Ainda não
muito avançado na idade, vovô Artur, resolveu parar com trabalho ao se
aposentar. Era um daqueles que projetou a aposentadoria como tempo para não
fazer mais nada. Levantava tarde, e quando não ocorria insistência explicita
para trocar o pijama por outra roupa, passava o dia inteiro de pijama e achava
bom.
Virou homem do sofá e da cadeira de
balanço. Como era diabético e, como funcionário aposentado do Banco do Brasil,
sempre teve vida estressante, resolveu virar um caseiro mórbido. Além de
assistir TV, gostava de ler jornal, sentado comodamente na cadeira de balanço.
Volta e meia pegava no sono, mas quando acordava, tinha um entretenimento especial:
passar horas com o netinho Pedro.
Pedro era apaixonado pelo vô Artur.
Na sintonia e simbiose de comunhão, o pequeno menino fazia acrobacias das mais
estranhas no colo do vô. Tirava seus óculos, bagunçava seus cabelos e fazia de
tudo para receber muita apreciação elogiosa. Certo dia, o velho adormeceu
enquanto lia jornal, e o menino, curioso, mexerico, bagunçava a sala inteira.
Sua mãe estava em outras lidas, pois, sabia que o vô cuidava muito bem do
netinho.
No entanto, enquanto Artur cochilava,
o nenê encheu a fralda e foi andando de um lada para outro. Talvez devido ao
desconforto meteu a mão para dentro da fralda e a deixou suja de cocô. Queria
ajuda do velho, mas o velho estava dormindo. Subiu no colo dele, mexeu e
futricou para todo lado, e acabou passando a mão suja de cocô no bigode do
velho.
Artur, quando se acordou, já não viu
o nenê, - pois a mãe o levara para a devida limpeza, - sentiu um estranho
cheiro de cocô. Desconfiou que deveria ter acontecido alguma incontinência e
foi rápido para o banheiro. Baixou as calças e fez uma criteriosa observação,
mas, constatou que estava tudo na melhor assepsia, uma vez que tinha tomado
banho caprichado ao levantar. Voltou para a sala, e continuou a sentir o mesmo
cheiro. Foi, então para a janela, abriu-a, e, de fora, vinha o mesmíssimo
cheiro. Inquieto, foi para o outro lado da sala e abriu a porta. Saiu, e nada
havia esvanecido aquele estranho odor de cocô. Foi mais uma vez numa segunda
janela, e, o ar que ali inalava era ar todo fedido de cocô humano. Foi então
para a cozinha e falou enfaticamente para sua esposa: mulher, deixa dizer-lhe
uma coisa grave: Andaram fazendo cocô no mundo!
Um bigode de velho pode enganar as
certeiras interpretações do olfato e desviar a hermenêutica interpretativa dos
acontecimentos.