sábado, 26 de julho de 2025

O INVENTOR MALOGRADO

 


Apresentação

 

            José Malaquias estava dormindo. Acordou, sem saber como e porquê, mas, constatou que estava exultando de alegria. A memória lhe permitiu lembrar, somente, que estava escutando seu amigo Osvaldo a lhe contar uma anedota sobre a insignificância do ser humano poderoso. Empenhou-se para voltar ao sonho, no insistente desejo de recuperar o fio da meada daquela alegria espontânea, e, simplesmente não conseguiu localizar o devido acesso.

Andou insistindo para reatar a conversa gestora da alegria, no trilho do mato escuro da fantasia, porém, nem ali encontrou a chave da reatância à alegria do sonho. Acordado, e ainda extasiado com a gratuidade daquela alegria, deduziu que interações humanas, plausíveis de causar exultações de alegria, poderiam ser incomparavelmente mais benéficas à vida do que ideais dominantes que levam ao investimento de trilhões de dólares na trágica sofisticação de armas letais para destruir pessoas.

Na estupidez que costuma anteceder as guerras, revela-se o sumiço da cordialidade, esta que não carece de investimentos astronômicos em armas para ameaçar, intimidar, subjugar e matar. No entanto, muito acima do poder das armas, a cordialidade aviva o sonho, real e consciente, capaz de apontar para uma convivência de seres humanos, com menos ódio, menos sisudez, e com muito maior capacidade de fruir, e, sem nenhuma investidura honorífica para pessoas militarizadas, com equipamentos e armas de destruição.

José Malaquias, não nasceu com dotes geniais, mas, no ambiente rural da sua infância, sonhou com muitas obras e edificações do mundo fantasioso. Viu, no entanto, que a maior parte dos sonhos não se viabilizou por falta de equipamentos necessários, especialmente, os precípuos para fazer rodas, eixos, volantes, freios e estofamentos para um pequeno carrinho de madeira, ou, fabricar uma bola menos quadrada que as bolas feitas com barbante e pano, únicas ao seu alcance empreendedor.

Um dia José viu, numa revista, a imagem de um automóvel encantador, com espaço interno para apenas uma criança motorista. Resolveu fabricar um auto similar, mas, faltou literalmente tudo o que se fazia necessário. Teve que conformar-se em andar no seu cavalo, feito com cabo de vassoura, mas, que na imaginação, corria, empinava, troteava e deslizava em marchas suaves.

José cresceu com múltiplas tentativas malogradas de inventar algo útil e prático. A certa altura dos estudos, suspeitou que era possuidor de poderes paranormais para captar quais questões cairiam nas provas através da movimentação de um pêndulo. Não acertou nenhuma questão sequer.  Assim fez muitas outras tentativas pelo mundo das fantasias, mas, todas acabaram definhando antes de se tornarem uma utilidade para facilitar algo do senso prático e objetivo das lidas de cada dia.

 

1

Um “Estoura-Som”

 

Um dia, conversando com um técnico da Siemens, da Alemanha, que veio instalar um aparelho de Raio-X em Januária, Minas Gerais, José se encantou profundamente com uma narrativa deste técnico. Desejou gravar e comer as explicações sobre como ele resolveu um problema de abuso de som do seu vizinho, mas, não assimilou os necessários passos, porque não entendia nada de eletrônica. Tal assunto fascinante, viria, contudo, ao encontro de uma solução para o que José mais se implicava: o abuso de sons, a elevadíssimos decibéis.

O alemão lhe contou minuciosamente como agiu para silenciar o som abusivo, produzido na casa do seu vizinho, exibido e desaforado. Explicou que inventou um aparelhinho simples, portátil, quase similar ao do controle eletrônico de portões, porém, capaz de potencializar o volume do som de um aparelho à capacidade máxima possível, de supetão, e que, com isso, estourava, instantaneamente, os alto-falantes daquela caixa de som.

O alemão comentou o desconforto que sentia toda vez que era obrigado a suportar um som irritante pelo volume excessivo. Seu vizinho, metido a doido varrido, chegava do serviço, colocava o aparelho de som na varanda e soltava uma música, além de chata, em volume astronômico.

Num belo dia, quando este vizinho se sentou ao lado da caixa de som, e, enquanto tomava sua cerveja, o técnico apertou o controle do seu aparelhinho e pode ouvir, no mesmo instante, o estouro da caixa de som do dito vizinho.

O vivente esbravejeou e deu um soco na mesa, mas, não saiu mais som daquela caixa. No dia seguinte, na mesma hora, iniciou-se o mesmo ritual de música exaltada com caixa de som nova, maior e diferente. O simples aperto no aparelhinho, queimou a caixa de som, da mesma forma, como no dia anterior. Como o vizinho irritador era persistente na sua teimosia, no terceiro dia, estava ele, outra vez, sentado na varanda, com as pernas para o ar, tomando cerveja e vagando no som alucinado, com outro enorme equipamento amplificador de música. Bastou mais um aperto no aparelhinho e já começou a irradiar-se um silêncio daqueles bons e agradáveis. A partir daquele dia, nunca mais se ouviu som na casa deste vizinho.

José Malaquias ficou fascinado pelo assunto do técnico alemão em aparelhos de Raio-X, e já pensou em conseguir silenciar os grandes abusadores acústicos de festinhas, nas altas horas da noite, e o som daquela bateção maluca de tambores irradiados em sons automotivos dos carros da rapaziada que queria exibir-se como “filhos de papai rico” e, ainda, daquelas chatérrimas e irritantes propagandas de publicidade comercial nas ruas. A possibilidade de poder amenizar esta poluição acústica, invasiva e desrespeitosa, seria um préstimo inaudito, capaz de proporcionar ajuda e benefício enorme à qualidade da vida humana.

Como José não entendia nada de eletrônica, nem adiantaria fazer alguma tentativa para fabricar tal aparelhinho. No entanto, ficou com a ideia. Logo pensou em encontrar um técnico eletrônico para lhe pedir a fabricação de tal aparelhinho com a idealizada ideia, no desejo de patenteá-la e ficar rico com a venda do seu “Estoura-Som”. Até imaginou que para patentear este invento, de suma preciosidade para viver em ambientes menos abusados por sons absurdos, este somente acionaria seu poder destrutivo, a partir do limite dos decibéis permitidos pela legislação em vigor, mas, não observada.

Buscas de lojas de reparos eletrônicos e explicação do que desejava, frustraram José Malaquias, pois, eles consertavam e adaptavam peças de todo jeito, mas, não sabiam como produzir e acionar um disparo do volume de uma caixa de som ao máximo, à distância, a ponto de estourá-la. Um dia, animou-se com uma nova possibilidade: encontrou um rapaz de família conhecida, que acabara de passar no vestibular de Robótica.

Foi lá e fez uma exigência categórica ao rapaz: você tem que descobrir, do jeito quer for possível, - ao longo dos anos da Faculdade, - a técnica de fazer um pequeno dispositivo para estourar caixas de som. Peça para os professores, e, depois, nós vamos criar uma empresa, que, com certeza, vai alcançar prosperidade fora do comum.

Toda vez que José Malaquias encontrava o rapaz, este sempre voltava com a informação de que nem sequer os professores sabiam apontar um modo de como fazer tal aparelho. O rapaz se formou em Robótica, virou técnico exímio em controles remotos, mas, nada que acrescentasse algo à esperança de um “Estoura-Som”.

O pior para José Malaquias era lembrar que poderia ter solicitado o endereço ou telefone do perito alemão. Sob este lapso de atenção, perdeu a possibilidade de escrever-lhe, e este poderia fornecer-lhe os passos para o utilitário de poder fantástico. O grande desejo se esbugalhou e virou em nada. Mais um possível empreendimento malogrado.

2

Um Corrupticida

 

Passado mais um tempo, diante do quadro de noticiários enchendo a cabeça com informações relativas a atos escancarados de corrupção, José Malaquias projetou, na área da saúde, a invenção de um comprimido barato, bom e eficaz, contra político corrupto.

Seria o valioso “Corrupticida”. Teria que ser uma ingestão forçada como aquelas de antigos medicamentos contra vermes, quando ele era criança. Ainda que o político não gostasse, teria que ingerir, na marra, o comprimido, e limpar a imundície da sua atrevida presunção daquela acumulação doentia, advinda das suas entranhas. Foi bem naquele período em que pseudocientistas indicavam Ivermectina contra a terrível pandemia da Covid, sem nenhuma eficácia. Teria que ser uma medicação em pílulas, capaz de eliminar as megalomaníacas parolas de autoridades constituídas; mas, os laboratórios sequer se entendiam sobre o como combater a pandemia da Covid e elaborar remédio eficaz contra sua infestação.

José Malaquias percebeu que, neste campo, ocorre muito colonialismo de grandes donos de fármacos, verdadeiros imperialistas a controlar e insinuar o consumo medicamentoso. Afinal, ali o fracasso seria evidente mais uma vez. Começou, então, a indignar-se com a manipulação grosseira e massiva da dominação das mentes humanas para fins eleitoreiros e de oportunismo selvagem no campo da política.

 As interferências transnacionais, os manipulados cultivos de ódio contra adversários, a determinação pelo pensamento único, a fim de perseguir e eliminar os discordantes, constituíam uma poluição sonora das piores possíveis.  José Malaquias anteviu a urgente necessidade de baixar o nível de animosidade, presente no clima geral na sociedade, e, propensa ao quadro de guerra, com militarismo acima do bem e do mal.  Em nada visualizava indício favorável ao desvelo pelo bem-estar dos cidadãos, mas, tão somente, o exercício da força bruta sobre indefesos. Seu Zé divagou sobre a possibilidade de criar-se um comprimido contra esta monstruosidade humana.

 Ao lado da morbidez dos mais poderosos deste planeta por matar similares, e da sua pretensão doentia pela acumulação, deveria este mecanismo anormal ser amainado, sem delongas, através de alguma pílula, com efeito similar ao da recomendada a psicóticos, paranoicos, fóbicos, esquizofrênicos e supermachos, a fim de frear suas compulsões hiper-ativadas.

Na sua inquietude por indicar, pelo menos, alguma coisa que pudesse diminuir ódios vociferantes, e alargados pelas fake-news, como terror a invadir as mentes humanas pobres, infensas e ordeiras, via que esta ação estava produzindo seres humanos monstruosos. Estes se moviam precipuamente para dominar através do bombardeio de informações falsas, com notícias canalizadas nos parâmetros da diabólica obsessão do pensamento único.  Na intuição do Zé, teria que se produzir um calmante capaz de amenizar este desvario pelo poder de mandar.

Algo humano, mas, totalmente irracional estava sendo esta briga de certos indivíduos pela conquista de um posto, ou de um cargo no poder instituído, com a pressuposição de somente trabalhar pelo bem do povo ou de setores da sociedade, mas que, - depois -  não admitiria jamais largar o osso do carguinho, tornando-se, gradualmente, mais mentiroso que antes, passando a mão nos lugares indevidos, e fazendo de tudo para não mais deferir este poder a outros.

 

3

Um inversor de ódio

 

José Malaquias intuiu que se fazia necessário inventar um aparelhinho eletrônico a ser instalado, ao lado das cordas vocais, com a dupla função: a primeira, inverter falas agressivas e odiosas, por palavras meigas e acolhedoras; a segunda, instalar, paralelamente, um micro-chip na ponta do nariz, capaz de piscar em pequeno ponto de luz vermelha, toda vez que o político vociferasse contra supostos adversários, apenas para afirmar-se como melhor, superior e mais ambicioso.

Assim como já existe largo uso de tradutores de línguas, o salto para um inversor de ódios, seria a mais exuberante boa notícia.

Essa teatralidade insuportável da maior parte dos estabelecidos no poder, - que encena lisuras e bondades, nos ditames do velho vício paternalista, -  estaria gerando uma sociedade submissa, e a deixava refém dos espoliadores, já desprovidos dos genuínos bons sentimentos humanos.

Além daqueles aparelhinhos da micro-engenharia, seria plausível produzir outro remédio auxiliar de um receituário mais homeopático: todo serviço exercido em cargos públicos, deveria ser pago. Ao contrário dos super-salários, que eles estabelecem para suas vantagens e privilégios, quanto mais elevado o cargo do poder, mais eles teriam que pagar, todo mês, para o exercício da sua função, e, este dinheiro teria que ser destinado, integralmente, à coletividade. Seria, por conseguinte, uma sociedade mais democrática do que a vigente.

O fracasso deste delírio se evidenciou antes mesmo de vir a constituir-se em eventual projeto, pois, sem a bênção das grandes mídias, ele nem se viabilizaria e, nem, tampouco, entre os frangos do galinheiro do José Malaquias. Restaria ainda uma última chance de colaborar para a diminuição drástica dos ódios humanos, ampliados pela fantasia, justificados como necessários, e, exercidos para legitimada destruição de pessoas insubmissas.

4

Chá de Alfafa

 

Como os grandes mecanismos de ordem para manter paz entre similares humanos, quer religiosos, políticos, ou os da guerra, se delineiam como insuficientes e, literalmente ineficientes, José Malaquias intuiu algo mais discreto, haurido do mundo do curandeirismo. Um chá caseiro, fácil de ser cultivado e sem grandes custos, poderia evidenciar-se, alastrar-se, e, qual virose invasiva, chegar aos mais abscônditos confins do planeta.

Como tanta propriedade terapêutica é extraída de plantas, José Malaquias se enfurnou em torno das propriedades e dos múltiplos poderes da alfafa, específicos contra a sintomatologia das piores mazelas humanas da atualidade.

O chá de alfafa permitiria o “pulo do gato” para uma grande guinada na humanidade, porquanto devolveria o juízo da cabeça – há tempo deslocado para as tripas, -  a regressar ao seu nobre espaço, no oco da cabeça vazia.

A má digestão das discordâncias e das sugestões edificantes para uma convivência, cordial e serena, ante aumento do machismo exacerbado, o azedume de um fígado mal orientado pela bílis dos incontáveis raivosos de nossos dias, tudo isso, - que vem lá de baixo, - teria que encontrar ação de antídoto, para permitir que o juízo volte ao seu específico lugar do cérebro, sob a boa assessoria do coração, capaz de propulsionar bons sentimentos humanos.

Todas estas mazelas doentias, que se estabeleceram no submundo das entranhas, poderiam ser radicalmente acalmadas com um simples chá de alfafa.

Alfafa seria a estrela a orientar o caminho na escuridão do deserto humano. Suas múltiplas funções terapêuticas, tão pouco conhecidas, poderiam conter o segredo, ainda não desvendado, para um convívio pacífico entre seres humanos. Seu primeiro e mais importante efeito, atingiria os metidos a supermachos, pois, o chá de alfafa é, certamente, o melhor “brochante”, embora poucos o conheçam por tão valiosa propriedade.

O segundo efeito miraculoso do chá de alfafa está na sua ação calmante, tão sumida das interações humanas. Acalmar os ânimos mal-humorados, raivosos e vingativos, seria uma mediação capaz de mudar substancialmente as falas e os discursos políticos.

O terceiro efeito, imprescindível para o desarmamento da bílis negra que joga azedume no fígado e não deixa que o estômago, com todos os seus exércitos de micro-organismos, consiga digerir os desrecomendados alimentos super-processados, regados com a saliva das maldades humanas de inventar e ruminar fofocas, sob o excelente poder digestivo, permitiria que o chá de alfafa pudesse propiciar benefício incalculável ao gênero humano.

Uma quarta propriedade do chá de alfafa está no seu espantoso poder de fazer mulheres aumentarem a produção de leite. Com tanta criança subnutrida com a ingestão de leites da química dos interesseiros lucros, o abundante leite materno, criaria crianças saudáveis, com os necessários anti-corpos, para conviver com a imensurável presença de micro-organismos, a ponto de crescerem fortes, sadias e predispostas, mais para a ludicidade e lazer, do que para o induzido mapeamento diário do pensamento único de viver para matar, tão exaltado na venda dos brinquedos de armas de guerra. Se o principal brinquedo é o de super-heróis que apenas matam, poderia, este precioso tempo duma amamentação, combater a aparente e inocente ocupação em celulares com joguinhos que fazem seus cérebros se deslocarem para algum lugar do estômago para baixo, aprender algo precípuo e fundamental do ser humano.

O leite materno, com o equilíbrio dos anti-corpos, poderia repassar, no colo das mães, as profundas intuições femininas pela vida e não pela morte. Com o leite, os bebês poderiam ser iniciados no mundo da simbiose do bem-querer.

Sem mencionar as demais propriedades terapêuticas do chá de alfafa, estaria nele o genuíno remédio, nada atrelado aos grandes e poderosos grupos farmacêuticos.

O chá de alfafa entraria, como a brisa suave dentro das casas, e, através do “corpo-a-corpo” das boas conversas, poderia disseminar-se até chegar a toda a humanidade, para, enfim, após tanto neurônio queimado em favor do saber humano, possa ele, na gratuidade de um dos grandes dons da natureza, a alfafa, elevar a dignidade e o respeito entre seres humanos.

Os trilhões de dólares investidos por pessoas, que se dizem ajuizadas e de bom senso, para sofisticar cada dia as armas de destruição, poderiam, em suma, a partir do chá de alfafa, serem revertidos para pensar em construir lares, praças, hospitais e jardins, a fim de que o bem-estar de todos os seres vivos, neste grande jardim, possa enaltecer a Terra.

 

Palavras Finais

 

Das fantasias infantis, aos outros sonhos de elevação dos pendores do quanto os humanos poderiam ser mais refratários diante do poder da publicidade midiática, sobretudo, da manipulação de poderosos e grupos hegemônicos, para lhes apontar rumos menos truculentos.

Neste itinerário, que a cada dia mais apavora, com riscos reais e efetivos da iminência de uma grande destruição humana, acaba falando, ainda mais alto do que os sons automotivos, o som de paranoicos desvairados e deslumbrados pelo seu super-poder.

Quando o foco central das apostas está na mira das armas mais potentes e sofisticadas para matar pessoas, já não reina humanidade, mas, a doentia obsessão por dominar outros seres. Diante deste obscuro horizonte, que se desvenda aos olhos, sonhar e debochar de forma simples e irônica da estupidez humana, na iminência da tragédia da vida no planeta Terra, permite uma catarse intuitiva, para além de invenções práticas e objetivas, a fim de que sonhos similares de muitas pessoas, possam configurar algo similar à mediação atribuída ao chá de alfafa.

Alfafa constituía o trato nobre aos milhares de cavalos nos quartéis de formação de soldados para a guerra. Feno de alfafa deixava os cavalos, fortes, saudáveis, bonitos e dóceis às ordens dos bravos montadores.

Quem sabe, na alegoria da alfafa, homens tratados diariamente com quantia razoável desta fonte de proteínas e outros benefícios à saúde, poderiam situar o juízo no seu devido lugar e se tornarem sujeitos sadios, elegantes, corteses, respeitosos, saudáveis, para lidas e andanças, que não sejam as de perseguir e matar. Então, ainda sobrará, chance para exultação nas gratuitas alegrias, a partir da partilha de sonhos.

Crer no malogro da capacidade humana de se transcender para níveis de maior capacidade de convivência e respeito, seria uma tragédia e um fatalismo cruel. Por isso, sonhar, ainda pode evidenciar algo que possa contribuir para uma saída do marasmo de pensar mais com as entranhas do que com a síntese entre cérebro e coração.

Por fim, José Malaquias ponderou sobre a característica da narrativa deste assunto merencório, soturno e fantasioso. Como não chega a ser parenta próxima da literatura de cordel, denominou-a de “Literatura de Vergel”, passível de ser lida em menos de meia hora, debaixo de uma árvore, para inebriar-se, durante alguns instantes, com algo que procede do fundo de galpão, estabelecido no meio do arvoredo do jardim. Ali, poderá a interação alargar-se com textos pequenos, de leitura rápida, muito aquém dos elevados parâmetros da Academia.

 

 

quarta-feira, 23 de julho de 2025

O GALO CRISPIM

 

 

A cabeça avermelhada do Crispim,

Revela sua genética toda chinfrim,

Pois, como o galo da raça de rinha,

Quer ter último grito sobre galinha.

 

Anda numa crise sem precedentes,

Por sentir apatia dos dependentes,

E seu apelo veemente e totalitário,

Nada salva no seu puleiro solitário.

 

Absorveu aquela doença paranoica,

Da pressuposta onisciência egóica,

Como macho super-macho do sítio,

Vê pinto a gozar seu estado de sítio.

 

Percebe o mando de tantas galinhas,

A negligenciá-lo como galo das rinhas,

E ele constata a perda da hegemonia,

No terreiro do seu canto de artilharia.

 

Galinhas com seus pintos multirraciais,

E frangotes cantando como seus rivais,

Levam o galo Crispim à crise subjetiva,

De ver seu poder e glória numa deriva.

 

Para disfarçar sua crise ainda propala,

Que está faltando macho que se regala,

E engrossa pescoço para grito altaneiro,

De que falta bom macho no galinheiro.

 

Descarrega sua raiva contra as galinhas,

E galinhagem contra frangadas daninhas,

Pois, nos ovos amplamente fecundados,

Já não constam seus genéticos legados.

 

Mesmo cantando que é o imbrochável,

As galinhas fitam outro frango adorável,

E ignoram o frenético discurso machista,

Que, para o galo Crispim, é universalista.

 

Sequer o apelo à sua mitológica função,

De raça superior numa redentora ação,

Aponta a luz no escuro terreiro político,

Para recuperação do seu poder acrítico.

 

O sexismo fanático e violento no terreiro,

Culpa galinhas por pouco macho fagueiro,

Porque não se acocoram para o seu pulo,

E nem encaram seu galanteio todo mulo.

 

Longe da docilidade que ele deseja captar,

As galinhas, frias ao seu sistema disciplinar,

Nem mesmo se encantam com a sua crista,

Ruborizada de tanto fracasso na conquista.

 

Tudo isso deixa o galo Crispim bem raivoso,

Seus bagos seminais sem libido impetuoso,

Para obter galinhas submissas no terreiro,

Pois, já estão seguindo em outro carreiro.

 

A luta incansável pela virilidade de macho,

Do galo forte e guerreiro virou o escracho,

Que nem com o suposto charme recupera,

E, apenas uma galinha que com ele impera.

 

Ambição por colonizar os frangos do sítio,

Nem com as zurzidelas do poder do lítio,

Inibe galo Crispim ante o risco revoltado,

Sujeito a deglutir seus culhões em assado.

 

 

 

 

 

 

 

 

terça-feira, 22 de julho de 2025

TEMPO DE ATURAR

 

 

Milênios de ordens sobre amar,

Em prédicas, além do alto-mar,

E com incontáveis orientações,

Produziram muitas conversões.

 

Pouco alargaram o testemunho,

Menos ainda, irradiaram cunho,

Duma reciprocidade respeitosa,

Para vida humana mais graciosa.

 

Com amor pregado nos altares,

E ódio cultivado nos patamares,

Solidificou-se uma bipolaridade,

Que fez muito mal à sociedade.

 

Também o amor dos romances,

Tão exaltados em largos lances,

Cantados em populares cantos,

Exaltam intrigas e desencantos.

 

Amor virou palavra tão ambígua,

Que até para a intimidade exígua,

Representa ódio e larga vingança,

De mórbida posse com abastança.

 

Sob o amor dos cantos românticos,

Espalham-se os ódios piromânticos,

Da perseguição com dura vingança,

Sem respeito e dó à nova andança.

 

Como amor e ódio andam casados,

E vivem sob os rompantes odiados,

Convém recuperar o uso do termo,

Do significado de aturar-se no ermo.

 

O ambiente fechado e homogêneo,

Em grupos com o ódio heterogêneo,

Não admite que na diferença social,

Haja respeito para distinção cultural.

 

Assim, carecemos de ação urgente,

Para reaprender a noção premente,

De nos aturar nas tantas diferenças,

E persistir na tolerância de crenças.

 

Minguado fruto do amor apregoado,

Em meio a tanto ódio bem cultivado,

Nos aponta para difícil e dura guerra,

De aturar-nos para viver nesta Terra.

 

 

 

 

 

 

 

DEUS-CONOSCO


Da simbólica estrela do oriente,

Que apontou para um vivente,

Acolhido como Deus entre nós,

Abriu caminho seguro e veloz.

 

Da outra imagem duma nuvem,

A dialogar com inseguro homem,

Lembra o Deus próximo e cordial,

Sem nada de arrogância triunfal.

 

Nestas experiências hierofânicas,

Sem exibição de ações ufânicas,

Ativado o apelo a favor do outro,

Fitava-se solidário jeito essoutro.

 

Da experiência concreta vivida,

Para a convivência enternecida,

Criou-se Deus da ideia abstrata,

De ação amorfa, vaga e secreta.

 

O Deus sem irradiar bom cheiro,

Da ideia dum distante altaneiro,

Somente favorável às vaidades,

É cria da mente de habilidades.

 

Ou é deus da noção platônica,

Da moderna técnica eletrônica,

Ou deus da fantasia devocional,

Para largo conforto sentimental.

 

Nossos dias também aprontam,

Nas ritualizações que afrontam,

O deus mágico do culto pessoal,

A agir no perfeccionismo ritual.

 

Ótimo deus a elevar a vaidade,

Do pregador divino à saciedade,

Como um iluminado repassador,

Dum secreto acesso ao criador.

 

Este deus o incita contra cinismo,

Do perverso e nefasto comunismo,

Sem apontar para a justiça social,

E sem combate à injustiça social.

 

Já não é mais um Deus-conosco,

Mas deus a ordenar tolo enrosco,

Para derrotar quaisquer inimigos,

Rotulados de insubmissos perigos.

 

A nuvem que orienta esta crença,

É a nuvem digital para a pertença,

Ao exército dos fiéis obedientes,

De tecnofeudalismos dominantes.

 

 

  

quinta-feira, 17 de julho de 2025

SIMULACRO DE HÉRCULES

 

 

Um filho bastardo de Zeus divino,

E de Alcmena do mundo humano,

Chamado Hércules, o viril e forte,

Foi contraditório na divina sorte.

 

Sem ser deus poderoso como o pai,

Em nada se sentiu um bom Adonai;

Sem ser um mero homem humano,

Teve que viver a lida do desengano.

 

O semideus de nascença ambígua,

Norteou a sua vida como o nígua,

Nesta contingência frágil, terrena,

Com alta rejeição na corte divina.

 

Hera, esposa de Zeus, no seu ódio,

Sempre o perseguiu, pelo episódio,

De ser fruto do ato da infidelidade,

Nesta vil condição da humanidade.

 

A Igreja católica em sua trajetória,

Efetuou um simulacro da inglória,

Ao gestar uma figura intermediária,

Entre Deus e a nossa vida ordinária.

 

 

Gestou padre no perfil tridentino,

Sujeito frágil, humano, feito divino,

Como mediador de divina salvação,

E instrumento augusto da redenção.

 

Redoma da formação presbiteral,

No tirocínio para um ser especial,

Produziu funcionários do sagrado,

Sem as virtualidades de iluminado.

 

Ideal do padre piedoso e afastado,

Relegou à história estranho legado,

Dum Hércules cheio de mil desejos,

Sem aprender a lida com remelejos.

 

Idealizado bom padre como clérigo,

Para iluminar no caminho esotérico,

Como ser, nem humano nem divino,

Não se adapta ao proposto destino.

 

Nunca formado para a sinodalidade,

Luta na sua denodada personalidade,

Para animar a fé dos fiéis no caminho,

Sem amparo, nem o sinal de carinho.

 

É cobrado pelo que faz e que não faz,

E seu superpoder religioso não apraz,

Mesmo enlevado no centro do altar,

E dali, pouco consegue entusiasmar.

 

Na sua sensibilidade psíquica, capta,

O quanto a sua auto-estima impacta,

Por constituir-se o alvo de cobrança,

Para santidade de precípua bonança.

 

Ninguém quer saber o que ele sente,

Sob a sua veste simples ou reluzente,

Mas espera que seja um super-herói,

Que belas e faraônicas obras constrói.

 

Não importa se está cansado e doente,

Mas, todos aguardam feição contente,

Na confirmação de todo pedido feito,

Sem nele reconhecer qualquer preito.

 

No fulgor dos semideuses venerados,

Sobrevivem frágeis solitários isolados,

Que ouvem críticas ásperas e nocivas,

Como solteirões das quedas abusivas.

 

As cínicas e debochadas comparações,

A ironizar com denegridas ilustrações,

Os elevam como exímios pervertidos,

A esconder-se sob os panos coloridos.

 

Das raízes das convocações de Cristo,

Na Galiléia de pouco gesto benquisto,

Emergiu o seguimento de discipulado,

Que se desviou para poder exagerado.


Infelizmente a suposição onipotente,

Criou um clericalismo improcedente,

Dos metidos a Hércules trapaceiros,

Para agir como superiores loroteiros.

 

Sob a autoridade das capas douradas,

O detalhismo de ações ensimesmadas,

Em torno das rubricas e atos mágicos,

Leva-os a enaltecer poderes frásicos.

 

Propalam nas afirmações categóricas,

Verdades divinas nas formas retóricas,

Para mapear com largas moralizações,

Toda a vida diária das cotidianas ações.

 

Na sua longa e dispendiosa formação,

Aprenderam a ser elite da divina ação,

A viver da teologia do pano colorido,

Que afirma poder superior instituído.

 

Como supostos semideuses especiais,

Criam os demorados e exóticos rituais,

Rodeados pelos coroinhas e acólitos,

A auferir-lhes reverências e meneios.

 

Contra o mito da alta superioridade,

Do padre em sua ação na sociedade,

Existe elevado número de humildes,

Com perfil de ação de outros moldes.


Esmeram-se com discípulos do Senhor,

E oferendam a sua vida como penhor,

Para que o bom jeito de Jesus Cristo,

Ajude a criar mundo mais benquisto.

 

Bem distantes da Teologia das roupas,

E dos megalomaníacos guarda-roupas,

Vivem a simplicidade do seu ambiente,

E com ele levam vida muito relevante.

 

Homens retos, honestos e dedicados,

Na causa do Reino, bem apaixonados,

Que rezam e se cultivam na coerência,

Pela boa proximidade na convivência.

 

Mesmo captando os muitos não ditos,

Sentem-se, em sua fraqueza, benditos,

Porque esperam sinais de compaixão,

Da bondade divina em larga profusão.

 

Tateiam como tantas outras criaturas,

Buscam força nas sagradas escrituras,

No olhar focado aos sinais do tempo,

Sem o tédio do vaidoso passatempo.

 

Mesmo sentindo variadas cobranças,

Solidários com as sofridas andanças,

Partilham sua fé com o testemunho,

Duma mística de humanitário cunho.


Nem poderosos acima do bem e do mal,

E sem obsessão pelo simulacro triunfal,

Movem-se como outros na contingência,

Sem os aparatos de gloriosa precedência.

 

Como discípulos movidos pela esperança,

Esperam colaborar com Deus na andança,

Da vida humana denegrida por ambições,

Sem as solidárias e compassivas missões.

 

Gestos pequenos e bem despretensiosos,

Revelam os seus lídimos feitos religiosos,

Que revelam o divino no ignóbil humano,

Para que vida não se mova no desengano.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

quarta-feira, 9 de julho de 2025

O GALISPO MIGUEL

 


Rebento de longa miscigenação,

Nasceu ele com a condecoração,

De um nome sagrado e religioso,

Todo ungido para ser prodigioso.

 

Bem distante de raça prestigiada,

Por alguma virtualidade venerada,

Vicejou num terreiro das disputas,

Entre galos briguentos e recrutas.

 

Tão pequeno no tamanho e força,

Mas, muito ágil e metido na praça,

Descobriu cedo seu cantar de galo,

Para ser algo mais que um vassalo.

 

Um galo metido a ser imperialista,

Aliciava uns seletos para conquista,

Demonizava outros como inimigos,

Visava só pios e submissos amigos.

 

Com ele, os outros arrastavam asa,

E ninguém queria ficar na vala rasa;

O galispo, sem lugar no rol político,

Previu sua sorte como  o metacrítico.

 

Na sua plumagem airosa e exibida,

Sentiu a contingência smilingüida,

Mas, teria na graça do espetáculo,

Um superior e vigoroso tentáculo.

 

Condecorado com o nome Miguel,

Para solucionar confusão de Babel,

E cantar fino bem mais que outros,

Sob argumentos divinos e doutros.

 

No tirocínio deste sonho visionário,

Foi convencido como extraordinário,

O escolhido pela superior majestade,

Para ser um mediador na sociedade.

 

Do galispo insignificante e ignorado,

Brotaria a vertente do divino legado,

Venerada e valorizada pela Teologia:

O galispo, ungido para ser santo guia.

 

Educado para ser instância superior,

Esqueceu seu frágil mundo inferior,

E sentiu-se acima do bem e do mal,

Para coordenar galinha e galo rival.

 

O gosto da teatralidade imagética,

Elucubrou a sua trajetória estética,

Que ornamento, seu sinal superior,

Seria dom precípuo do pleno fulgor.

 

Enfeites dourados e multicoloridos,

Rodeado por súditos com os alaridos,

Uns segurando seus panos dourados,

E outros, para acender círios ornados.

 

Um para segurar vistoso microfone,

Outro, para alcançar-lhe o telefone,

Mais outro para servir copo de água,

E um grupo para dissuadir sua frágua.

 

O epicentro da magia sobrenatural,

No cenário colorido dum ato teatral,

O galispo prega, sob fina arrogância,

Para fruir sua suposta exuberância.

 

Impõe o seu autoritarismo frenético,

Ao argumentar sob o perfil fanático,

Que seu corpo permeia algo superior,

Pois, nele se revela o altíssimo Senhor.

 

Presume possuir exércitos celestiais,

Capazes de combater todos os rivais,

E supõe que Deus age por meio dele,

Para todos aqueles que confiam nele.

 

Ataca tanto para a direita e esquerda,

A fim de assegurar interesseira cerda,

Quer associa a prosperidade material,

A graça divina vinda do sobrenatural.

 

Distante da movimentação pacifista,

Quer marchar para Jesus triunfalista,

Para obter boas isenções tributárias,

E muitas e amplas vitórias ordinárias.

 

Leva a orar a Deus para obter riqueza,

Com farto acúmulo da divina presteza,

Que favoreça todos os seus interesses,

Com derrotas de inimigos, e benesses.

 

Imagina sua alteza vestido em capas,

Enlevado semideus cheio de atrapas,

Com megalomaníacas obras divinas,

Para obnubilar as reais ideias sovinas.

 

 

 

 

 

<center>VINHO NOVO</center>

    Jesus recomendou barril novo, Para um vinho bom de renovo. O vinho era o símbolo de festa, E não deveria deixa-la molesta.  ...