quarta-feira, 13 de maio de 2015

Ascender para a direita



         Diferentes contextos históricos mudam os significados, tanto de termos, quanto de imaginários coletivos. Assim, falar em sentar-se à direita, não deveria fazer diferença do assentar-se à esquerda. Na política, no entanto, direita e esquerda não equivalem à mesma realidade das posturas ideológicas.
            A linguagem religiosa bíblica do segundo testamento valeu-se muito de imagens fortes de muitos séculos anteriores. Em torno da vida de Elias, por exemplo, foi utilizada uma imagem religiosa do seu tempo: homem bom como ele foi, no final da sua vida, Deus não poderia simplesmente deixa-lo morrer. Criou-se uma expectativa. Ele teria sido levado de carruagem para o âmbito de Deus, para além das nuvens e que, a qualquer momento, retornaria, nesta carruagem, para continuar a revelar a bondade de Deus. A síntese cristã em torno da vida de Jesus Cristo certamente se valeu desta antiga imagem teofânica e descreveu a ascensão de Jesus para junto de Deus, ocultado pela nuvem (símbolo do envolvimento de Deus) como um fenômeno paranormal parecido. Para nós, hoje, este imaginário religioso, se o entendermos literalmente, parece um tanto estranho.
            Os conhecimentos de cosmologia não permitem pressupor que, logo acima das nuvens, se encontre um lugar específico da morada de Deus. Na verdade, o texto de Atos 1,1-11, que descreve a ascensão de Jesus, parece insinuar muito mais a nossa missão do que um espalhafatoso sumiço de Jesus. Sua ausência deve, através dos discípulos seguidores, constituir um serviço para que a humanidade possa efetuar uma ascensão, tal como ocorreu na vida pessoal de Jesus de Nazaré. Neste sentido, ir “à direita de Deus”, mais de que lugar de precedência pode significar um estado de vida, em que se sente o envolvimento amoroso de Deus para agir positivamente na vida. Não é preciso elevar-se acima das nuvens para estar à sua direita (ou esquerda), mas, no modo de viver, sentindo-se próximo e agraciado pelo seu amor.
            Hoje, quando o arquétipo religioso antigo volta a ser insinuado com tanta veemência, repete-se em demasia a descrição do que se encontra no além da vida humana: é “Mãezinha do Céu” para todo lado; é um “Jesus Cristinho” totalmente divino; e é um “Espírito Santo” dos acessos secretos, exotéricos, a conceder graças, bênçãos e curas através de certas formalidades cúlticas.

            Mais do que nunca, falta uma voz de pessoas vestidas de branco (At 1,11) para apontar que é preciso agir, aqui na Terra, e não ficar passivamente atônito, esperando que as coisas aconteçam a partir do céu. A missão deixada por Jesus é a de lidar, aqui mesmo, com o veneno mortal de tanta língua, muito mais letal do que o veneno da cobra, e de tanto demônio de mentes desequilibradas, desajustadas e transtornadas, a infernizar a convivência de lares e de comunidades humanas. A tarefa é a de alargar-se a linguagem universal do bem-querer. Infelizmente, a ambígua linguagem do “falar em línguas” não passa de mantra de murmúrios ininteligíveis, com evidentes sintomas de auto-afirmação de precedência, geralmente mais mórbidos do que salutares, sem maior eficácia de verdadeira cura das contradições humanas.

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