domingo, 9 de fevereiro de 2014

A histriônica enrustida III



            Como poderia dona Brunilda estar constituída em histriônica enrustida? A aparente contradição deve-se ao fato de que toda a grandeza exteriorizada parece indicar uma realidade diametralmente oposta, porque está sempre voltada para o âmago da sua interioridade, e, nesta introspecção, futrica todos os dias na mesma labilidade de carências que não consegue preencher.
            A partir de algumas deduções hermenêuticas clássicas, dona Brunilda poderia ter sido criada com excessiva repressão sexual. No entanto, ao contrário da indicação psicoterápica freudiana, a compensação desta repressão parece não ter surtido o necessário efeito de diminuição da insaciável necessidade de se fazer importante.
Dona Brunilda casou, gerou filhos, chifrou o marido por longo tempo e, como troféu desta conquista, muitos velhos barbados se jactam de ter desfrutado das suas intimidades.
            A alegação médica de sofrer de fibromialgia concede à dona Brunilda uma carapuça muito confortável para justificar as dores inigualáveis que suporta em seu corpo. Seriam também as causas das paralisias bloqueadoras que a prendem por logos dias e semanas ao leito, como num último e sôfrego pedido de afeto e atenção?
            Talvez nem mesmo as explicações de Freud se mostrariam suficientes para elucidar o motivo dos estranhos sintomas de dores e paralisias, mas, dona Brunilda vive procurando orientações psicológicas e sabe, tanto quanto os psiquiatras, explicar com detalhados comentários, todas as pequenas nuances das extraordinárias dores que a afetam por todos os lugares do corpo, mas, também não deixa passar ao léu as possibilidades de falar dos desencantos diante de quem não lhe propiciaram o almejado prazer. E se as lamúrias desandam em torno dos que a ferram por trás, tampouco a levam a exigir outro lado e outros procedimentos. Dona Brunilda torna-se, todavia, insistente para receber um parecer ou sugestão a respeito do assunto abordado. O não fornecimento de explicações causa-lhe imediata alteração fisionômica para demonstrar insatisfação e passa a apelar sobre o porquê não constituir-se merecedora de mais atenção.
            Confessar a incapacidade de ajudá-la e sugerir-lhe consulta de profissional da área psiquiátrica ou psicoterápica, como muitos psiquiatras e psicólogos já fizeram com ela, leva-a sempre à mesma artimanha de insistir com as mais enfáticas e convincentes apelações, de que está ali, precisamente porque eles a teriam remetido e que somente ali encontraria alívio e cura. Semelhante ao carrapato que não solta o couro por qualquer ameaça, Brunilda sabe bajular com farta redundância para assegurar que é ali o melhor lugar para tratar-se com o melhor profissional, e, o único capaz de resolver seu transtorno.
            Como a aranha tenta encontrar vítimas desatentas para prendê-las na teia, dona Brunilda, tenta constantemente fazer circunlóquios para contar e recontar a gênese das suas dores. Em meio às lágrimas, consegue cruzar os limites das lamúrias e mescla fartas narrativas de auto-engrandecimento e rompantes sobre tudo quanto produz no trabalho e em favor das pessoas. Parece que a salvação do mundo depende precipuamente dela.

            Em suma, dona Brunilda anda todos os dias à procura de ajuda que possa solucionar seu caso, - que ela mesma considera dificílimo, - mas, evidencia claramente e por razões talvez inconscientes, que não deseja nenhuma ajuda. Quer somente sentir-se uma ninfa a ocupar a atenção de alguém que lhe facilite devaneios em torno das grandezas da dor ou das megalomanias do que fez e faz. Uma histriônica que sabe dramatizar grandes fantasias.

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