sábado, 28 de janeiro de 2017

Um paralelo interessante




            O primeiro testamento da Bíblia enfatizou muito o lugar alto da montanha como lugar da experiência de Deus. A síntese revelou que, nestes lugares especiais, Deus se tornou mais perceptível e próximo. E o ícone deste bom encontro acabou assimilado com sendo Moisés. Subiu ao monte e ali fez uma experiência hierofânica, isto é, sentiu como nunca antes tinha sentido, a bondade de Deus que o convocava para agir positivamente na libertação do povo. Das regras ético-religiosas decorrentes desta experiência, o alto da montanha também serviu para promulgá-las e firmá-las como um contrato para a boa relação com Deus.
            A novidade de Cristo, vista sob esta moldura religiosa, levou o evangelista Mateus (5,1-12) a descrever que a presença de Jesus no alto da montanha, manifestou um legado muito mais amplo e vital do que do que os dez mandamentos. O público de Jesus era totalmente distinto do público de Moisés. Do povo escravizado que desejava liberdade, os interlocutores de Jesus Cristo eram ex-proprietários de terras e espoliados de seus bens pelo império romano. Jesus encontrou uma multidão de pobres que haviam sido injustiçados.
            No lugar da exigência de regras a serem rigorosamente seguidas, Jesus surpreende a multidão deserdada e pobre e a declarou feliz. Parece uma ironia. No entanto, esta multidão revelava algo profundamente revolucionário (no sentido de força capaz de perverter a injusta ordem estabelecida): na sua pobreza havia uma abertura essencial de que o amor de Cristo poderia ajuda-los a se livrar daquela condição de nada representar na sociedade oficial.
            A presença de Cristo ofereceu àquela multidão, o horizonte inovador do alcance de uma alegria transformadora. O encontro acolhedor de Jesus e a multidão permitiu a visualização de um reino, não o da espoliação, mas o da presença de Deus, mediante alegria da convivência.
            O novo código de regras para experimentar Deus, a partir de Jesus, estabelece uma profunda inversão de valores: a bênção de Deus não implica mais em prosperidade material e nem no êxito das conquistas dominadoras. Por outro lado, os ricos não são mais vistos como agraciados da bênção de Deus. Esta falsa representação de felicidade foi declarada caduca. Privilegiados, ricos e bem estabelecidos na sociedade não se constituíam mais nos simpáticos das benemerências de Deus.
            A nova lógica invertia as referências, pois, como no jeito de Maria, - infelizmente transformada em Deusa rainha nos dias atuais, - os pobres que subiram à montanha receberam a incumbência de inverter o conceito dos agraciados por Deus: precisamente eles, os injustiçados do sistema social excludente e usurpador, foram interpelados a serem os construtores do novo Reino. A solidariedade seria capaz de encher a mesa destes pobres e dar-lhes sentido para a existência. Todos quantos se sentiam pobres, fracos e incapazes diante do sistema de organização social perverso, receberam a interpelação de que poderiam ser os primeiros a desfrutar das alegrias do reino.

            A compaixão de Jesus revelou que este reino novo já estava irrompendo no meio daquele grupo. Diante da lei caída do alto através de Moisés, Jesus promulgou o poder da força transformadora que emergia da fragilidade interior de multidões ignoradas. Mostrou, em suma, um foco completamente inusitado diante dos tradicionais quadros religiosos.

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