quarta-feira, 20 de maio de 2015

Babel e Pentecostes



A inovação tecnológica de utilizar tijolos cozidos no fogo, no lugar de pedras e betume, fez a antiga capital da Babilônia, Babel, perceber a virtualidade de construir um projeto fantástico: uma cidade mais bonita, e, um templo religioso em forma de uma grande torre (porta para Deus). Tais edificações não poderiam ser pensadas sob a tecnologia anterior, porque, nos moldes tradicionais, nem mesmo uma muralha seria suficientemente forte para propiciar segurança aos moradores daquela cidade.
Nada mais natural para a intuição da cidade encantada pelo seu salto tecnológico, do que o desejo de captar ainda outros alcances e descobertas; mas, tamanha ousadia acabou, por alguma razão de logística, ruindo por terra, porque os construtores não chegaram ao consenso elementar a respeito de como edificar a reestruturação da cidade.
A não construção do ousado projeto tornou-se conhecida no tempo helenístico e um intérprete religioso bíblico certamente soube antropomorfizar o fato, para lhe atribuir o porquê do fracasso: Deus teria freado aquela ambição ousada, porque estaria preferindo aldeias e agrupamentos nômades, próprios das tribos de Israel. Deus, para evitar o projeto de Babel, teria provocado confusão na capacidade de consenso a respeito dos meios de execução da obra, com a decorrente dispersão migratória para outras cidades e a posterior decadência de Babel.
Se a antiga cidade Babel, por alguma razão, perdeu a unidade de entendimento, o autor religioso interpretava tal memória para fazer um alerta: que as pessoas optassem por gostar mais das aldeias do que das grandes cidades. Tratava-se possivelmente de uma dedução que ajudava a justificar, ao autor do Gênesis, um alerta preventivo contra a formação de grandes aglomerados urbanos, e, manifestando seu apreço às pequenas aldeias agrícolas. Também pode ter sido uma apologia da vida nômade das tribos de Israel.
Deus certamente não se meteria em mesquinharias de prazer sádico para atrapalhar o sonho de construção de uma cidade bonita. De qualquer forma, a antiga memória babilônica passou a ser associada, pelos primeiros cristãos, à decadente cidade de Roma. O quadro social de não entendimento humano, apesar de falarem a mesma língua, tornava aquela cidade parecida à de Babel e despertava uma inquietação: porque tanta diferenciação mesmo nas linguagens específicas de grupos humanos, incapazes de se entenderem com outros da mesma língua e da mesma cultura?
A memória do Pentecostes propiciou uma constatação grata e muito distinta: a força do Cristo ressuscitado lhes propiciava sintonia de entendimento. Os que se moveram no seguimento de Cristo perceberam que seu modo de bem-querer, ao invés de dispersão, propiciava aproximação solidária e cordial. Em outras palavras, mais importante do que a tradução da mensagem de Jesus Cristo para outras línguas, estava o ato de testemunhá-lo, pois, constituía a linguagem do amor que todos entendiam, e esta comunicação passava muito mais pela expressão não-verbal do que pelo entendimento dos signos linguísticos das línguas faladas pelos povos vizinhos.

Pena que tanta fervorosa pressuposição de rituais religiosos de falar em línguas, nos dias atuais, novamente se preste mais para mediações mágicas e de busca de precedência pessoal, do que de consenso, entendimento, aproximação, pertença e inclusão ativa e edificante no meio de um grupo, seja familiar, comunitário ou social!  

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