quarta-feira, 17 de setembro de 2014

A meritocracia das recompensas



            Desde muito cedo somos induzidos, pelos ambientes sociais do nosso entorno, a pressupor que tudo possa ser negociável: qualquer feito, serviço, ou gesto, deve corresponder a um poder de barganha com vistas a obter algum benefício ou alguma vantagem. Até mesmo nas relações afetivas do ambiente doméstico, o jogo implica em expectativas de recompensa por qualquer préstimo ou favor que venha a ser feito.
            Este cotidiano do “tudo comercializável” facilmente interfere nos modos de vivência na comunidade cristã. Assim, qualquer ajuda ou colaboração em favor da comunidade implica em alguma perspectiva de retorno. Para muitos, até mesmo a exposição mais notável em celebrações os leva a esperar recompensa, se não de elogios e benemerências, pelo menos, muitos votos para cargos políticos.
            Como o dia-a-dia é de comercialização, não custa passar ao atributo de que Deus esteja envolvido no mesmo jogo. Suplica-se, pede-se, implora-se, mas sempre em favor de uma intercessão, vista como merecida. E ai de Deus se não for muito rápido na concessão do que lhe fora pedido! E quanta conversa de gente a se lamentar contra a ineficiência de Deus!
            Numa historinha contada por Jesus transparece o jeito de Deus totalmente distinto no modo de agir (Mt 20,1-16): os contratados para trabalhar na vinha foram recebendo o salário combinado, e, mesmo os últimos, que trabalharam apenas um pouquinho, receberam pagamento similar ao daqueles que foram pagos por terem trabalhado muitas horas antes, e, a mais.
            A meritocracia presente nas comunidades em torno dos eventuais serviços em favor do bem comum chega a ser notável em nossos dias. Em primeiro lugar, já são muito reduzidos os membros de uma comunidade que ainda se dispõem a efetuar algum serviço gratuito. E quando o aceitam, geralmente, por curto espaço de tempo, costumam declarar com um ar de superioridade moral: eu fiz minha parte! Agora é a vez de outros também mostrarem gratuidade e suar um pouco pela comunidade.
            A historinha contada por Jesus Cristo certamente visava membros do seu discipulado, que gestaram as comunidades cristãs, porque já manifestavam traços desta conduta de espera de retribuição por eventuais ações em favor do bem comum. Parece que Jesus Cristo lhes deu a entender que se deve trabalhar sempre, e por puro dom numa comunidade. Assim, os novos membros que a ela se agregam, mesmo tendo feito pouco ou nada, são levados em conta por Deus da mesma forma como são levados em conta os que já atuam há muitos anos ou décadas.
            Por conseguinte, os méritos de quaisquer atos ou gestos em favor da comunidade não devem visar recompensas e nem mesmo a espera de especiais vantagens da parte de Deus. Devem ser feitos, por gratuidade, como resposta ao amor de Deus.

            

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