Na fenomenal
capacidade de dramatizar, dona Brunilda mostra-se muito além e acima do que
acontece com as outras pessoas. Sob a aparente e introvertida moderação, as descrição
das façanhas, levam-na, contudo a se assemelhar a um controle remoto de duas
teclas: acionar uma delas, desperta sua falácia sobre doenças, bem como as
correspondentes curas milagrosas; e, se for acionada a outra tecla, só fala de
grandezas e megalomanias do que fez. Nelas, todavia, deixa transluzir o que se
torna muito escancarado e evidente: sua histeria histriônica de dramatizar tudo
além das medidas.
Sob a
eventual alusão de fato que venha a acionar a tecla da doença, dona Brunilda
manifesta uma peculiaridade precípua: diante de qualquer informação ou
comentário de alguém, relativo à doença ou enfermidade de outra pessoa, - seja internada
no Hospital, envolvida num acidente, ou acamada em casa, - encampa
imediatamente o assunto e envereda para a narrativa, com todas as minudências e
intermináveis floreios, como lidou com esta inusitada enfermidade, de sintomas
similares, mas, de efeitos ainda mais graves e de riscos muito mais amplos do
que aquela informação mencionada.
Dona Brunilda entra rápida no auge da
exuberância patética e desanda a descrever enfaticamente como seu caso foi do
limiar entre vida e morte, e, o que é mais bombástico, como sobreviveu, graças
a um pequeno detalhe, aparentemente secundário, e que até o presumido médico, o
melhor que se conhece na área, interpretou como o mais lídimo e espetacular
milagre do qual tem conhecimento.
A voz de
dona Brunilda chega a ficar embargada quando passa a narrar cenas e ocorrências
fantasiosas, abundantes lágrimas vertem dos olhos e seu semblante vai se
ruborizando gradualmente até acabar em momentos de choro, porém, misturados com
a efusiva conversa, solta, fluente e impregnada daquele ar de comoção de quem,
na verdade, está apenas querendo embasbacar através da mendicância de afeto e
atenção.
O
desencadeamento das descrições mirabolantes em torno dos imprevistos, dos
detalhes e dos contratempos ocorridos na tragédia de dona Brunilda, costuma não
apresentar espaços para uma eventual interlocução. O assunto somente pode vir a
ser interrompido com o a introdução supina de outra conversa: como a de perguntar
algo de outro tema, ou para desculpar-se com a menção de outro assunto antes de
esquecê-lo, ou ainda, para alegar a necessidade de ir rapidamente embora a fim
de atender outro compromisso urgente. Enquanto isso, a histriônica prossegue a
narrativa de pelo menos mais um detalhe dramático do extraordinário episódio
ocorrido com ela.
O
impressionante das ladainhas descritivas dos casos de enfermidade, é que as
poças de sangue são sempre maiores do que a quantia total que poderia circular
pelas veias da pessoa envolvida. Assim, dona Brunilda mente de forma altamente
escancarada e realmente consegue confundir e persuadir as pessoas a ponto de
levá-las a acreditar que suas descrições sejam pelo menos parcialmente
verídicas. Nestas enrustidas manobras chama atenção de qualquer forma: ou pela
compaixão e complacência que procura atrair sobre si com a dramaticidade dos
sofrimentos, ou ainda pela forma como foi prestimosa e humanitária na prestação
de serviço que salvou e que curou as pessoas das quais fala. É o chá que ela
fez; é o comprimido extraviado que achou por um acaso, ou a técnica que utilizou
no procedimento.
Certo dia,
acometida por um panarício no dedo indicador, fez este dedo tornar-se ao longo
de muitas semanas o único e central assunto de suas conversas e gerar certa
consternação e empatia coletiva da comunidade. Com o dedo envolto em fartas
ataduras, sabia dona Brunilda, como somente ela, explorar o universo escondido
e misterioso sob aquele curativo e recontar os incontáveis imprevistos decorrentes
desta pequena faceta do dedo: desmaios decorrentes das dores insuportáveis,
entradas em coma; inúmeras cirurgias, remoções a Unidades de Tratamento
Intensivo e a transferência para, finalmente, com os melhores médicos da
capital, ser milagrosamente desviada da morte iminente.
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