Há quase
quatro décadas atrás o saudoso sociólogo Dr. Pe. Ernesto Goeth, admirado
professor da PUC de Porto Alegre, costumava alertar aos que viessem atuar em
ambientes sociais para que tivessem muitas e especiais precauções na lida com
mulheres histéricas, muito mais comuns do que se imaginava. Seriam pessoas
altamente tinhosas para infernizar a vida.
Na época,
dona Fidência, vivendo a crise psico-social da proximidade dos cinqüenta anos,
mesmo com marido e filhos adultos e casados, constituía um exemplo de quem sabia
tumultuar exaustivamente a vida do então pároco no bairro Passo das Pedras,
padre Roberto. Mesmo que todos a definissem como histérica, não deixava de
provocar verdadeiros sururus por todo lado.
Por mais que
padre Roberto a mandasse seguidamente para o quinto dos infernos, voltava todo
dia e, diversas vezes ao dia, para falar com ele. O pouco que se podia saber
destes encontros eram os gritos do padre ameaçando chamar a polícia ou de
mandá-la a coices para fora da sala. Nada dava efeitos eficazes, e, toda vez
que a campainha tocava a imaginação já indicava quem era.
Dona Fidência não dava sossego de forma alguma
ao corpulento careca padre Roberto. Como católica praticante, dona Fidência foi
paulatinamente descobrindo táticas mais sutis para provocar o padre e deixar sua
careca ruborizada de incontida raiva.
Certo dia, em plena celebração, dona Fidência
foi sentar-se na parte central do primeiro banco, e ali ria e se mexia para
todo lado a fim de chamar a atenção do olhar do padre sobre si. Ao perceber que
ele a olhava com mil censuras, puxava a saia para cima das pernas e as abria
escancaradamente para os lados e, com um detalhe, sem roupa íntima.
Com a testa
ainda mais ruborizada, padre Roberto, depois dos repetidos procedimentos
similares de dona Fidência, pediu para que alguns homens a retirassem daquele
ambiente. Chegando à porta, desvencilhou-se dos acompanhantes e saiu correndo
rua afora e gritando por socorro, com toda a potência dos seus gritos, sob a
alegação de que o padre quis estuprá-la... Na celebração seguinte, voltou ao
mesmo lugar e, depois de iniciada a celebração, puxou da bolsa uma lâmina de
barbear e se cortou os pulsos para chamar atenção tanto do padre quanto dos
outros e merecer o necessário aporte para ser levada rapidamente a um
pronto-socorro. Repetiu a cena muitas outras vezes, mas sempre quando estava
segura do atendimento imediato. Assim, a toda hora, ocorria alguma novidade
envolvendo a dona Fidência.
O andar da
vida levou à efetiva constatação de que pessoas com dissociações mentais de
fato conseguem tirar o sono, tanto pela astúcia de suas artimanhas, quanto pela
maldade do que inventam. Esta labilidade emocional já recebeu diversas
explicações desde as que partem do termo grego histeria, que significa útero.
Num momento se pensava que disfunções
no estágio uterino seriam as causas desencadeadoras dos sintomas clássicos de
mudanças rápidas, afetando principalmente mulheres e envolvendo-as em posturas
variadas como sonambulismo, paralisia, cegueira, dores intensas e excessiva
sensibilidade às dores.
Em outro momento observou-se que os fatores de
predisposição à histeria teriam causas muito mais psíquicas do que físicas.
Dependeria essencialmente de um tipo de ambiente de convivência de intensa
repressão sexual. Sob este aspecto, estados emocionais conseguiriam levar o
sistema nervoso a alterar suas costumeiras enervações neurotransmissoras e
gerar sinapses com alterações de informação ao cérebro. Seria como pessoa
alcoolizada ou drogada, que visualiza imagens não existentes, mas as visualiza
como reais e objetivas.
Outra
peculiaridade da histeria, no entanto, é a manifestação histriônica, que foge
dos tradicionais sintomas e leva pessoas a viver como se estivessem num palco,
diante de uma grande platéia, e ali tivessem que vivenciar intensamente o papel
encenado a ponto de exagerar exaustivamente, e, ao máximo, tanto na
argumentação quanto na dramatização do que encenam.
Na vida real
a convivência com a proximidade de pessoas desta natureza dramatúrgica leva ao
limiar da paciência: parece que todos os neurônios das histriônicas trabalham
em sentido contrário ao das outras pessoas e levam estas pessoas a falar o
oposto do que ouvem, a dizer o contrário do que pensam e a justificar
essencialmente o inverso do que manifestam. Chamá-las de mentirosas,
fofoqueiras, linguarudas, queixosas, falsas, traiçoeiras, lamuriosas e outra
dúzia de termos qualificativos não abarca suficientemente os poderes perversos
que exercem nos ambientes de convívio.
Na cidade de
Morocó, uma afamada histriônica, chamada Brunilda, vive intensamente os traços
da dramatização e sabe como ninguém, colocar-se de vítima e, ao mesmo tempo, de
atacante voraz e sorrateira para condenar tudo quanto não concorre à sua
presumida megalomania, ou seja, como só pensa grandeza, nada é pequeno, nada é
simples, nada é fácil e nem discreto. Em tudo há dramatização sangrenta; em
todos os gestos há ameaças ao seu status, à sua função e ao seu bom nome.
Brunilda não é nenhuma artista de
palco, mas, domina melhor do que todos eles o malabarismo encenador dos mínimos
detalhes para transformá-los em fatos altamente trágicos e comoventes. Qualquer
espinho tirado do dedo vira cirurgia de alto risco e de incontáveis imprevistos
para além dos choques anafiláticos e das paradas cardíacas. As dores que alega
suportar são de causar comoção efusiva e consternação contagiante. Ela, no
entanto, não deixa de ser a heroína dos êxitos e da salvação do que estava na
iminência de perder-se para sempre. Sabe elogiar seus atos e suas idéias, bem
como seus atos heróicos, com incontáveis detalhes. Já que os outros não
destacam seus méritos e suas conquistas, ela mesma os enaltece aos píncaros das
mais altas benemerências e honras.
Uma eventual
remessa de dona Brunilda ao “quinto dos infernos”, com certeza, reverteria em
procedimento decepcionante, pois, ao retornar, voltaria exaltando ainda mais seus
megalomaníacos pendores e suas incontidas grandezas, e, o que seria pior, numa
dramática encenação mostraria em detalhes como derrotou o capeta, e conquistou
um lugar um pouco acima de Deus. Como não condoer-se com as dramaticidades
megalomaníacas da dona Brunilda? Ai, que dó!
Nem a terapia do analista de Bagé, a de
aplicar alguns “joelhaços”, daria resultado relaxante, porque, também neste
caso, encontraria um novo enredo magistral para mais uma encenação de superação
e de vitória brilhante.
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