quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

FESTA DE ÍNDIO

 

 

            Os índios Bakairi, com cerca de mil e poucos membros estabelecidos nos municípios de Paranatinga, Planalto da Serra e Nobres, no Mato Grosso, são muito cordiais e festivos. Eram muito elogiados pelos fazendeiros e agricultores da região devido ao desvelo na lida de máquinas agrícolas. Cuidadosos no plantio e na colheita, dizia-se também que eram muito mais zelosos do que outros peões. 

            Os Bakairi da Aldeia de Nobres, quando anunciavam uma festa e matavam um ou dois bois para serem assados, convidavam todos quantos quisessem chegar para a festa.

Não tinha ingresso antecipado, nem taxa de refeição ou ficha para ser comprada e, menos ainda, hora marcada para o fim da festa. Tudo dependia de quantos viessem para a festa. Esta iniciava com os primeiros espetos assados e encerrava quando alguém pegava o último pedaço de carne para comer.

Esta gratuidade parecia algo muito estranho para festas das raças brancas, descendentes de europeus, pois, eram movidas para fazer festa a fim de obter bons e vistosos lucros. Mesmo que muitos mantimentos fossem doados, cobravam acima do custo normal nas vendas para que sobrasse mais dinheiro no saldo final da festa. Para eles, uma festa era apreciada pelo lucro obtido, e que, geralmente, era investido em reformas e melhorias nos salões das festas. E, sempre faltava algo para ser modificado ou melhorado a fim de permitir que o local fosse atraente e facilitasse a chegada de levas cada vez maiores de pessoas para participar das festas.

Assim, festas, mesmo em homenagem a santos e santas padroeiras, perderam a dimensão antropológica da festa, da gratuidade e, praticamente, se esvaziaram da grandeza da exuberância e do transbordamento, componentes não compráveis e que são decorrência natural da festa. A festa gratuita, como a de surpresa para um aniversariante, requer pouca coisa para produzir exuberância e transbordamento e que, de graça, faz um bem enorme para a vida de quem participa da festa. Infelizmente, um processo histórico levou as festas à imitação dos negócios capitalistas: precisam proporcionar bons e polpudos lucros.

Não importa a embriaguez que causam, os vícios alimentados, nem prejuízo à saúde, nem, tampouco, brigas decorrentes do excesso de bebida com comilança. Festa virou sinônimo de consumo e de excesso. É o momento para empanturrar-se em troca do que se pagou. Como a lei implícita é a de levar vantagem, o retorno da festa é caracterizado pelo mau humor. Em vez do esquecimento das dificuldades e contratempos para intuir que a vida, apesar disso, pode ser melhor do que foi antes, leva a remoer o evento pelo tédio e pela ruminação das mágoas.

A aldeia dos Bakairi, do município de Nobres, faz divisa com a comunidade católica do Pacoval, da paróquia Santa Rita, de Santa Rita do Trivelato, no Mato Grosso.

 Toda vez que esta comunidade do Pacoval organizava uma festa, surgia um desconforto para os organizadores. Apareciam uma ou duas caminhonetes Hilux, empinadas com quinze a vinte índios em cima, para participar da festa. Chegavam alegres e animados, informando que queriam dar um apoio para a festa. Surgia, então, um dilema cruel para os festeiros, pois, para os índios Bakairi, participar da festa com um apoio, significava comer e beber sem pagar um centavo. Para eles, festa sempre é gratuita e, na sua concepção de festa, seria impensável pagar pelo consumo de churrasco e cerveja. Isto já nem seria festa!

Ao especificarem quanto queriam de carne e de cerveja para colaborar na festa, recebiam uma certa quantidade de espetos de churrasco e umas caixas de latinhas de cerveja. Como eram bons de garfo, ao terminarem a ingestão do que haviam recebido, voltavam, numa comitiva, para dizer que queriam dar ainda mais apoio para a festa e pediam repetição da quantia recebida.

O desconforto da proposta de mais apoio, levava os organizadores da festa a informar que não tinham mais nada. A mentira, mal dissuadida, visava não baixar o lucro da festa. Os índios, então, - como a festa tinha terminado, - empinavam ainda mais as caminhonetes com peso ampliado, e voltavam contentes para casa.

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