quarta-feira, 17 de junho de 2015

Fé e multiplicação de dogmas



            Assusta constatar o quadro religioso em que hábitos, nem tão prolongados e rotineiros, acabam transformados em procedimentos dogmáticos e levam a discursos categóricos para exigir a impecável observância destas normas, que, nem mesmo são oficiais na Igreja. A impressão é a de que ter fé, significa submeter-se a certos detalhes de ritos exteriores. Nesta condição, a proposta de Jesus Cristo vira secundária e irrelevante como caminho redentor.
            Na aparente segurança das exterioridades, subentende-se que a ação de Deus é certa e garantida, mas, diante de qualquer pequena dificuldade, aparece o pânico e a automática cobrança de que a ação redentora de Cristo não está sendo eficaz.
            O episódio bíblico narrado por Marcos (4,35-41) mostra como nas andanças de Jesus de Nazaré, apareciam reações muito variadas, sobretudo, quando encontravam algumas dificuldades: do entusiasmo à dureza de coração, da ironia à incredulidade; no entanto, diante dos sinais de Jesus sobre a manifestação da maldade, mostravam-se incrédulos e céticos.
            Quando a agitação das ondas do mar, - símbolo das dificuldades da vida no seguimento de Cristo, - levou ao balançar do barco, seus discípulos sequer reconheceram, no procedimento de Jesus  acalmar o ambiente, um sinal da ação de Deus, mas, souberam apresentar-lhe um vasto conteúdo de lamúrias.
            No meio do pavor, os discípulos ousaram repreender a Jesus, por sentirem medo de afundamento do barco, diante das ondas agitadas, e por perceberem que ele dormia despreocupado. Para Jesus, no entanto, a fonte dos medos certamente não representava nenhum motivo de inquietação, mas, mesmo assim, acalmou o presumido o espírito imundo da agitação dos discípulos. Eles, todavia, simplesmente se calaram. As antigas crenças supersticiosas de que Leviatã teria capacidades nocivas nas águas dos mares, e, por efeito de maus espíritos, levara os discípulos a desnecessários medos. Estes, sequer aguçaram a sensibilidade de perceber a serenidade que Cristo lhes passava a respeito destes medos.
            Mesmo andando com Cristo no barco, os discípulos não tiveram fé na sua capacidade de manifestar algo de Deus. Se hoje as ondas não são, nas praxes de tantas piedades religiosas, as dos mares, mas, aquelas dos valores culturais muito diversificados e das dificuldades de travessia diante dos impasses na convivência, os muitos dogmas de exterioridades formalistas, com certeza, mais ajudam a facilitar pânicos e pavores do que calmarias de entendimento.

            A pergunta de Cristo aos apavorados do barco, - se ainda tinham fé, - certamente questiona na radicalidade uma prática religiosa de muitas afirmações, e, de bem pouca experiência de solidez. E, quando tudo parece desandar, ainda se atribui a culpa a Jesus ou a Deus, como se fossem responsáveis pela inoperância diante dos seus deveres obrigatórios de atenção e desvelo. A capacidade de reconhecer em Cristo o poder de Deus, provavelmente implica mais em modos de proceder do que em maneiras de explicar o que é e o que não é dos conteúdos dogmáticos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

<center>ERA DIGITAL E DESCARTABILIDADE</center>

    Criativa e super-rápida na inovação, A era digital facilita a vida e a ação, Mas enfraquece relacionamentos, E produz humanos em...