A inovação tecnológica de utilizar
tijolos cozidos no fogo, no lugar de pedras e betume, fez a antiga capital da
Babilônia, Babel, perceber a virtualidade de construir um projeto fantástico:
uma cidade mais bonita, e, um templo religioso em forma de uma grande torre (porta
para Deus). Tais edificações não poderiam ser pensadas sob a tecnologia
anterior, porque, nos moldes tradicionais, nem mesmo uma muralha seria
suficientemente forte para propiciar segurança aos moradores daquela cidade.
Nada mais natural para a intuição da
cidade encantada pelo seu salto tecnológico, do que o desejo de captar ainda
outros alcances e descobertas; mas, tamanha ousadia acabou, por alguma razão de
logística, ruindo por terra, porque os construtores não chegaram ao consenso
elementar a respeito de como edificar a reestruturação da cidade.
A não construção do ousado projeto
tornou-se conhecida no tempo helenístico e um intérprete religioso bíblico
certamente soube antropomorfizar o fato, para lhe atribuir o porquê do
fracasso: Deus teria freado aquela ambição ousada, porque estaria preferindo
aldeias e agrupamentos nômades, próprios das tribos de Israel. Deus, para
evitar o projeto de Babel, teria provocado confusão na capacidade de consenso a
respeito dos meios de execução da obra, com a decorrente dispersão migratória
para outras cidades e a posterior decadência de Babel.
Se a antiga cidade Babel, por alguma
razão, perdeu a unidade de entendimento, o autor religioso interpretava tal
memória para fazer um alerta: que as pessoas optassem por gostar mais das
aldeias do que das grandes cidades. Tratava-se possivelmente de uma dedução que
ajudava a justificar, ao autor do Gênesis, um alerta preventivo contra a
formação de grandes aglomerados urbanos, e, manifestando seu apreço às pequenas
aldeias agrícolas. Também pode ter sido uma apologia da vida nômade das tribos
de Israel.
Deus certamente não se meteria em
mesquinharias de prazer sádico para atrapalhar o sonho de construção de uma
cidade bonita. De qualquer forma, a antiga memória babilônica passou a ser
associada, pelos primeiros cristãos, à decadente cidade de Roma. O quadro
social de não entendimento humano, apesar de falarem a mesma língua, tornava
aquela cidade parecida à de Babel e despertava uma inquietação: porque tanta
diferenciação mesmo nas linguagens específicas de grupos humanos, incapazes de
se entenderem com outros da mesma língua e da mesma cultura?
A memória do Pentecostes propiciou
uma constatação grata e muito distinta: a força do Cristo ressuscitado lhes
propiciava sintonia de entendimento. Os que se moveram no seguimento de Cristo
perceberam que seu modo de bem-querer, ao invés de dispersão, propiciava
aproximação solidária e cordial. Em outras palavras, mais importante do que a
tradução da mensagem de Jesus Cristo para outras línguas, estava o ato de
testemunhá-lo, pois, constituía a linguagem do amor que todos entendiam, e esta
comunicação passava muito mais pela expressão não-verbal do que pelo
entendimento dos signos linguísticos das línguas faladas pelos povos vizinhos.
Pena que tanta fervorosa pressuposição
de rituais religiosos de falar em línguas, nos dias atuais, novamente se preste
mais para mediações mágicas e de busca de precedência pessoal, do que de consenso,
entendimento, aproximação, pertença e inclusão ativa e edificante no meio de um
grupo, seja familiar, comunitário ou social!
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