Com o código genético recheado de
primariedade espanhola, dona Benta, volumosa e ciosa do seu patamar espiritual,
é, no entanto, bem mais ágil do que a cobra “Bico de Jaca” para erguer a cabeça
e, do alto dos seus exotéricos poderes espirituais, saltar para desferir um
bote certeiro de condenação de tudo quanto considera inferior às divinas leis
espirituais.
A língua da dona Benta, muito mais
versátil que a da perigosa peçonhenta, consegue prender, na rapidez dos
movimentos, o olhar das vítimas e hipnotizá-las para uma imobilidade de apenas
acatar as ditas “verdades verdadeiras”.
Distante da memória do homônimo São
Bento, que ficara conhecido e muito lembrado pela expressão “Ora et Labora”
(Reza e trabalha), dona Benta preenche seus dias com devoções. O nome que lhe
fora auferido no batismo, certamente representou a melhor adequação do que seus
pais desejaram a seu respeito. Na vida real e efetiva, entretanto, dona Benta
pendeu para outro caminho de piedade diverso da tradição. Trata-se de uma
piedade sem espiritualidade, e, ineficaz para movê-la na vida como discípula de
Jesus Cristo, porque enveredou para uma espiritualidade balofa, exterior,
mágica e arrogante, donde dispensa as mediações apontadas por Cristo.
O nome da dona, por outro lado,
combina perfeitamente com seus rituais cotidianos de muitos gestos, de genuflexões,
de inclinações, benzeduras e de outros múltiplos malabarismos rituais diante do
televisor, a fim de captar toda a riqueza da bênção que o padre Robson emite em
suas verborragias televisivas e, com aquele ar de resignado e parcimonioso
servidor, humildemente solícito e pronto para fazer o que o divino pai eterno
lhe pede: abençoar a água que os devotos colocaram sobre os televisores, a fim
de que eles possam sorver aos ínfimos e pausados goles aquele precioso néctar
divino, e assim, captar toda a plenitude das forças dos mais escondidos
segredos dos altos céus, contidos nesta generosa dádiva da oferenda divina.
Junto com os rituais de ambíguas apelações religiosas,
sempre vêm discretamente explicitado o que o divino pai eterno espera em troca
do seu gratuito e espontâneo procedimento milagroso: que os fiéis agraciados
com a água abençoada façam generosas doações, tanto quanto lhes é possível, em
favor da construção da sua nova e futura residência, logo ali, no santuário de
Trindade. Porventura, não estaria ele, o divino pai eterno, sendo merecedor da
melhor residência deste paradisíaco “berço esplêndido” que é o Brasil?
Em troca da benfazeja oferta em favor
da merecida e suntuosa residência, ele, o divino, já adianta algum sinal de
cortesia, - o que já deve ter aprendido com políticos brasileiros – e deixa
escorrer meloso como o mel sobre as barbas do novo profeta, a prateada água que
faz borbulhar milagres de dar inveja aos outros que não sorvem estes preciosos
goles impregnados de virtualidades espirituais, mas, fortes como torrentes de águas
caudalosas. Tudo isto, contido num copo de água, deixado sobre o televisor.
Afinal, não mereceria tal
benemerência divina também uma proporcional fartura de rituais, de piedosas
inclinações, de genuflexões e malabarismos de gestos, a fim de solenizar a
degustação prazerosa desta essência exotérica de milagres e graças?
A torrente de irradiação dos estupendos
poderes divinos e milagrosos, que atalham os outros penosos caminhos da fé daqueles
que, no discipulado de Jesus Cristo desejam encontrar alento, motivações e as
mínimas forças para ainda apostar num mundo melhor, promove dona Benta a tão
fácil e fictício poder superior.
Por presumir-se privilegiada neste
caminho emotivo, fácil e intimista, dona Benta se constituiu a si mesma no
patamar hegemônico da espiritualidade da comunidade católica. É, no entanto,
uma espiritualidade que a torna vaidosa, cheia de si mesma e gulosa, a ponto de
propiciar um estranho visual, uma vez que seus óculos se parecem a uma
pequenina fresta na parede e salientam sobre os avermelhados pômulos faciais, a
aparente fissura, por onde dona Benta visualiza tudo o que se passa no derredor.
Este olhar escondido indica, todavia, uma analogia dos antolhos que limitam sua
visão, porquanto enxerga tudo pela frincha fixa que propicia, apenas e
inevitavelmente, a mesma visão parcial: tudo o que é novo e diferente do que pensa,
está errado!
Sob a aparente, santa e piedosa
enlevação divina, dona Benta desperta nas pessoas mais sentimentos de consternação
do que de encantamento pela leveza do seu coração. Afinal, poderia viver mais feliz,
dar-se bem com os filhos e com a vizinhança. Nas suspeitas sobre dona Benta persiste
uma dúvida: será que ainda chegará um dia a persuadir-se de que pode trilhar um
modo de vida bem mais simples e bem mais humana, capaz de transluzir a
premonição de “um novo céu e de uma nova terra” e não apenas o cego obstinado
poder?
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