Como poderia
dona Brunilda estar constituída em histriônica enrustida? A aparente
contradição deve-se ao fato de que toda a grandeza exteriorizada parece indicar
uma realidade diametralmente oposta, porque está sempre voltada para o âmago da
sua interioridade, e, nesta introspecção, futrica todos os dias na mesma
labilidade de carências que não consegue preencher.
A partir de
algumas deduções hermenêuticas clássicas, dona Brunilda poderia ter sido criada
com excessiva repressão sexual. No entanto, ao contrário da indicação
psicoterápica freudiana, a compensação desta repressão parece não ter surtido o
necessário efeito de diminuição da insaciável necessidade de se fazer
importante.
Dona Brunilda casou, gerou filhos,
chifrou o marido por longo tempo e, como troféu desta conquista, muitos velhos
barbados se jactam de ter desfrutado das suas intimidades.
A alegação
médica de sofrer de fibromialgia concede à dona Brunilda uma carapuça muito
confortável para justificar as dores inigualáveis que suporta em seu corpo.
Seriam também as causas das paralisias bloqueadoras que a prendem por logos
dias e semanas ao leito, como num último e sôfrego pedido de afeto e atenção?
Talvez nem mesmo
as explicações de Freud se mostrariam suficientes para elucidar o motivo dos
estranhos sintomas de dores e paralisias, mas, dona Brunilda vive procurando
orientações psicológicas e sabe, tanto quanto os psiquiatras, explicar com
detalhados comentários, todas as pequenas nuances das extraordinárias dores que
a afetam por todos os lugares do corpo, mas, também não deixa passar ao léu as
possibilidades de falar dos desencantos diante de quem não lhe propiciaram o
almejado prazer. E se as lamúrias desandam em torno dos que a ferram por trás,
tampouco a levam a exigir outro lado e outros procedimentos. Dona Brunilda
torna-se, todavia, insistente para receber um parecer ou sugestão a respeito do
assunto abordado. O não fornecimento de explicações causa-lhe imediata alteração
fisionômica para demonstrar insatisfação e passa a apelar sobre o porquê não
constituir-se merecedora de mais atenção.
Confessar a
incapacidade de ajudá-la e sugerir-lhe consulta de profissional da área
psiquiátrica ou psicoterápica, como muitos psiquiatras e psicólogos já fizeram
com ela, leva-a sempre à mesma artimanha de insistir com as mais enfáticas e convincentes
apelações, de que está ali, precisamente porque eles a teriam remetido e que somente
ali encontraria alívio e cura. Semelhante ao carrapato que não solta o couro
por qualquer ameaça, Brunilda sabe bajular com farta redundância para assegurar
que é ali o melhor lugar para tratar-se com o melhor profissional, e, o único
capaz de resolver seu transtorno.
Como a aranha
tenta encontrar vítimas desatentas para prendê-las na teia, dona Brunilda,
tenta constantemente fazer circunlóquios para contar e recontar a gênese das
suas dores. Em meio às lágrimas, consegue cruzar os limites das lamúrias e
mescla fartas narrativas de auto-engrandecimento e rompantes sobre tudo quanto
produz no trabalho e em favor das pessoas. Parece que a salvação do mundo
depende precipuamente dela.
Em suma,
dona Brunilda anda todos os dias à procura de ajuda que possa solucionar seu
caso, - que ela mesma considera dificílimo, - mas, evidencia claramente e por
razões talvez inconscientes, que não deseja nenhuma ajuda. Quer somente
sentir-se uma ninfa a ocupar a atenção de alguém que lhe facilite devaneios em
torno das grandezas da dor ou das megalomanias do que fez e faz. Uma
histriônica que sabe dramatizar grandes fantasias.
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