quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Discipulado e obediência



            As duas características basilares do seguimento de Cristo encontram dificuldades especiais em nossos dias porque a insinuação da autonomia leva-nos a ficar distantes do discipulado de Cristo e a dar pouco ouvido à sua palavra. Aceitamos apenas o que é conveniente, simpático, prazeroso ou confortável. Por isso, preferimos um Cristo totalmente divino, mágico ou o dos enlevados climas de emoção e louvor, mas, relegamos sua interpelação de agir positivamente para ampliar as comunidades e acrescentar qualidade à condição humana.
            A intuição de um dos patriarcas da constituição do povo de Israel, Abraão, revelou-lhe que, a fé em Deus, implicaria em proteger a vida. Segundo o costume dos seguidores do deus Molloch, quando um casal matasse o filho primogênito em sacrifício para louvar Molloch, este devolveria a graça de grande número de outros filhos. Abraão deixou de obedecer ao costume e fez prevalecer uma atenção à vida de seu filho Isaac, e, no bom-senso da época, sacrificou um cordeiro em seu lugar.
 Hoje até podemos questionar este tipo de vitimalismo expiatório, pois, entendemos que não é conveniente tal deslocamento para agradar a Molloch ou a Deus, que conhecemos através de Jesus Cristo. No entanto, parece que os sacrifícios humanos em nossos dias continuam abundantes, de formas muito variadas, e, geralmente, dependendo de meros interesses de pais: fetos e embriões são eliminados como coisa banal.
No segundo testamento da Bíblia, um episódio que envolveu Pedro Tiago e João (Mc 9,2-10) revela a grandeza de saber escutar com atenção e, ao fazer isso diante de Jesus em momento de oração, eles constataram que Jesus era totalmente distinto do que eles tinham imaginado a respeito dele.
 O destaque da veste branca fazia lembrar dedicação e martírio; a imagem de Moisés e Elias indicava o modo deles, parecidos ao modo de Jesus atuar em meio aos conflitos, pois, como eles, e, mais do que eles, agia positivamente em favor das vítimas que não interessavam ao sistema dominante.
Pedro certamente não tinha percebido este traço essencial de Jesus Cristo e, por isso mesmo, quis permanecer naquele lugar elevado. Movido pelo desejo de ser feliz sozinho – como tantos se movem em nossos dias – entendeu que o projeto de Jesus Cristo era bem diferente e que não implicaria em descer da montanha para agir, como Cristo, e contribuir para sua missão no meio do povo. Num estranho paradoxo, vemos tantos cristãos católicos de nossos dias correrem obcecados para retiros e lugares altos dos santuários, a fim de preencherem seus anseios intimistas, sem sequer constatar quaisquer conflitos e, muito menos, as tramas que levam à morte tantas vítimas inocentes e indefesas. 
A tentação de Pedro continua a constituir a nossa grande tentação: a da religião fácil, motivada para subir ao alto das conquistas pessoais, mas, não para descer à fragilidade humana e ser solidário com os sofredores. Esta busca, no entanto, pode, como em Pedro, transfigurar nosso rosto e nosso modo de entender a fé e levar-nos a descer num processo de conversão, a fim de agirmos de formas mais parecidas com as de Jesus Cristo.


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