sexta-feira, 4 de março de 2016

Consciência de pecado



            Em tempos de permissividade ampla e expansiva, parece anacrônico ponderar sobre pecado. Quando a consciência casuística dos muitos tipos e das possibilidades de pecado já se diluiu, a aparente ausência de pecado, no entanto, não consegue ocultar que estamos imersos num imenso quadro de pecado social e individual.
            Os profetas Oséias, Jeremias, Amós e, tantos outros do primeiro testamento da Bíblia, tematizaram muito suas falas em torno da conversão, mas, quando a indicavam, não queriam que fosse simples retorno às práticas penitenciais e cúlticas das tradições anteriores. Queriam que consistisse na abertura do “coração”, a fim de que pudessem tornar-se acolhedores das interpelações de Deus, e, assim poderem viver e conviver melhor.
            O evangelista Lucas, para destacar a boa novidade de Deus manifestada em Jesus Cristo, inseriu no seu Evangelho muitas parábolas contadas por Jesus Cristo para ajudar as pessoas do seu tempo a entender que o seguimento de Cristo, mesmo sem romper a tradição religiosa anterior, teria que evitar o formalismo daquelas formas vazias e exteriorizadas de modos a somente controlar as pessoas.
            Por meio de parábolas Jesus convidava as pessoas a se inteirar de uma concepção de Deus muito distinta daquela que era repassada pelo formalismo religioso: longe de ser um vigilante vingativo, justiceiro e controlador dos mínimos detalhes, Deus se revelava como misericordioso, até mesmo diante do pecado da exclusão total ou da perda da capacidade de lidar consigo mesmo.
            Deus, para reconciliar as pessoas dispersas, todavia, esperava delas que tivessem, pelo menos, o desejo de aproximar-se Dele. Na parábola do filho pródigo (Lc 15,1-3.11-13), muito conhecida, realça-se, o filho afastado da família que consegue refazer o caminho da volta e se reinserir no convívio familiar. Nesta imagem, está um convite aberto a qualquer pessoa, para não viver apenas sua ambição pessoal, seus gostos e interesses, mas, para buscar também boa inserção na convivência.
            Assim como a alegria do reencontro com familiares e amigos distantes, não visitados há mais tempo e dos quais se sente saudades, consegue despertar uma efusão de sentimentos agradáveis, a reconciliação com Deus também tende a propiciar e ampliar tais sentimentos agradáveis.
            A imagem do irmão mais velho, da parábola dos dois filhos, representa a justiça e as leis estabelecidas, bem como a normatividade das piedades religiosas. Cabe-nos, pois, ponderar com seriedade sobre o distanciamento de Deus que certas práticas religiosas causam sob o complicado formalismo cúltico e religioso, que, por natureza, está mais propenso a controlar e enquadrar as pessoas do que para redimi-las pela misericórdia.
             As motivações em torno de boa celebração da festa de Páscoa podem nos indicar a necessidade de ir além do que as regras de justiça, de moral e de culto nos prescrevem e nos cobram com sistemático rigor.

            A tentação do auto-enquadramento de já integrar o privilegiado e seleto grupo dos justos e bons, redimidos através de certas rotinas de penitência, de jejum e de mais algumas formalidades, pode, com facilidade, nos desviar da rota da misericórdia redentora, que Deus efetivamente revela.

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