quarta-feira, 23 de setembro de 2015

A privatização dos dons de Deus



            Antiga como a experiência religiosa, é a tentação de centralizar a ação de Deus para o engrandecimento pessoal, e, de afirmação sobre os outros. Das mais arcaicas experiências bíblicas, lemos que o pretendente a ser substituto de Moisés, Josué, ao saber que duas pessoas estavam exercendo a profecia sem terem passado sob o crivo dos setenta anciãos que ponderavam a respeito do que Moisés deveria fazer para sentir os influxos da ação divina em favor do bem do povo, quis que Moisés os demitisse da tarefa. Moisés, por sua vez, interpretou a cobrança de Josué como impregnada de ciúme, e, sem proibir seus concorrentes de profetizar, ainda manifestou a Josué, que, também eles, poderiam constituir manifestação dos dons de Deus.
            No Evangelho de Marcos (9,38-48) consta uma descrição de um episódio parecido com o de Josué: discípulos interesseiros de Jesus Cristo não queriam admitir que alguém, não pertencente ao seu grupo, pudesse fazer o bem e pregar o evangelho. Mostraram-se aborrecidos e entenderam que Jesus deveria tomar uma providencia proibitiva, a fim de deixar somente discípulos na exclusividade de tal tarefa.
            O bom-senso de Jesus Cristo surpreendeu os discípulos: mostrou-lhes que também pessoas não pertencentes ao seu grupo fechado poderiam contribuir eficazmente na construção do reino de Deus. Nem Deus e nem a religião deveriam prestar-se para a satisfação de interesses pessoais, especialmente as do poder.
            Trata-se de uma palavra dura, como a de Moisés para seu ambicioso sucessor Josué. O procedimento de Cristo, no entanto, também nos interpela em meio a tantos grupos fechados, com tendências proselitistas, nos quais os pretendentes ao poder se acham no direito da exclusividade de manifestarem os dons do Espírito. Querem muitos discípulos, sabem dar ordens sobre os mínimos detalhes da vida, mas, o que mais fazem, é alastrar seu campo de influência e de poder.
            Jesus Cristo, ao orientar os discípulos contra a tentação da exclusividade, pediu que cortassem este mal pela raiz. Ademais, os dons do Espírito, não constituem bens privativos, conquistados para a satisfação pessoal, mas, devem levar ao serviço em favor dos outros. Importa que outras pessoas possam alargar o dom da sua vida através da generosidade, da retidão e de uma postura ética de querer bem. Na perspectiva da grande mãe Terra, os bens que ela gera certamente se destinam a todos os seres e não somente a alguns ambiciosos.


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