quinta-feira, 3 de abril de 2014

Ressurreição e vida



            Muito cedo na existência nos damos conta da grandeza e da simultânea fragilidade da vida. Como o apóstolo Paulo costumava escrever, somos uma jóia preciosa num vaso de barro. Apesar da extraordinária capacidade psíquica e da incrível e encantadora organização do corpo, damo-nos conta de uma vulnerabilidade ainda mais espantosa.
            Adoecemos por muito pouca coisa e nos magoamos por coisas ainda menores. Ao mesmo tempo em que desejamos situações bonitas e maravilhosas, subsumimos em minúsculas situações de perda de sentido e, de repente, parece que nada mais consegue motivar-nos para algo melhor.
            O que, afinal, conseguiria remover-nos do sentimento vitimalista e de perdas diante dos outros, e, até mesmo diante de Deus?
            Num momento da história do primeiro testamento da Bíblia, quando a pátria tinha sido conquistada com muito suor e sangue; quando as regras ético-religiosas deram coesão às diferentes tribos; quando a fartura de alimentos era poeticamente cantada como terra onde corre leite e mel; sem demora, em outro momento, quando isso tudo tinha desaparecido, e esta gente exilada em outro país, novamente na condição de escravatura, levou aqueles escravos a se auto-interpretarem como meros cadáveres ambulantes: o pessimismo tomou conta das conversas e a imagem corrente levava ao senso comum daquelas pessoas de que não passavam de ossos ressequidos, sem nenhuma esperança para nada.
            O profeta Ezequiel, desejando um espírito de vida a este grupo humano cambaleante, apontou-lhe a evidência de que Deus não se negaria a restaurar toda esta situação de fracasso e renovar totalmente a vida para que pudessem admitir, pelo menos, a possibilidade de voltar a viver novamente na sua pátria.
            O Evangelho de São João, muitos séculos depois do povo exilado na Babilônia ter retornado à sua pátria, mostrou que Jesus Cristo, ao ser seguido, no seu modo de ser, seria capaz de propiciar renovação ainda mais profunda na vida: Nele se recriam as capacidades que tiram dos processos entrópicos de morte, e destes, podem haurir-se razões exuberantes para viver melhor. Isso é ressurreição!
            Na figura de Lázaro, nos damos conta de que nós, mesmo com boa pulsação cardíaca e com sangue correndo com rico fluxo nas veias, andamos, em muitos momentos da vida, de pés e de mãos amarradas por convenções ambientais e por incapacidades de nos desatrelar destas amarras e de tantas outras subjetivas prisões que nos tiram o gosto da vida. Assim, nos tornamos parecidos com cadáveres ambulantes, nos quais o olhar e a expressão fisionômica se aproximam mais do portão do cemitério do que da alegre, serena e satisfeita convivência.

            Quer na imagem de ossos ressequidos ou de ossos em estado de putrefação, somos interpelados a procurar em Cristo a vitalidade para desamarrar as mãos e os pés, - especialmente as amarras psíquicas - a fim de andar com graça e satisfação nos caminhos da vida. Esta plenitude, nós também a esperamos para além da morte derradeira.

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