quinta-feira, 10 de abril de 2014

A fidelidade por um fio



            Os efeitos da hiper-realidade de nossos dias exaltam ao auge das sugestivas motivações a produção de heróis triunfantes, que, mesmo sem nos envolver em reais elevações triunfais, nos amarram aos delírios e sonhos produzidos em torno daqueles que são proclamados heróis ou heroínas. Beleza física e capacidade esportiva tendem a ocupar os lugares de destaque, ao lado das ascendências governamentais.
As entradas dos presumidos triunfantes são geralmente exploradas à exaustão, com fogos, luzes, incalculáveis fotografias, e volumes de som acima do permitido por lei, para gerar delírio.
No conformismo distante de atos heróicos, projeta-se, sobre o outro herói ou heroína, o sonho acalentado, mas, em nada efetivado.
Posses de reis, de governantes e até de subalternos mandantes costumam envolver a apoteose triunfalista de quem assume um cargo eminente. Do primeiro testamento da Bíblia, lembra-se uma figura típica de quem foi, no imaginário coletivo de muitos séculos, o rei das excelsas grandezas humanas.
Sua entrada e também sua posse na capital de Jerusalém foram estabelecidos como sinônimos deste clímax, embora lhe atribuíssem os mais humildes e bons propósitos para o bem-estar do povo.
Rápido como os ventos, volatizaram-se os propósitos e o famoso rei começou a pensar mais em si e nas suas muitas amantes. Pouco sobrou para a gestão governamental em favor do povo.
Os redatores dos evangelhos de Jesus Cristo animaram as primeiras comunidades cristãs com uma releitura do “triunfalismo davídico” pelo avesso. A entrada de Jesus, em Jerusalém e seu senhorio, não foram os de um comandante vencedor de acirrada disputa de guerras. Basta lembrar que Jesus entrou montado num jegue: desarmado e ciente do que o caminho redentor tinha outro percurso.
Para os cristãos, Jesus passou a ser identificado não ao rei imponente, mas, ao “servo sofredor”, lembrado em quatro poemas de Isaías, que destacam certos sofrimentos como caminho que impregna redenção e salvação.
O alcance do sofrimento consciente e integrado com vistas a alguma mudança ou superação é sempre um sofrimento que gera vida. Nas propostas de Jesus Cristo a grandeza da capacidade de sofrer por uma razão maior, se constitui estratégia não ao triunfalismo, mas, ao triunfo.
Assim como os que acolhiam Jesus, jogando ramos verdes sobre o chão por onde passaria na entrada de Jerusalém, rapidamente foram envolvidos a se isentar do gesto e gritar contra ele, também Judas, um dos discípulos mais próximos, o traiu e o relegou por alguns poucos trocados.

Em nossos dias, como estes primeiros discípulos, muitos cristãos relegam o seguimento a Jesus Cristo por muito menos do que algumas moedas e ramos verdes de acolhida. Basta uma pequena mágoa contra alguém da comunidade ou um pequeno traço de antipatia contra o padre ou, minudências ainda mais insignificantes, para se fecharem no seu mundinho pessoal de vida, sem ação, sem causa de ação, e, mais ainda, sem nenhuma motivação para incorporar algum grau, - por pequeno que seja – de sofrimento ou esforço por uma causa justa e edificante.

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