida a razão das batidas de
facão para todo lado, os policiais recolheram o dito facão, e como o Mesadre
estava altamente embriagado, sequer o levaram preso. Na verdade, conheciam bem
seu Antônio Mesadre. Sem a cachaça, era homem simples, honesto e muito
trabalhador.
Alguns dias depois, quando já estava
curado do porre, já tomando o chimarrão da tardezinha na frente do rancho, veio
um carro e parou ali. Saíram duas mulheres e um homem e vieram até o pátio do
rancho. Informaram que estavam fazendo o recenseamento. Seu Mesadre e a esposa
Judite arrumaram uns cepos para que se sentassem e depois de diversas questões
preenchidas, veio a pergunta sobre o número de filhos.
Seu Mesadre falou que eram onze; e
debulhou o nome dos onze; e já soltou um grito para que todos viessem para
junto dos visitantes. Eles contaram os presentes e uma das senhoras falou: mas
são só dez filhos!
Seu Mesadre, logo respondeu:
- É, falta a cadela, a mais velha, a
Raimunda! Quando viu vocês chegar, fugiu para o mato.
Como tudo começou a piorar na vida do
seu Mesadre, semanas depois, teve a triste notícia de que um de seus filhos,
com 9 anos, estava com leucemia. Tal fato deu motivo para uma novena de porres
de intensas romarias ao bar.
A Secretaria da Saúde fez os
procedimentos para que o menino fosse levado a Porto Alegre e ser submetido a sessões
de quimioterapia, no hospital Santa Casa. Como o menino era menor, seu Mesadre
foi junto. Chegando lá, teve que informar alguns dados para a ficha de entrada.
A atendente pediu:
- É solteiro ou casado?
Ele respondeu num jeito bem
convencido: que nada! Eu sou casado com a Judite!
- A atendente também pediu sobre o
número de filhos. Ele disse que eram onze, mas, só citou dez. Ela perguntou sobre
a décima primeira:
- Ah! Sim: esqueci a cadela!
- Uai, respondeu ela: você conta
cadela como filha?
- Que nada, respondeu ele: é a
Raimunda, a mais velha, que está barriguda porque um cara fez “catatá” nela.
Apesar do desempenho médico, o menino
veio a falecer depois de algumas aplicações de quimioterapia. Seu Mesadre, ao saber
do ocorrido não conseguia conformar-se com a morte do filho. Quando trouxeram o
corpo de Porto Alegre, para o velório, o velho não parava de chorar
compulsivamente. Para tentar acalmá-lo, os amigos começaram a dar-lhe alguns
goles de pinga. Aos poucos, ele foi se acalmando e pedindo mais e sempre mais,
até que o dito velório triste acabou numa festança com muita cachaça. A uma
certa altura da noite, com todos os amigos presentes em elevado grau de embriagues,
deixaram o menino morto sozinho no caixão e dançavam no lado da capoeira e
pisotearam um eito de arbustos mais baixos com as danças.
Sob o comando da pinga, o seu Mesadre
nem mais se abalou com as orações fúnebres e o enterro do menino. Dois dias
depois, ele foi para a cidade, a fim de ajeitar a papelada relativa à morte do
filho e, perto do cartório, encontrou seu irmão Jorge.
- Meu “ermão” Jorge! Disse Mesadre:
anteontem tivemos uma farra muito bonita. Pena que você não estava presente.
- Mas o que aconteceu, perguntou o
Jorge!
- Ué, falou o Mesadre, você não ficou
sabendo que morreu meu filho Marquinhos. Foi uma farra e chegamos a tomar seis
garrafões de cachaça.
- Oh! Que pena ter perdido esta
festa, mas, faz o seguinte: quando morrer outro, pelo menos me avise, para que
eu não perca a chance de tomar uma pinga gostosa de graça.