As duas
características basilares do seguimento de Cristo encontram dificuldades
especiais em nossos dias porque a insinuação da autonomia leva-nos a ficar
distantes do discipulado de Cristo e a dar pouco ouvido à sua palavra.
Aceitamos apenas o que é conveniente, simpático, prazeroso ou confortável. Por
isso, preferimos um Cristo totalmente divino, mágico ou o dos enlevados climas
de emoção e louvor, mas, relegamos sua interpelação de agir positivamente para
ampliar as comunidades e acrescentar qualidade à condição humana.
A intuição
de um dos patriarcas da constituição do povo de Israel, Abraão, revelou-lhe que,
a fé em Deus, implicaria em proteger a vida. Segundo o costume dos seguidores
do deus Molloch, quando um casal matasse o filho primogênito em sacrifício para
louvar Molloch, este devolveria a graça de grande número de outros filhos.
Abraão deixou de obedecer ao costume e fez prevalecer uma atenção à vida de seu
filho Isaac, e, no bom-senso da época, sacrificou um cordeiro em seu lugar.
Hoje até podemos questionar este tipo de
vitimalismo expiatório, pois, entendemos que não é conveniente tal deslocamento
para agradar a Molloch ou a Deus, que conhecemos através de Jesus Cristo. No
entanto, parece que os sacrifícios humanos em nossos dias continuam abundantes,
de formas muito variadas, e, geralmente, dependendo de meros interesses de
pais: fetos e embriões são eliminados como coisa banal.
No segundo testamento da Bíblia, um
episódio que envolveu Pedro Tiago e João (Mc 9,2-10) revela a grandeza de saber
escutar com atenção e, ao fazer isso diante de Jesus em momento de oração, eles
constataram que Jesus era totalmente distinto do que eles tinham imaginado a
respeito dele.
O destaque da veste branca fazia lembrar
dedicação e martírio; a imagem de Moisés e Elias indicava o modo deles,
parecidos ao modo de Jesus atuar em meio aos conflitos, pois, como eles, e,
mais do que eles, agia positivamente em favor das vítimas que não interessavam
ao sistema dominante.
Pedro certamente não tinha percebido
este traço essencial de Jesus Cristo e, por isso mesmo, quis permanecer naquele
lugar elevado. Movido pelo desejo de ser feliz sozinho – como tantos se movem
em nossos dias – entendeu que o projeto de Jesus Cristo era bem diferente e que
não implicaria em descer da montanha para agir, como Cristo, e contribuir para
sua missão no meio do povo. Num estranho paradoxo, vemos tantos cristãos
católicos de nossos dias correrem obcecados para retiros e lugares altos dos
santuários, a fim de preencherem seus anseios intimistas, sem sequer constatar
quaisquer conflitos e, muito menos, as tramas que levam à morte tantas vítimas
inocentes e indefesas.
A tentação de Pedro continua a constituir a nossa grande
tentação: a da religião fácil, motivada para subir ao alto das conquistas
pessoais, mas, não para descer à fragilidade humana e ser solidário com os
sofredores. Esta busca, no entanto, pode, como em Pedro, transfigurar nosso
rosto e nosso modo de entender a fé e levar-nos a descer num processo de
conversão, a fim de agirmos de formas mais parecidas com as de Jesus Cristo.
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