Os índios Bakairi, com cerca de mil e poucos membros estabelecidos nos municípios de Paranatinga, Planalto da Serra e Nobres, no Mato Grosso, são muito cordiais e festivos. Eram muito elogiados pelos fazendeiros e agricultores da região devido ao desvelo na lida de máquinas agrícolas. Cuidadosos no plantio e na colheita, dizia-se também que eram muito mais zelosos do que outros peões.
Os Bakairi da Aldeia de Nobres,
quando anunciavam uma festa e matavam um ou dois bois para serem assados,
convidavam todos quantos quisessem chegar para a festa.
Não tinha ingresso antecipado, nem
taxa de refeição ou ficha para ser comprada e, menos ainda, hora marcada para o
fim da festa. Tudo dependia de quantos viessem para a festa. Esta iniciava com
os primeiros espetos assados e encerrava quando alguém pegava o último pedaço
de carne para comer.
Esta gratuidade parecia algo muito
estranho para festas das raças brancas, descendentes de europeus, pois, eram
movidas para fazer festa a fim de obter bons e vistosos lucros. Mesmo que
muitos mantimentos fossem doados, cobravam acima do custo normal nas vendas para
que sobrasse mais dinheiro no saldo final da festa. Para eles, uma festa era
apreciada pelo lucro obtido, e que, geralmente, era investido em reformas e
melhorias nos salões das festas. E, sempre faltava algo para ser modificado ou
melhorado a fim de permitir que o local fosse atraente e facilitasse a chegada
de levas cada vez maiores de pessoas para participar das festas.
Assim, festas, mesmo em homenagem a
santos e santas padroeiras, perderam a dimensão antropológica da festa, da
gratuidade e, praticamente, se esvaziaram da grandeza da exuberância e do transbordamento,
componentes não compráveis e que são decorrência natural da festa. A festa
gratuita, como a de surpresa para um aniversariante, requer pouca coisa para
produzir exuberância e transbordamento e que, de graça, faz um bem enorme para
a vida de quem participa da festa. Infelizmente, um processo histórico levou as
festas à imitação dos negócios capitalistas: precisam proporcionar bons e
polpudos lucros.
Não importa a embriaguez que causam,
os vícios alimentados, nem prejuízo à saúde, nem, tampouco, brigas decorrentes
do excesso de bebida com comilança. Festa virou sinônimo de consumo e de
excesso. É o momento para empanturrar-se em troca do que se pagou. Como a lei
implícita é a de levar vantagem, o retorno da festa é caracterizado pelo mau
humor. Em vez do esquecimento das dificuldades e contratempos para intuir que a
vida, apesar disso, pode ser melhor do que foi antes, leva a remoer o evento pelo
tédio e pela ruminação das mágoas.
A aldeia dos Bakairi, do município de
Nobres, faz divisa com a comunidade católica do Pacoval, da paróquia Santa Rita,
de Santa Rita do Trivelato, no Mato Grosso.
Toda vez que esta comunidade do Pacoval organizava
uma festa, surgia um desconforto para os organizadores. Apareciam uma ou duas
caminhonetes Hilux, empinadas com quinze a vinte índios em cima, para
participar da festa. Chegavam alegres e animados, informando que queriam dar um
apoio para a festa. Surgia, então, um dilema cruel para os festeiros, pois,
para os índios Bakairi, participar da festa com um apoio, significava comer e
beber sem pagar um centavo. Para eles, festa sempre é gratuita e, na sua
concepção de festa, seria impensável pagar pelo consumo de churrasco e cerveja.
Isto já nem seria festa!
Ao especificarem quanto queriam de
carne e de cerveja para colaborar na festa, recebiam uma certa quantidade de
espetos de churrasco e umas caixas de latinhas de cerveja. Como eram bons de
garfo, ao terminarem a ingestão do que haviam recebido, voltavam, numa comitiva,
para dizer que queriam dar ainda mais apoio para a festa e pediam repetição da
quantia recebida.
O desconforto da proposta de mais
apoio, levava os organizadores da festa a informar que não tinham mais nada. A
mentira, mal dissuadida, visava não baixar o lucro da festa. Os índios, então,
- como a festa tinha terminado, - empinavam ainda mais as caminhonetes com peso
ampliado, e voltavam contentes para casa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário