O primeiro
testamento da Bíblia enfatizou muito o lugar alto da montanha como lugar da
experiência de Deus. A síntese revelou que, nestes lugares especiais, Deus se
tornou mais perceptível e próximo. E o ícone deste bom encontro acabou
assimilado com sendo Moisés. Subiu ao monte e ali fez uma experiência
hierofânica, isto é, sentiu como nunca antes tinha sentido, a bondade de Deus
que o convocava para agir positivamente na libertação do povo. Das regras
ético-religiosas decorrentes desta experiência, o alto da montanha também
serviu para promulgá-las e firmá-las como um contrato para a boa relação com
Deus.
A novidade
de Cristo, vista sob esta moldura religiosa, levou o evangelista Mateus
(5,1-12) a descrever que a presença de Jesus no alto da montanha, manifestou um
legado muito mais amplo e vital do que do que os dez mandamentos. O público de
Jesus era totalmente distinto do público de Moisés. Do povo escravizado que
desejava liberdade, os interlocutores de Jesus Cristo eram ex-proprietários de
terras e espoliados de seus bens pelo império romano. Jesus encontrou uma
multidão de pobres que haviam sido injustiçados.
No lugar da
exigência de regras a serem rigorosamente seguidas, Jesus surpreende a multidão
deserdada e pobre e a declarou feliz. Parece uma ironia. No entanto, esta
multidão revelava algo profundamente revolucionário (no sentido de força capaz
de perverter a injusta ordem estabelecida): na sua pobreza havia uma abertura
essencial de que o amor de Cristo poderia ajuda-los a se livrar daquela
condição de nada representar na sociedade oficial.
A presença
de Cristo ofereceu àquela multidão, o horizonte inovador do alcance de uma
alegria transformadora. O encontro acolhedor de Jesus e a multidão permitiu a
visualização de um reino, não o da espoliação, mas o da presença de Deus,
mediante alegria da convivência.
O novo
código de regras para experimentar Deus, a partir de Jesus, estabelece uma
profunda inversão de valores: a bênção de Deus não implica mais em prosperidade
material e nem no êxito das conquistas dominadoras. Por outro lado, os ricos
não são mais vistos como agraciados da bênção de Deus. Esta falsa representação
de felicidade foi declarada caduca. Privilegiados, ricos e bem estabelecidos na
sociedade não se constituíam mais nos simpáticos das benemerências de Deus.
A nova
lógica invertia as referências, pois, como no jeito de Maria, - infelizmente
transformada em Deusa rainha nos dias atuais, - os pobres que subiram à
montanha receberam a incumbência de inverter o conceito dos agraciados por
Deus: precisamente eles, os injustiçados do sistema social excludente e
usurpador, foram interpelados a serem os construtores do novo Reino. A
solidariedade seria capaz de encher a mesa destes pobres e dar-lhes sentido
para a existência. Todos quantos se sentiam pobres, fracos e incapazes diante
do sistema de organização social perverso, receberam a interpelação de que
poderiam ser os primeiros a desfrutar das alegrias do reino.
A compaixão
de Jesus revelou que este reino novo já estava irrompendo no meio daquele
grupo. Diante da lei caída do alto através de Moisés, Jesus promulgou o poder
da força transformadora que emergia da fragilidade interior de multidões
ignoradas. Mostrou, em suma, um foco completamente inusitado diante dos
tradicionais quadros religiosos.
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