Em tempos de
permissividade ampla e expansiva, parece anacrônico ponderar sobre pecado.
Quando a consciência casuística dos muitos tipos e das possibilidades de pecado
já se diluiu, a aparente ausência de pecado, no entanto, não consegue ocultar
que estamos imersos num imenso quadro de pecado social e individual.
Os profetas
Oséias, Jeremias, Amós e, tantos outros do primeiro testamento da Bíblia,
tematizaram muito suas falas em torno da conversão, mas, quando a indicavam,
não queriam que fosse simples retorno às práticas penitenciais e cúlticas das
tradições anteriores. Queriam que consistisse na abertura do “coração”, a fim
de que pudessem tornar-se acolhedores das interpelações de Deus, e, assim
poderem viver e conviver melhor.
O
evangelista Lucas, para destacar a boa novidade de Deus manifestada em Jesus
Cristo, inseriu no seu Evangelho muitas parábolas contadas por Jesus Cristo
para ajudar as pessoas do seu tempo a entender que o seguimento de Cristo, mesmo
sem romper a tradição religiosa anterior, teria que evitar o formalismo
daquelas formas vazias e exteriorizadas de modos a somente controlar as pessoas.
Por meio de
parábolas Jesus convidava as pessoas a se inteirar de uma concepção de Deus
muito distinta daquela que era repassada pelo formalismo religioso: longe de
ser um vigilante vingativo, justiceiro e controlador dos mínimos detalhes, Deus
se revelava como misericordioso, até mesmo diante do pecado da exclusão total
ou da perda da capacidade de lidar consigo mesmo.
Deus, para
reconciliar as pessoas dispersas, todavia, esperava delas que tivessem, pelo
menos, o desejo de aproximar-se Dele. Na parábola do filho pródigo (Lc
15,1-3.11-13), muito conhecida, realça-se, o filho afastado da família que
consegue refazer o caminho da volta e se reinserir no convívio familiar. Nesta
imagem, está um convite aberto a qualquer pessoa, para não viver apenas sua
ambição pessoal, seus gostos e interesses, mas, para buscar também boa inserção
na convivência.
Assim como a
alegria do reencontro com familiares e amigos distantes, não visitados há mais
tempo e dos quais se sente saudades, consegue despertar uma efusão de
sentimentos agradáveis, a reconciliação com Deus também tende a propiciar e
ampliar tais sentimentos agradáveis.
A imagem do
irmão mais velho, da parábola dos dois filhos, representa a justiça e as leis
estabelecidas, bem como a normatividade das piedades religiosas. Cabe-nos, pois,
ponderar com seriedade sobre o distanciamento de Deus que certas práticas
religiosas causam sob o complicado formalismo cúltico e religioso, que, por
natureza, está mais propenso a controlar e enquadrar as pessoas do que para redimi-las
pela misericórdia.
As motivações em torno de boa celebração da
festa de Páscoa podem nos indicar a necessidade de ir além do que as regras de
justiça, de moral e de culto nos prescrevem e nos cobram com sistemático rigor.
A tentação
do auto-enquadramento de já integrar o privilegiado e seleto grupo dos justos e
bons, redimidos através de certas rotinas de penitência, de jejum e de mais
algumas formalidades, pode, com facilidade, nos desviar da rota da misericórdia
redentora, que Deus efetivamente revela.
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