As madrugadas,
ocultam, revelam e desmantelam. Podem esconder procedimentos e intimidades,
podem revelar extravagâncias e excentricidades, e podem revelar
monstruosidades, patologias e obsessões de mentes perturbadas.
As madrugadas
também podem ser poéticas e inspiradoras, reconfortantes e reconciliadoras. O
entorno escuro ou iluminado pode também permitir a percepção do que a
consciência registrou com emoções mais intensas: algumas vezes são alegrias e
surpresas; outras vezes, são dores assimiladas e superadas; por vezes, também
latejam fortes as mágoas e as incapacidades de aceitação de fatos desagradáveis.
E, vez por outra, aparece a agradável recordação de momentos gratos, alegres,
edificantes e inspiradores que até dispensam o sono.
No evangelho
de São João (8,1-11) consta uma descrição muito interessante: Jesus tinha ido
rezar no monte das Oliveiras e, de madrugada, foi ao templo, onde encontrou
muita gente. É, o texto fala que foi de madrugada. Fato, ou simbólico, ou, no
mínimo, intrigante! Mas, lá também encontrou uma cena pouco comum para um lugar
religioso, com pessoas piedosas e, naquele horário: o julgamento de uma mulher
encontrada em ato de adultério.
Dois fatos relevantes:
o procedimento da mulher e o procedimento dos bons, que, em vez de dormir ou
rezar, estavam bisbilhotando a vida alheia e, com ares autoritários tramando,
no lugar de encontro com Deus, a morte daquela mulher, por merecido
apedrejamento. Jesus, diante do desejo de obtenção de aval condenatório por
parte dos presumidos bons piedosos, declarou que se alguém não tivesse nenhum
pecado, poderia atirar pedra naquela mulher. Veio uma surpresa: ninguém atirou
pedra e nem Jesus a condenou, mas, despediu-a com um pedido: “de agora em
diante, não peques mais!”.
O episódio
permite entender uma novidade da parte de Jesus Cristo: deu ocasião para que
uma mulher adúltera se tornasse mulher de fé, e, com o despertar de
extraordinária capacidade para construir algo novo. Isso abre uma perspectiva
para qualquer pessoa capaz de reconhecer seus limites, resultantes de ambientes
sociais ou de maldades interiores: também ela, pode irrigar a vida com outras
riquezas e gestar algo que vai além do desfrute de pessoas e da contravenção
das regras estabelecidas.
Nossos dias
correspondem a uma intensa e estimulada visualização do reflexo produzido pelo
espelho, capaz de produzir tantos narcisistas a contemplarem intensamente os
detalhes de sua própria beleza fascinadora, quanto dos inovadores retoques para
facilitar a persuasão de outras pessoas em razão de desejos bem variados.
Entretanto, tais dias de tantos espelhos e de tantas buscas de reflexos
especulares, ainda não significam capacidade de autocrítica para ponderar sobre
a coerência dos procedimentos pessoais e comunitários, sobretudo, dos
religiosos.
Enquanto
muitos cristãos – apresentados como membros de famílias bem constituídas -
fazem campanhas contra algumas pecadoras públicas, traem suas palavras, seus pactos
e seus blocos familiares e, nas madrugadas das noites ou dos refúgios, usam e
abusam de outras, sem lhes dar a mesma atribuição. Quer na intimidade afetiva,
quer nos negócios, ou nas transgressões dos próprios limites do corpo por
excesso de comidas e de bebidas, vivem de aparências falsas, como tantos
corruptos do governo a iludir o povo da nação.
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